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28 DE MARÇO DE 1944 325

Não deixarei, porém, de assinalar que a legalização das propriedades ultramarinas, a sua delimitação e demarcação e o estabelecimento de um eficiente sistema de registo são questões que continuam, por emquanto, em suspenso.
Mas sinto-me no dever de chamar a atenção do Govêrno para os graves embaraços que hão-de resultar da demora em regularizar um tal estado de cousas.
A facilidade com que, sob a protecção passiva da lei, se têm improvisado documentos e admitido ao registo nas conservatórias, fez já subtrair ao seu destino uma considerável parte do domínio colonial.
Há, pois, que proceder à revisão dos títulos de posse e propriedade, embora com um critério de tolerância, mantendo nos seus direitos só os legítimos detentores.
Outras questões, como o aperfeiçoamento do regime do concessão, a simplificação das suas normas reguladoras e, acima de tudo, o aproveitamento das terras, devem encontrar na proposta, senão uma solução definitiva, pelo menos aquela que mais aconselhada se afigura nas actuais circunstâncias.
A necessidade de uma medida em que se unificassem e, ao mesmo tempo, simplificassem os trâmites da concessão era desde há muito reconhecida e manifestada.
Houve mesmo várias tentativas de compilação: comissões nomeadas, trabalhos começados, alguns relatórios apresentados. Mas nunca coroadas de total êxito.
Para se avaliar do que era o quadro legislativo neste capítulo basta dizer que só em Angola, e desde 1913 a 1935, foram publicados vinte e um decretos, trinta e três diplomas e quarenta e quatro portarias, todos relacionados com a matéria de concessões.
Estes números, se por um lado dão a medida da atenção que o assunto tem merecido à Administração, por. outro traduzem a forma tumultuaria como tem sido encaminhado.
Depois critérios desencontrados, competências díspares, formalismos improveitosos.
Ora a proposta põe termo a esta situação caótica, e daqui a sua primeira e indiscutível vantagem.
Outra vantagem é a de actualizar o mecanismo processual da concessão e de o adaptar à hierarquia vigente na ordem administrativa.
Nesta adaptação seguiu-se um método de distribuição de competência, graduada pelas diversas autoridades das colónias e do continente, no que foram concordes a proposta e o parecer.
O benefício da celeridade que tal solução permite destrói quaisquer argumentos que em favor de uma excessiva concentração pudessem invocar-se, sabido como a demora na organização e despacho do processo de concessão seria vício inerente, e contra, ele se pretende legislar.
Só nas concessões de grandes áreas parece aconselhável a intervenção dos órgãos metropolitanos. Então, sim, pode haver razões de alto interesse, que só ao Govêrno compete apreciar e que só o Govêrno normalmente deve conhecer.
Aliás, a lição dos nossos governadores coloniais, pelas suas figuras mais representativas, mostra-se contrária às liberalidades territoriais.
Um dos males da nossa economia ultramarina foi sem dúvida o das concessões em larga escala. Deu origem a uma espécie de feudalidade, transportada para as colónias, em que os abusos senhoriais entorpeceram o seu florescimento.
A situação financeira das concessionárias também não correspondeu em muitos casos à sua avidez de superfície, do que resultou a estagnação de certas regiões, com evidente desrespeito por vezes pela letra dos contratos e sempre com prejuízo para as colónias.
Isto levou António Enes a escrever num dos seus relatórios, com toda a autoridade da sua pessoa e da situação que ocupava, que no nosso País é uso fazer contratos com o Estado no propósito reservado de os não cumprir.
Bem sei que a exploração económica de uma região nova e intranquila é quási sempre acompanhada de consideráveis perdas para os primeiros que a ela se abalançam. Esta razão teria levado a algumas contemporizações.
Mas hoje, que os domínios ultramarinos estão pacificados, as operações de cadastro em relativo andamento, numerosos estudos de carácter agro-pecuário realizados, e sobretudo umas dezenas de anos de experiência vividos, o risco das empresas encontra-se sensivelmente deminuído, tornando-se indispensável que os concessionários dêem efectivas garantias de satisfazer as suas obrigações.
Se na execução da lei em que há-de converter-se for alcançado este objectivo, a proposta marcará a sua mais alta e definitiva vantagem.
Ligada intimamente com a substância da proposta está também a escolha da forma jurídica da concessão.
O regime das terras, se mão imprime só por si o sentido da evolução económica colonial, influe nele decisivamente.
A escolha da forma jurídica da obtenção das terras é por consequência uma problema de primacial importância.
Para mais, a nossa colonização nunca teve um cunho verdadeiramente oficial, mas foi sempre mais obra da iniciativa particular, mercê de uma reconhecida predisposição que Gilberto Freyre já procurou explicar pelo passado étnico.
O colonizador português, diz aquele notável escritor brasileiro, foi o primeiro a deslocar a base de colonização da pura extracção de (riqueza para a sua criação local.
Os contratos de aquisição da terra são, assim, ponto culminante da obra de valorização das colónias, pelo que podem concorrer para a atracção do esforço, do empreendimento e do capital nacionais.
Sr. Presidente: o problema jurídico da concessão das terras pode revestir, doutrinàriamente, quatro modalidades: concessão gratuita, aforamento, venda e arrendamento. A concessão gratuita teve na literatura colonial alguns defensores.
Entendia-se que a gratuitidade seria uma forma de sedução de emigrantes e o Estado iria encontrar noutras receitas de natureza colectável as compensações para as entregas das terras.
Além disso, permitia um mais efectivo controle por parte da Administração e o colono podia desde logo empregar as suas economias no amanho e desenvolvimento da concessão.
Mas estas sugestivas promessas não se ajustam às conclusões tiradas da realidade e da experiência.
O homem, observa o Prof. Mérignac, nas colónias como na metrópole, não se liga verdadeiramente a uma obra senão quando é obrigado a investir nela os seus capitais. É um facto psicológico averiguado.
Depois a intervenção, certamente severa, do Estado afasta o colono activo, cioso da sua independência, e só fica a final o indigente, que, por falta de recursos, acaba por ser repatriado.
Quere dizer, uma solução contraproducente.
A enfiteuse foi, desde cedo, o processo seguido nas nossas colónias. Os terrenos eram então dados de aforamento ou sesmaria. Tal foi o regime da lei de 21 de Agosto de 1856, talvez a primeira a regular as concessões, subscrita por Sá da Bandeira.