15 DE MARÇO DE 1944 223
A Carta Orgânica do Império Colonial Português, no artigo 154.°, diz:
«São propriedade de cada colónia: 1) Os bens, mobiliários ou imobiliários, que dentro dos limites do seu território não sejam propriedade privada».
Estas disposições manifestam claramente uma orientação nova da nossa legislação, preconizada na doutrina e votada no Congresso Colonial de 1901, para as colónias que constituem uma personalidade moral e com autonomia financeira. Não há, porém, que discutir o sistema adoptado; somente importa determinar a sua essência.
A expressão domínio da colónia compreende duas modalidades: domínio público e domínio privado. O domínio privado, que tem seu regime no Código Civil, não interessa à proposta. Aqui só interessa o domínio público. O conceito de domínio público, porém, abrange por sua vez duas modalidades: abrange bens que todos podem utilizar directamente e os necessários ao exercício da actividade do Estado, como a defesa nacional e outros, e cuja ocupação pelos particulares só pode ser feita em consequência de concessão de serviços públicos ou por licença especial e a título precário. Nesta modalidade se devem incluir, até certo ponto, os bens ocupados pelos indígenas e seus aldeamentos, porque também se encontram de um modo geral fora do comércio jurídico privado. E abrange bens que os particulares podem adquirir ou explorar perpétua ou temporariamente, mas nunca a título precário, embora sujeitos a condições que não se encontram no regime geral da propriedade. Foi até para poder criar um regime especial para certos bens que o Estado estabeleceu a dominialidade dos bens das colónias não apropriados por título particular, como fez em relação a outros bens especiais - minas nascentes de águas minerais, etc.
Se o domínio pertence à colónia, e não tanto para que esta obtenha uma receita pela sua concessão mas para assegurar o aproveitamento de certo modo, é necesssário, sob pena de se frustrar êste objectivo, não dar valor a quaisquer formas de adquirir da lei civil, em que não há a intervenção do proprietário e que resultam de situações de facto, com base na posse.
5. A entrega à exploração das terras coloniais varia conforme o seu destino; ora, segundo êste e nos termos das leis existentes, os terrenos disponíveis (do domínio público) dividem-se, para o efeito das concessões, em:
a) Terrenos das áreas das povoações europeias e seus subúrbios;
b) Terrenos reservados;
c) Terrenos vagos.
Estes agrupamentos são determinados pelas afinidades que há entre eles, atendendo ao seu destino e identidade de regime jurídico.
Os terrenos incluídos na primeira alínea têm uma fisionomia própria, destinam-se a habitações ou a dependências de habitações - pequenas explorações agrícolas, comerciais ou industriais directamente ligadas à família.
Os da segunda alínea constituem as reservas. Uma das críticas feitas à lei de 1901 recaiu sôbre o regime das reservas, considerado mau por deficiência quanto ao número e regulamentação. A proposta prevê reservas relativamente a aldeamentos indígenas e suas explorações e reservas destinadas à colonização nacional, que importa considerar, por serem naturalmente destinadas a ocupação ou concessão.
O Estado Português coloniza na base de uma colaboração com as populações indígenas e, por consequência, das suas condições de vida e desenvolvimento, e, pretendendo educar, não quere destruir nem tradições, nem hábitos, nem formas de viver, que não sejam incompatíveis com a civilização.
Por isso lhes destina os terrenos necessários para a sua actividade e permite que sejam ocupados segundo os seus usos e costumes.
As reservas para colonização nacional têm fácil justificação.
Com efeito, é dever do país que tem colónias difundir a civilização, e não há processo mais actuante do que nelas estabelecer núcleos dos seus nacionais.
Por outro lado, êste dever é também um direito que resulta dos sacrifícios que a ocupação e a colonização exigem à metrópole.
Mas a colonização, no seu aspecto de povoamento da raça branca, não pode fazer-se ao acaso e em qualquer lugar, mas só nos lugares em que os metropolitanos se podem manter e empregar vantajosamente a sua actividade. Isto sem prejuízo das explorações que é possível fazer com mão de obra indígena.
O último grupo da classificação é constituído pelas terras vagas, que são aquelas que nem fazem parte do domínio público indisponível, nem estão incluídas nos dois grupos anteriores. Compreendem as grandes extensões de terra e destinam-se propriamente à produção agrária, à formação das grandes fazendas agrícolas, pecuárias, florestais, agro-pecuárias e agro-industriais.
6. Importa agora, visto que já se conhece a natureza jurídica das terras coloniais, examinar as condições em que podem ser ocupadas. Comecemos pelos bens do domínio público indisponível. A expressão quere significar que nenhuma ocupação de tal domínio pode entrar no comércio jurídico privado, mas não proíbe a ocupação por particulares em proveito exclusivo e próprio. O domínio público que for necessário à exploração de um serviço público pode ser ocupado pelo concessionário. Esta ocupação não tem, porém, carácter autónomo, segue a regra da concessão de serviço e o seu regime será determinado na respectiva concessão.
O que aqui interessa são as concessões de ocupação. Essas estão reguladas nas leis dentro dos limites estabelecidos no Acto Colonial (artigos 9.° e seguintes), e por isso basta definir as condições de autorização. A proposta, no artigo 7.°, alínea b), marca o período da autorização e indica a entidade competente.
Na classe dos bens insusceptíveis de sôbre êles se constituir propriedade privada estão ainda os aldeamentos indígenas, que podem ser formados dentro ou fora das reservas.
O regime dos aldeamentos é determinado pelos usos e costumes, não constituindo a terra propriedade privada, embora se admitam certos efeitos desta categoria jurídica. A proposta só se refere aos aldeamentos para determinar a autoridade concedente e a gratuidade da concessão. Atribue a competência ao governador da colónia (artigo 8.°, n.° 5.°).
7. Todos os terrenos nos aglomerados populacionais e seus subúrbios, terrenos das reservas susceptíveis de propriedade privada e das terras vagas, só podem ser aproveitados pêlos particulares mediante concessão.
Esta porém reveste fisionomia diferente, como é natural.
As concessões urbanas, suburbanas e comerciais destinam-se à habitação, a pequenas explorações agrícolas ou à actividade comercial, e, por consequência, o regime da concessão há-de adaptar-se a êste destino; as concessões nas reservas terão por sua vez um regime próprio, conforme o fim da reserva; as concessões nas terras vagas são determinadas pelo objectivo do aproveitamento da terra.