11 DE DEZEMBRO DE 1940 101
posta em discussão inovações tributárias de vulto, como a que aqui foi aprovada há anos e que estabeleceu o imposto sobre os lucros extraordinários derivados da guerra, princípio que então aprovei, embora discordando da fórmula proposta, a qual apenas veio a sofrer ligeiras modificações, e a nova modalidade de imposto complementar, na realidade um imposto progressivo e pessoal sobre o rendimento, do qual discordei por não ignorar que várias tentativas da sua aplicação, desde a de Barros Gomes, em 1880, até à dos Governos da República, que da posta de parte, com aplausos gerais, logo após o advento do 28 de Maio, haviam falhado, por não encontrarem entre nós o clima propicio que noutros países se verifica.
Tal inviabilidade não se filia, como, «aliás, se afirmou, em imperfeita noção dos deveres fiscais, mas sim em a escrituração privada que teria de orientar as declarações respectivas só excepcionalmente existir entre nós na economia doméstica, sendo certo que até nas pequenas e médias empresas apenas esporadicamente se cumprem as regras de rigorosa contabilidade. E, apesar disso, vai-se vivendo e trabalhando honradamente, não só para prover às necessidades das famílias, mas também para sustentar a complicada e custosa máquina do Estado e organismos satélites.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E ainda sobra para obras de solidariedade, como o atestam esses admiráveis cortejos das oferendas, que vão fornecendo às Misericórdias de todo o País elementos de vida de grande monta.
Em Portugal, onde, apesar de um clima temperado, só excepcionalmente têm acolhida certas manifestações de nudismo, também no domínio económico é geral a fobia pelos estendais das fortunas, todos procurando o recato e defendendo-se da devassa aos respectivos haveres pela curiosidade oficial ou pública.
Para exemplo, veja-se o decreto-lei n.º 35:594, que regula a cobrança do novo imposto complementar e que estabeleceu o registo, com carácter facultativo, de acções ao portador, ficando os dividendos das não registadas sujeitos ao elevado imposto de 12 por cento, que sómente seria devido, no caso de registo, por rendimentos de 500 contos, isto é, em raríssimos casos.
Pois verifica-se, segundo ouvi em vários estabelecimentos bancários, que a grande maioria dos contribuintes preferiu pagar ao Estado aquele elevado imposto de 12 por cento a ter de suportar a devassa daquele recanto dos seus haveres e a privar os títulos ao portador daquela mobilidade que tanto facilita as transacções e por isso os torna utilíssimos para empréstimos caucionados e outras operações, em que quaisquer peias, como as que agora os cercam quando registados, caso que também se verifica com os fundos estrangeiros, surgem a embaraçá-los.
Por outro lado, surgem casos destes: milhares e milhares de sociedades de rendimento colectável insignificante e proventos reduzidíssimos, que ficam aquém do limite acima do qual é devido aquele imposto, foram autuadas por, aliás de boa fé e som o propósito de lesarem o Estado, porque a isenção legal as beneficiava, não terem feito dentro dos prazos as declarações que pretendem exigir-lhes.
Muito acertadamente foram depois pelo Governo aliviadas do pagamento de pesadas multas as de rendimento colectável inferior a 5 contos.
Mas são ainda numerosas as que estão na alçada daquela penalidade excessivamente pesada, e seria de toda a justiça e conveniência determinar que o despacho que já beneficiou as de rendimento inferior a õ contos se torne extensivo às restantes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: esta nova modalidade tributária, para que a maioria dos contribuintes não estavam preparados, que sujeita a devassas e expõe a situação económica das famílias à curiosidade de muitos -o que profundamente contraria a Índole dos portugueses - e ainda dificulta a circulação e transacções em alguns dos maiores grupos de valores da fortuna nacional, com as consequentes baixas de cotação, foi, por isso, mal recebida pelos interessados, os quais, aliás, reconhecem a necessidade de contribuírem para as despesas do Estado, tanto mais que é geral a convicção de que as receitas públicas são zelosamente administradas a bem da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Repito: os contribuintes preferem pagar 12 por cento sobre os dividendos das acções ao portador e não as registarem, para se defenderem daqueles inconvenientes.
Certo estou de que os portadores de títulos estrangeiros, se o respectivo registo nas direcções de finanças fosse facultativo, como para as acções nacionais ao portador, não hesitariam em pagar aqueles 12 por cento, para que os referidos títulos readquirissem a liberdade de circulação e de transacção anterior à promulgação do novo imposto complementar, o que logo se reflectiria, melhorando-as, nas respectivas cotações e facilitaria as correspondentes operações.
Se a nova fórmula tributária proposta pelo Governo e aprovada na última sessão legislativa (já aplicada no ano corrente), mais que a prover de recursos a tesouraria, visa a contrariar as grandes fortunas, entendo não ser este o processo mais eficaz, pois é na sua génese, isto é, nas grandes concentrações, nos monopólios capitalistas e organizações financeiras equivalentes, que importaria intervir, para que as unidades económicas de menor volto, mas susceptíveis de exploração vantajosa em qualidade e quantidade e de consequências sociais e políticas de grande valor, pudessem espalhar-se no território nacional, sem os inconvenientes das primeiras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: feitas muito à pressa as considerações que devia à acertada providência a favor dos pensionistas do Montepio dos Servidores do Estado e expostas, também de corrida, as preocupações e queixas dos contribuintes sobre o imposto complementar, não posso deixar de me referir à oportunidade da redução da taxa do selo das especialidades farmacêuticas, que, sendo caríssimas, dificultam o tratamento dos doentes. Só louvores merece tão feliz iniciativa.
Sr. Presidente: no § único do artigo 4.º alude-se à reforma do imposto sobre sucessões e doações, nos termos da lei n.º 2:010, aqui aprovada na última sessão legislativa, na qual se estabelece a isenção até 150.000)$ a favor de descendentes e se autoriza a sua liquidação em prestações por largo período.
As palavras então pronunciadas nesta Assembleia para justificação daqueles preceitos pertencem ao número das que a memória retém e, assim, dispensam a sua reedição.
Mas, porque é geral a ânsia pela sua publicação (tão grande virá a ser a sua repercussão na estabilidade das famílias e das empresas), eu entendo dever trazer a esta Assembleia a afirmação de que, se aqueles princípios foram recebidos com gerais aplausos, a sua entrada em vigor não deixará de ser saudada por todos os bons portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!