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510 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 80

A maioria surgiu num momento agitado da vida política portuguesa e, portanto, pouco propício para uma apreciação serena e imparcial do seu significado, do seu valor e do seu alcance.
Era, pois, conveniente e justo que a Assembleia Nacional lhes dedicasse a sua atenção. Foi este o objectivo do aviso prévio que estou realizando, embora para tal seja dos menos competentes.

O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª tem muita competência e está a falar brilhantissimainente.

O Orador: - Muito obrigado.

Relatórios brilhantes, sistematização e ordem rigorosas das matérias e redacção correcta do texto são os caracteres intrínsecos que sob este aspecto dão realce à fecunda obra.
Focando rapidamente alguns importantes aspectos das reformas, dignos de aplausos, noto, em primeiro lugar, que a inovação mais profunda, e, para alguns, talvez a mais discutível, está na separação absoluta de jurisdições: acusação e julgamento. Aquela precedida da instrução preparatória, e uma e outra confiadas ao Ministério Público, como representante do Estado. O julgamento confiado ao juiz, que, a não ser na instrução contraditória, deis ou de exercer qualquer actividade na primeira fase. A instrução preparatória realizada em Lisboa, Porto e Coimbra, e excepcionalmente nas outras comarcas, também pela polícia judiciária.
Trata-se de uma novidade em Portugal, mas, como nota o relatório do decreto-lei n.º 30:007, já deu as suas provas noutros países.
Tenho para mini que bastam a separação de atribuições e a consequente individualização de responsabilidades para o sistema ser, em princípio, aceitável. E como a instrução é unilateral, inquisitória, a intervenção do julgador pode criar irresistivelmente no seu espírito um estado de e prevenção» e juízo e opinião antecipados, que o acompanhem no julgamento e, à margem das provas e da argumentação da defesa, influam na decisão final. Como apertadamente escreveram os Drs. Borges de Araújo e Gomes da Costa, a tendência do espírito dos órgãos da acusação, vulgarmente habituados a acusar, levava a uma visão deformada da realidade, a uma certa deformação profissional psicológica.
Nota o Dr. Vítor Faveiro que o decreto-lei n.º 35:007, baseando-se em que o fim exclusivo das penas é a garantia da ordem social, marca uma tendência acentuada para o exclusivismo da acusação pública. Pública é, por sua natureza, a acção penal, e, por isso, pelo decreto, ela pertence normalmente ao Ministério Público e excepcionalmente, por motivos da sua função, a determinadas autoridades. Nos crimes públicos, os particulares, mesmo que lhes compita a denúncia, intervêm como meros «assistentes», como em matéria civil. O juiz deixou de ser um interveniente, um auxiliar da acusação, para ser apenas o julgador.
Mas há alguns partidários do sistema que julgam preferível o restabelecimento dos juízos de instrução criminal; isto é: sacrificam os princípios a uma experiência feita, aliás sem sucesso assinalável.
Mas, por outro lado, pode entender-se que, não intervindo na instrução, o juiz chega ao julgamento sem estar «dentro do processo», sem o ter vivido, sem ter pessoalmente contemplado, no decurso dele, aspectos e detalhes que formam a sua «alma» e melhor o põem de prevenção e o tornam imune a surpresas, artifícios e ardis dos delinquentes ou suas provas industriadas, ou contra a acção do clima que a paixão e o calor do debate estabelecem no julgamento.
O decreto-lei n.º 35:007 ampliou a instrução contraditória, tornando-a obrigatória nos processos de querela por iniciativa do Ministério Público. É verdade, porém, que a obrigatoriedade tornar-se-á muitas vezes inoperante, porque o Ministério Público é, pelo mesmo decreto-lei, obrigado, e bem, a promover, na instrução preparatória, não só todas as diligências conducentes a provar a culpabilidade dos arguidos, mas também aquelas que possam concorrer para demonstrar a sua inocência ou a irresponsabilidade. Portanto, em regra, abe r Ia a instrução contraditória, ao delegado nada mais será possível promover; e o delinquente geralmente nada faz, ou por passividade habitual ou porque reserva todos os recursos da sua defesa para o julgamento, muitas vezes na esperança da surpresa e de que a audiência exerça a sua acção sugestiva. Isto explica não ser muito frequente o pedido da instrução contraditória pêlos arguidos.
Todavia, trata-se de mais uma medida a favor dos direitos de defesa; e isto basta para- ser louvável.

O Sr. Carlos Borges: - Concordo com o princípio da instrução contraditória, mas não exercida pelo Ministério Público. O que me parece é que, na devida altura, se deveria nomear um advogado oficioso que procedesse realmente à instrução contraditória. De contrário a instrução contraditória obrigatória pouco pode dar.

O Orador: - Parece-me que a nomeação de um advogado para esse fim levará ao mesmo resultado.

O Sr. Carlos Borges: - Lembro a V. Ex.ª que o delegado do Ministério Público é um inimigo natural do acusado. V. Ex.ª não transforma a mentalidade de ninguém com uma lei nem com a aplicação dela durante um século.

O Sr. Ernesto Subtil: - Eu não concebo a instrução contraditória obrigatória, porque, em muitos casos, ela será inútil e não servirá para nada. Refiro-me àqueles casos em que a acusação está exuberantemente provada no processo e em que o crime é confessado pêlos próprios réus.
Por isso, quer-me parecer que melhor seria admitir a instrução contraditória somente quando requerida pêlos interessados, e sem que estes tivessem de pagar qualquer imposto de justiça.

O Orador: - O mesmo decreto reduziu os prazos da instrução dos processos e abreviou os do julgamento.
Já no decreto-lei n.ºs 34:564 haviam sido restringidas as possibilidades dos adiamentos por vezes abusivos, e foi alterada a lei de modo a permitir-se em certos casos a liberdade condicional aos delinquentes comuns ou políticos que, por falta de possibilidades económicas, não possam prestar caução. E desta forma, como salienta o relatório respectivo, tornou-se extensiva aos pobres uma regalia que era geralmente apanágio dos ricos ou relacionados com pessoas idóneas para prestarem a caução.
Foi por completo retirada à polícia de segurança a função de judicatura, verdadeira invasão de atribuições, que nem a sua competência nem a sua simples função de guarda e vigilância justificavam.
Como disse, mas comarcas de Lisboa, Porto e Coimbra que a reorganizou, é, nas suas linhas gerais, notável.