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66 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48

Assim, até ao final do século XVIII, as ilhas não mais deixaram de ser alvo de persistentes assaltos dos corsários estrangeiros; algumas erupções do fumegante vulcão do Fogo projectaram suas lavas devastadoras n grandes distâncias; uma pavorosa inundação arrastou para o mar um quarteirão completo da vila da Ribeira Grande, a capital de outrora; e, por seu lado, no século XIX, os governos da metrópole alhearam-se do* assuntos caboverdeanos, em virtude de, primeiramente, andarem empenhados em expulsar os franceses e depois por serem possuídos pela preocupação obsessiva de implantar entre nós as recém-importadas ideas liberais.
Para cúmulo da desventura surgem, temporariamente. As horrorosas crises alimentares, que, persistindo até aos nossos dias, irão vitimar muitas dezenas de milhar do pessoas e de animais: três grandes períodos de fome no século passado e já outros tantos no actual - em 1903, em 1921 e o último há três anos apenas; e para ensombrar mais este quadro de infortúnio, em 1856, uma mortífera epidemia de cólera-mórbus dizima famílias inteiras, ficando desertas muitas aldeias da Ilha de S. Nicolau.
Sr. Presidente: a acção erosiva dos homens e dos animais - especialmente os milhares de cabras domésticas e selvagens que, na maior liberdade, vagueiam pelo Arquipélago - tem auxiliado enormemente a repetição das vagas de miséria, motivando profundas alterações meteorológicas, derivadas da destruição contínua e desorientada das espécies botânicas que cobriam as ilhas Ti data do seu descobrimento; e haveremos apontado as principais origens das calamidades caboverdeanas se acrescentarmos as violentas lestadas, que, acelerando a desarborização, comprometem a pluviosidade e, por conseguinte, condicionam a escassez de água, com prejuízo grave para o clima e para a vida e bem-estar da gente crioula.
Frequentemente, também, se tem imputado à imperfeita divisão da propriedade, ao iprimitivismo de processos agronómicos utilizados pêlos naturais e à sua indolência uma cota parte das causas dos males que afectam o Arquipélago. Se, com efeito, o caboverdeano não sabe ainda tirar da terra tudo o que esta lhe pode oferecer, no entanto numerosas pessoas, no tempo das lavouras, mourejam nos campos ingratos e ressequidos, desenvolvendo esforços pertinazes e admiráveis; outras dedicam-se afanosamente às labutas da pesca marítima, laboram nos trapiches ou engenhos do açúcar, nas fábricas de conservas de peixe e de manipulação de tabaco e na indústria salineira, quando não se ocupam no transporte de pesados fardos, à cabeça e a pau e corda, por carreiros alcantilados, pedregosos e difíceis, tam característicos destas acidentadas ilhas.
E se seus habitantes não conseguem empregar-se na terra-mãi e arranjam possibilidades de emigrar, fazem-no de preferência para as colónias portuguesas de África, Américas e ilhas de Sandwich, territórios onde são apreciados condignamente, tanto pelo seu amor ao trabalho como pelas qualidades morais e intelectual que possuem.
Ultimamente, e por causa da guerra, as dificuldades dos caboverdeanos aumentaram extraordinariamente; a falta de navios mercantes estrangeiros que, antes do conflito e não obstante a temerosa competição das Canárias e de Dakar, se serviam dos seus portos a fim de se abastecerem de alimentos frescos e de combustíveis, junta a outros factores de esmorecimento comercial, concorre bastante para o estado de depressão económica em que o Arquipélago se encontra.
Sr. Presidente: o Governo, após a elaboração de demorado e indispensável plano de obras - para o qual preponderantemente contribuiu a visita a Cabo Verde
do ilustre Ministro das Colónias, realizada em 1942 -, conhecendo minuciosa e perfeitamente todas as circunstâncias, propõe-se enfrentar satisfazer as mais instantes necessidades da colónia e estimular o seu progresso, promovendo, tanto quanto humanamente for possível, a extinção ou a neutralização das crises de fome que, de onde em onde, apoquentam os naturais.
No notabilíssimo relatório que acompanha o decreto-lei n.° 33:508, em síntese magistral, focam-se as múltiplas facetas dos problemas postos em equação: construção de estradas e caminhos de montanha e beneficiamento das vias existentes, poucas e mal conservadas; aproveitamento da água das ribeiras, das nascentes e do subsolo, quer para abastecimento de água potável às povoações e para os serviços de salubridade pública, quer para regas, favorecendo a fertilidade dos terrenos f melhoria da produção; e, finalmente, a intensificava o do repovoamento florestal, tarefa basilar, sem a qual não se obterão regularidade de chuvas, abundância de água e benefício do clima.
É a primeira vez, Sr. Presidente, que as ilhas crioulas vêem as suas questões vitais tratadas em conjunto pela metrópole, com o carinho, inteligência e bom senso que tá tanto tempo reclamavam o portuguesismo dos caboverdeanos e o excepcional valor político e estratégico da posição do Arquipélago no Atlântico. (Ao fazer esta afirmação não pretendo esquecer as diferentes tentativas parcelares, e que por isso resultaram infrutíferas, ensaiadas em favor de Cabo Verde).
A par das indicações de carácter administrativo e técnico e dos patrióticos fins a atingir pela missão, e com a maior brevidade - no diploma declara-se que w obras começarão a executar-se imediatamente após a conclusão dos trabalhos de gabinete e dentro de um prazo que nunca excederá dezoito meses -, a presente medida legislativa contém nova e excelente doutrina que enche de contentamento não só os caboverdeanos como ainda todos quantos se entregam ao estudo dos seus problemas.
Sr. Presidente: a demonstrar, por forma objectiva e insofismável, que «ali também é Portugal», o Governo da Nação, depois de haver preparado, convenientemente, um plano de trabalhos, vai ordenar o respectivo estudo in loco, em condições análogas às que, em matéria de obras públicas, se estão pondo em prática nas ilhas adjacentes, o que equivale a dizer que os encargos da missão correm por conta da Mãi-Pátria, talqualmente o que acontece com as missões técnicas enviadas à Madeira e aos Açores.
Contudo, não é a liberalidade financeira do Governo central que deve impressionar, mais em especial; esta nobilíssima atitude, de incalculável significado político, nacional e internacional, no momento presente, traduz absoluta garantia e certeza indubitável da dedicação e interesse que a Nação vota às ilhas, de Cabo Verde, aproximando-as espiritualmente cada vez mais da metrópole, colocando-as em situação moral semelhante à das ilhas adjacentes - o caminho natural para a respectiva identidade de regimes administrativos, a aspiração máxima dos portugueses de lei que são todos os filhos do Arquipélago, completamente integrados na civilização ocidental e cristã, inteiramente assimilados ao nosso espírito, à cultura lusitana.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Rodrigues Cavalheiro: - Sr. Presidente; permito-me chamar a atenção da Assemblea Nacional para alguns factos ocorridos ultimamente e que merecem co-