7 DE JUNHO DE 1945
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Se olharmos aos percursos quilométricos das duas espécies de carreiras, à mesma conclusão chegamos.
Emquanto as carreiras concorrentes percorrem apenas 9:893 quilómetros, as não concorrentes percorrem 12:073, ou seja uma diferença de 2:180 para mais nas não concorrentes.
Evidente sinal de que à camionagem não convém tal concorrência.
Todavia, o caminho de ferro queixa se dela.
É certo que os percursos quilométricos da via férrea; no total (via larga e via reduzida), pouco vão além de 4:000 quilómetros, o que bem mostra a pobreza da nossa rêde ferroviária, que começou logo, ao estabelecer-se, em fixar a coluna vertebral do sistema junto do litoral, com a visível preocupação de ligar os dois maiores centros populosos do País, pondo de parte a zona central, onde a indústria agrícola e outras indústrias que o subsolo e a posição geográfica aconselhassem a criar-se e a expandir-se determinariam um afluxo de mercadorias aos caminhos de ferro e um aumento da riqueza do País de incontestável relêvo.
O interior do País, êsse rico hinterland, rico já no presente e rico de possibilidades no futuro, encontra-se inexplorado pelos transportes em via férrea, limitado a curtos percursos de via estreita, que, segundo os números do relatório do parecer, não chegam a 800 quilómetros.
O facto é evidente e de flagrante realidade.
Aí, nesse êrro inicial — creio ter sido um erro —, se filia uma grande parte, a meu ver, das razões que levaram à deminuïção de tráfego pela via férrea e à expansão da camionagem para essas regiões abandonadas pelos transportes ferroviários.
Em vários congressos regionais e da especialidade, em anos decorridos, antes da expansão automobilística, o problema era pôsto pelos interessados na região, por economistas e por técnicos dos caminhos de ferro, e tantas vezes se preconizou a construção dessa linha de via larga, que atravessasse o centro do País, feitas as ligações para o litoral e até à fronteira por meio de linhas complementares de via estreita.
Não sei o que será possível, ou aconselhável, hoje perante o desenvolvimento da camionagem.
Mas afigura-se-me propício o ensejo da preconizada coordenação dos transportes para uma revisão geral do nosso sistema ferroviário, tornando-o não só mais eficiente, cómodo, rápido e acessível, tanto na qualidade do material como nos preços das tarifas para as mercadorias e dos bilhetes para os passageiros, como estudando o problema duma maior expansão ferroviária pela transformação e actualização da rode existente.
O nosso País, embora de pequena superfície continental, bem maior é que a Bélgica, e não há comparação possível entre as rêdes ferroviárias dos dois países.
Basta olhar para o mapa respectivo dum e doutro.
O nosso atraso é, a tal respeito, lamentável, pouco ou nenhum interêsse tendo merecido ao Estado o problema ferroviário, que é preciso realmente enfrentar com ânimo decidido e bom espírito de servir o interêsse nacional.
Pôde dizer-se que depois das tentativas (assim pode chamar-se) dos últimos tempos da monarquia para melhorar e actualizar o sistema de transporte em caminhos de ferro nada mais se fez.
Os grandes percursos de via larga ou estavam entregues a uma ruinosa e desordenada administração do Estado, que ia chegando ao caos da indisciplina — ambiente propício para fermentos revolucionários por vezes eclodindo em perigosas sublevações e sabotagens —, ou se achavam a cargo duma emprêsa dentro de uma larga concessão e fruindo um exclusivo que, em vez de servir de estímulo para a grande e desejada beneficiação e melhoramento dessa espécie de transportes, permitiu um adormecimento reprovável, aquele — dulce far niente — de que veio agora acordá-la a concorrência do automóvel, a que atribue todas as culpas, como se de culpas não pudesse também sentir-se ré.
Lamenta-se essa emprêsa do pesado encargo que lhe trouxe o arrendamento em 1927 das linhas do Estado, de exploração deficitária, cujas perdas têm de ser cobertas pelos apreciáveis lucros da exploração da linha de norte e leste, de que é concessionária, que lhe permitiram saldos em média de 30:000 contos anuais até 1942, passando neste ano e no de 1943, segundo os mapas esclarecedores fornecidos à Assemblea a requerimento do ilustre Deputado Sr. Dr. Antunes Guimarãis, aperto de 70:000 contos.
Mas dêsse mapa também se vê que, apesar dos deficits dessas linhas que estão sob a sua exploração, nunca deixou de ter no balanço geral saldos importantes de dezenas de milhares de contos.
Seria caso para preguntar em que se aplicaram êsses saldos e se seria possível dentro dêles conseguir uma melhoria de situação, quanto ao material transportador e às facilidades de transporte de mercadorias e comodidade dos passageiros, que não se verifica.
Do que se expõe nos relatórios, tanto da proposta como do parecer, ambos elaborados — o que se diz sem desprimor — por ilustres ferroviários, vendo o problema através do prisma de uma primazia para o caminho de ferro, por vezes contraditòriamente talvez com o que se afirma a favor dos transportes em automóveis, parece tudo fazer-se depender da coordenação preconizada e da concentração que se propõe.
Só assim — uma mais larga concessão, a constituïção de uma forte emprêsa, a que o Estado daria as maiores probabilidades de êxito, todas as garantias em matéria de unificação de tarifas e eliminação da concorrência — poderá conseguir-se a melhoria dessa espécie de transportes, a renovação do material e seu aperfeiçoamento, a realização, emfim, de todas as condições necessárias para assegurar ao caminho de ferro a sua eficiência como serviço público que presta e o rendimento desejado da sua exploração.
Só assim, numa palavra, podem melhorar os caminhos de ferro e, pela coordenação, bater a concorrência da camionagem, de que tanto se queixa.
Mas não será lícito preguntar: se as emprêsas exploradoras tivessem aplicado de preferência os seus saldos nas possíveis melhorias dos transportes, não se teria evitado em grande parte a concorrência do automóvel?
Êsse esfôrço, evidenciado em palpáveis realizações, embora insuficientes, dariam aos caminhos de ferro e às emprêsas exploradoras situação de indiscutível autoridade para se apresentarem a solicitar o que no articulado da proposta se procura estabelecer.
Queixam-se igualmente os caminhos de ferro, e disso se faz eco largamente o parecer da Câmara Corporativa, da situação desigual em que se encontram os dois sistemas de transporte em matéria de tributos e impostos, agravados ainda os caminhos de ferro com o encargo de construir, conservar, manter e renovar o seu material fixo, ao passo que a camionagem tem a via pública — as estradas — à sua disposição, não tendo a tal respeito encargos.
Ora não é assim. Por uma nota referente ao ano de 1938, publicada pelo Automóvel Clube de Portugal, vê-se que o automobilismo pagou ao Estado nada menos que isto:
Taxas cobradas pela Direcção Geral dos Serviços de Viação... 3:941.408$00
Receita nos termos do Código da Estrada..................... 2:471.809$00
Imposto de camionagem....................................... 4:209.819$00