12 DE DEZEMBRO DE 1946 115
nete - e só de gabinete -, sempre com muito boas razões, a que se chamam a razões políticas".
Mas é tarefa que temos de cumprir e que não admite já longas e cinzentas indecisões.
Pois não constituirá esta tarefa um dever de soberania?
E não realizará também o interesse de uma metrópole que já mal alimenta uma população que caminha apressadamente para as alturas dos dez milhões de habitantes e que despende angustiosamente em obras de colonização interna quantias que serão sempre superiores aos resultados práticos que alcançará?
O problema está estudado, visto, revisto e meditado. Sobre ele escreveram-se já todas as palavras necessárias e também as redundantes. Apenas falta realizar alguma coisa que exceda os limites e a importância dos 5:000 contos que a metrópole gasta quase exclusivamente em passagens de colonos e que as colónias de povoamento não podem custear.
Sr. Presidente: mais grave e embaraçosamente se põe a questão indígena. Sofremos perdas demográficas a que não poderemos resistir durante muitos anos, deparamos com problemas de mão-de-obra que só no repovoamento encontrarão soluções estáveis e definitivas e, na ordem de obrigações que temos como civilizadores das populações indígenas, surgem dificuldades, sobretudo de ordem sanitária, que temos de dominar com urgência, para não as encontrarmos insuperáveis um dia. Dificuldades que, diga-se de passagem, nem a organização actual nem os meios de que dispõem os serviços de saúde resolverão.
Não é o momento de desenvolver esta simples nota.
Obrigo-me a .esclarecer completa mente a Câmara sobre esta questão em outra oportunidade. Por agora quero apenas fixar que nos encontramos possivelmente -- em minha consciência certamente - perante o problema tais grave e perigoso da história económica das colónias durante os últimos cem anos, senão durante os últimos séculos. A questão indígena ameaça toda a estrutura económica e social, tão heróica e laboriosamente erguida, de Angola e Moçambique, e também dn Guiné e S. Tomé e Príncipe. Em Cabo Verde não há uma questão indígena, mas há, com aspectos peculiares e frequentemente trágicos, como actualmente, um problema demográfico igualmente sério e igualmente carecente de meios. Na Índia surgem também questões demográficas graves.
O panorama enegrece de ano para ano e os horizontes das soluções tornam-se cada vez mais curtos.
As medidas de emergência e de profundidade que seriam necessárias para atacar o problema com decisão exigem meios financeiros de que as colónias - ou só as colónias - não podem dispor. E com as medidas ou os desenvolvimentos de medidas de que, podia dizer, improvisadamente se tem lançado mão nos últimos anos (e com maiores ou menores reflexos no agravamento do imposto indígena) mal se trava ou retarda o ritmo catastrófico em que a questão se desenvolve, por mais que a propaganda tente, por vezes, soprá-las.
Outra tarefa urgente, de emergência, que exige decisão, firmeza, sentido das realidades, optimismo construtivo, desembaraço e meios.
A questão indígena, depois de João Belo, tem-se arrastado, embaraçada de retórica - retórica de discursos e retórica das próprias medidas legislativas -, que as circunstâncias exigem que cesse, para entrar no quadro das grandes realizações da Nação e das glórias de país colonizador que somos.
E, contudo, quem melhor do que nós compreendeu e realizou os princípios humanos de uma política indígena? Quem melhor do que nós, na nossa tradição e
ordem, está em melhores condições morais e espirituais de combater as dificuldades modernas do problema?
Dir-se-á, considerando o desafogo financeiro que parece verificar-se em algumas colónias, que talvez ainda desta vez elas possam dispor de meios para atacar tais problemas.
Não tenhamos ilusões; parte dos saldos com que sucessivamente se têm encerrado as contas de gerência, reflectindo embora uma ordem orçamental que é legítimo título de orgulho da obra administrativa do regime, resulta da insuficiência de dotações dos serviços, que muitas vezes têm verbas para existir, mas que não as têm para agir. Desaparecerá essa parte dotando, sobretudo os serviços de acção e fomento, com meios mais amplos e, aliás, indispensáveis. Outra parte resulta d." participação do Estado na euforia de negócios determinada pela guerra. É puramente circunstancial. E a parte que ficaria como resultado real do aumento da riqueza pública e do tacto da administração não é demais, nem talvez suficiente, para realizar os largos planos de fomento em que as colónias têm de se lançar, e que, decerto, excederão o alcance de desarticulados" e até agora trôpegos, planos quinquenais a 60:000 contos por ano.
Ora, acho bem que as colónias custeiem as suas obras de fomento e aplaudo a disposição da Carta Orgânica que o estabelece. A metrópole não se exigirá mais, para isso, do que a assistência financeira, naturalmente reembolsável. Mas, para que as colónias possam assumir eficientemente esse encargo, não (podem distrair os meios, aliás muito escassos, de que dispõem em cometimentos de soberania - ou porque de direito são de soberania ou porque como tal e de facto se impõem por força das circunstâncias.
E eis, Sr. Presidente, o os meios" a que mu referi no princípio deste arrazoado e sobre os quais a proposta de lei de meios é omissa.
Estas considerações não esquecem nem reduzem - ao contrário- o valor e importância da decisão com que só encorou a reconstrução de Timor nem da obra de arrumação financeira e de disciplina administrativa que as colónias devem ao regime V que, decerto, as salvou de aparatoso desastre. Nem tão-pouco permitirão a ninguém supor que alguém deseja ou recorda com saudade o tempo em que não havia, contas e em que as relações financeiras entre a metrópole o as colónias tendiam para um extremismo oposto ao actual.
E essa é outra das razões por que afirmei de princípio que os meus reparos não se podiam prestar a explorações políticas. Nem tais reparos poderiam ter lugar justamente sem a realização prévia dessa obra de ordem - única base possível (e alcançada) do que as colónias pretendem, a lei dispõe e o Deputado aqui defende; reparos que ao mesmo tempo respondem a certa acusação tão insistentemente formulada pela oposição: que não revemos os nossos erros, que não usamos o direito livre de crítica - que somos apenas um coro.
Decerto, Sr. Presidente, nem só os meios financeiros suo necessários à solução dos problemas a que me referi e de mais alguns. Outros é preciso considerar, num ritmo novo, que as circunstâncias da época impõem e que realize praticamente nas colónias o que os nossos princípios e doutrinas já estabelecem como directrizes de acção, e nomeadamente: meus orgânicos, que nos permitam sair da lentidão e de certo tipo burocrático para que tende mais e mais a nossa administração colonial; meios coordenadores, que nos permitam sacudir os vícios da descoordenação, que tanto embaraçam a execução dos princípios de solidariedade económica imperial e as questões sociais dependentes do custo da vida; meios de formação, que nos permitam constituir quadros objectivos de valores e sair de vez do recurso