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380 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 79

acerca dessa, deserdada da fortuna que é a lavoura portuguesa, e sobretudo a lavoura do Norte, que melhor conheço.
É sabido que nas épocas de crise, e nomeadamente nas épocas de guerra, é sempre a lavoura a grande, a principal vítima.
O fenómeno não é apenas português. É geral.
Em todos os países directa, ou indirectamente afectados pela guerra sempre a lavoura, suporta nesses períodos de crise um dos grandes, senão o maior, pesos das dificuldades e das atribulações.
E também não é do nosso tempo. Parece ter sido sempre assim.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Todavia, parece que não é forçoso que assim seja; e, sobretudo, não é forçoso que seja sempre assim.
Com a intervenção, cada vez mais activa e mais próxima, do Estado na direcção da economia, julgo possível, mesmo nos períodos de crise e de conflagração, travar-se a marcha daquele fatalismo ou, pelo menos, atenuar se grandemente os seus efeitos por meio de medidas oportunas e capazes, em ordem a evitar-se a catástrofe e a derrocada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Deixo aos técnicos o problema de saber se o solo continental pode produzir melhor ou se pode produzir mais.
Por mim, parece-me que a terra portuguesa tem produzido mais do que humanamente pode.
O dia tem apenas vinte e quatro horas; e ao lavrador, que de sol a sol se debruça sobre a jeira, transformando em pão o seu suor e muitas vezes as suas lágrimas, que, pela noite dentro, cura primeiro da cama dos mais e só depois cura da sua e que se levanta com estrelas para os primeiros preparativos do dia, vivendo pouco mais do que com caldo e broa, parece-me que não é lícito exigir mais.
Apesar disso, acorreu pronto e presto à patriótica campanha do produzir e poupar, fazendo das tripas coração, na compreensão, consciente ou simplesmente intuitiva, de prestar um alto serviço à grei.
Outro estimulo o não moveu senão a voz da Pátria, que lhe pedia mais um sacrifício.
E supomos poder afirmar que a lavoura cumpriu, excedendo-se até em possibilidades e em esforços.
Tabelaram-lhe os seus produtos com excessivo rigor, às vezes mesmo, e para certas regiões, por preços inferiores ao custo da produção, como sucede com o milho; obrigaram-na a manifestos rigorosos e apertados, deixando ao lavrador, dos produtos que com tanto carinho amanhou, às vezes o insuficiente para os seus gastos e sujeitando-o a unia burocracia complexa, senão, às vezes, escusada: requisitaram-lhe as suas matas, por vezes por métodos e processos tão atrabiliários que dir-se-ia operar-se em terra de ninguém.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E ainda a alguns, com demasiado e escusado aparato, cortaram-lhes as vides em zonas que, ao que parece, outras senão as americanas são susceptíveis de adaptação económica.
Tudo isto, e não só isto, claro, a lavoura, principalmente a do Norte, suportou com paciência, com estoicismo, com acendrado sentido patriótico, dando-se em benefícios, com grande espírito de desinteresse e de solidariedade.
Para se avaliai só em um aspecto o que representou esse sacrifício e essa generosa dádiva em favor dum pretenso interesse colectivo, tanta vez iludido pela intervenção de mercadores de má-morte, basta citar-se alguns números, por exemplo, no que diz respeito a requisição de madeiras e lenhas.
Segundo os dados que me foram fornecidos pela direcção competente do Ministério da Economia, as cifras oficiais da lenha e madeira requisitadas desde Dezembro d e 1942 a Janeiro de 1946 somavam 2.248:103 toneladas, sendo 1.573:672 toneladas propriamente de madeiras requisitadas e 674:431 toneladas de excedentes. Isto para o pinho, eucalipto, azinho e sobro.
Deixando de parte a madeira dos excedentes, que, segundo as notas recebidas, não estão tabeladas, mas em cujas notas não se demonstra que tivessem sido pagas aos proprietários pelos preços do mercado livre, fixem-nos apenas nas propriamente requisitadas, que foram 1.573:672 toneladas. Essa tonelagem produziu, ao preço médio aproximado - também fornecido nas notas que me foram enviadas - de 44046, a quantia de 70:122.824$32.
Foi esta a quantia que a lavoura recebeu, não falando nos excedentes.
Pois bem!
Computando em 150$ o valor médio da tonelada das mesmas madeiras e lenhas, entre os anos de 1942 e 1946, em mercado livre (e sabe-se que a mais barata - o pinhal- se podia vender ainda por melhor preço), deixou a lavoura de receber uma importância da ordem de mais de 165:927.975$568.
E se computarmos apenas em 100$ o valor da tonelada em mercado livre, ainda assim deixou a lavoura de receber uma importância da ordem dos 87:244.375068.
Vejam, meus senhores, só neste limitado aspecto, o sacrifício (para não chamar outra coisa) que foi exigido à lavoura portuguesa, principalmente, como é sabido, à do Norte do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Redundaram estes enormes sacrifícios em puro benefício da colectividade?
Não duvido de que, descendo de plano em plano, uma inteligência arguta possa demonstrar tal.
Mas o que tenho a certeza é de que também, à custa dos enormes sacrifícios da lavoura, do tabelamento dos cereais, do preço exíguo dos leites, da requisição das suas matas e do preço das resinas, alguns puderam enriquecer, e a ponto tal que nos assombram com o luxo das suas instalações industriais e com o fausto da sua vida opulenta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, assim, à custa de muitos remediados fizeram-se uns poucos ricos, fazendo daqueles muitos pobres.
E foi só isso?
Vejo, por exemplo, nos últimos anos, diminuir em muitos milhares de toneladas o consumo e a extracção do carvão nacional.
Não me consta que as minas tenham diminuído em capacidade ou possibilidades. A que se deve, pois, tão notável diminuição? Sem dúvida, talvez em grande parte à descoberta doutra mina - a dos pinhais dos lavradores...
Não sei até quando nem até que ponto é ainda necessário manter este apertado cerco de manifestos, tabelamentos, requisições.