8 DE FEVEREIRO DE 1947 509
«justiça popular», imolando ao serviço da tirania, a que sacrílegamente chamavam «liberdade», numerosas vítimas inocentes.
Do 1 de Fevereiro cie 1908 a 19 de Outubro de 1921 Portugal viveu num mar de sangue!
Não admira que assim sucedesse desde aqueles tempos num país onde a impunidade era garantida; um país onde um Governo pusilânime consentiu a consagração dos regicidas em romagem sacrílega à sua campa, mais tarde (e até há pouco) exibida em lugar de honra do cemitério, com símbolos e epitáfio glorificantes; num país onde foi possível o jornal O Mundo abrir subscrição pública para as despesas do funeral dos regicidas o descrever intencionalmente o dia do cortejo fúnebre de El-Rei e do Príncipe martirizados como «um dia alegre e primaveril, cheio de sol», «um dia admirável»; e, ao referir-se àquela repugnante romagem da multidão desvairada, chamou-a «imponente» e «sentida»!
Os novos ignoram isto e vê-se que os velhos o esqueceram.
Os novos ignoram isto e muito mais; e é pela, porque a História é a grande mestra tia vida; e agora, como nunca, há muito a aprender ...
Mas prossigamos.
A lição de Portugal continua nas suas leis. Reportando-nos ao último século, basta notar que muitas das garantias individuais actualmente existentes provêm de Constituição de 1832, da Carta Constitucional de 26, dos Actos Adicionais e outros diplomas, como a lei do 27 de Novembro de 184U e o decreto de 21 de Maio do 1841, a que Costa Cabral denominou «Novíssima Reforma Judiciária», paradoxalmente assim designada ainda quando já era centenária!
Adriano Antero, confundindo forma com essência, foi levado a afirmar que todas estas disposições seculares constituíam, já por si, outros tantos casos de aplicação do liábeas corpus, que a Constituição de 1911 teoricamente instituíra, para ficar letra morta até 1945.
Posteriormente à «Novíssima Reforma Judiciária» as regalias foram mantida* e ampliadas, sendo de notar que muitas estão consagradas em toda uma teoria de diplomas do decénio de 90, como a liberdade provisória, a suspensão das penas, a revisão das sentenças, a reabilitação dos condenados, etc. E, sob este aspecto, pouco de novo nos trouxeram o Governo Provisório, a 1.a Constituição da República e os diplomas posteriores até 192G; e é de notar que a instrução contraditória, estabelecida no raiar do regime pelo de creio de 14 de Outubro de 1910, já fora objecto de uma proposta de lei de João Franco em 12 de Outubro do 1907. E, porém, justo consignar algumas medidas eficientes em matéria criminal promulgadas em 14 de Outubro e 18 de Novembro de 1910, e especialmente os diplomas relativos à protecção aos menores e à Tutoria da infância, reguladas em 27 de Março e 27 de Maio de 1911, em que teve larga intervenção o notável pedagogo padre António de Oliveira.
Todavia, o arbítrio dominou no campo da Justiça.
Suprimiram, logo em 10 de Outubro, as leis de excepção, mas restabeleceram-nas depois.
O Ministro visita no Limoeiro os detidos revoltados, e, invocando um decreto de amnistia só publicado cerca de um mês depois, dita ao seu secretário, e este escreve no livro dos presos, a ordem de soltura dos que o estavam por questões sociais. Cinco juizes da Relação são transferidos para Goa e Luanda por entenderem que as leis não podiam ser revogadas a tiro de canhão.
Do período constitucional merece também referência a lei de 20 de Junho de 1912, sobre delinquentes habituais, vadiagem, etc.
Vem o 28 de Maio, e depois, entre outros diplomas, surge finalmente o Código de Processo Penal, que, depois de suspenso em 10 de Maio de 1928, foi revisto e definitivamente publicado em 15 de Fevereiro de 1929, sendo Ministro da Justiça o nosso distinto e prezado colega Dr. Mário de Figueiredo, a quem, nesta oportunidade, presto a mais rendida homenagem como homem de Estado, parlamentar e professor ilustre.
E, neste passo, é justo referir a relevante colaboração no novo Código do Prof. Beleza dos Santos.
Diploma notável, que teve, entre outros, o alto merecimento de condensar, coordenar, actualizar ou suprimir toda a legislação dispersa e caótica de um século, também este Código não só manteve, mas ampliou as anteriores garantias individuais, como se pode verificar especialmente nos artigos 250.º a 336.º
Sobro este aspecto mereciam ainda referencia especial vários diplomas - que por imperiosa brevidade omito -, publicados pelo Dr. Manuel Rodrigues e por outros, nomeadamente o decreto-lei n.º 26:643, sobre o regime prisional, que foi digna comemoração do 28 de Maio de 1936. Diploma de invulgar merecimento & larguíssima projecção, mereceu expressivo louvor a criminalistas como Edmundo Mezger, da Universidade de Munique.
Ainda a lição de Portugal!
Mas, Sr. Presidente, a benéfica evolução do direito penal português, bem vincada nas reformas do Prof. Cavaleiro de Ferreira, não se notabilizou apenas por nos colocar na vanguarda dos países por motivo da supressão pura e simples das penas cruéis e perpétuas e pelas progressivas garantias que trouxe à liberdade e à defesa, individuais.
Às características essencialmente intimidativas de Código de 1852, repressivas e retributivas da lei de 1884 e, de um modo geral, aos simples requisitos da culpa, e da ofensa ou sua ameaça e à aplicação por assim dizer mecânica e cega das penas estatuídas no Código actual, olhando ao crime e abstraindo da personalidade do delinquente, sucedeu-se, embora ainda a par delas, uma mais acentuada tendência preventiva e para a readaptação ou recuperação dos criminosos habituais ou reincidentes, para a separação dos reclusos e especializações, quanto ao regime de anormais, alcoólicos, vadios, etc., tudo em ordem a uma relevância a que se não coadunavam os antigos moldes e generalizações.
Estas características e tendências são mesmo uma das bases fundamentais daquela notável reforma prisional de Manuel Rodrigues, cujo exaustivo relatório, contemplando as condições em que funcionava o sistema, considera que a prisão não remedeia, e a pena, que devia combater o crime, converte-se em factor que o multiplica e agrava.
A nova corrente dominante teve acentuado movimento na criação dos tribunais de execução das penas pela lei n.º 2:000 e regulamentados, pelo actual Ministro por decretos adiante referidos, que, além daquela e de outras vantagens assinaláveis, têm a de especialização de atribuições e serviços, bem justificáveis neste caso de transcendente alcance social.
Os principais decretos sobre matéria penal publicados pelo Sr. Ministro da Justiça em 1945 são os n.ºs 34:540, 34:553, 34:564, 34:674, 35:007, 35:015, 35:041, 35:042, 35:043, 35:044 e 35:046, que, além de regulamentarem a reabilitação dos condenados e os referidos tribunais de execução das penas, remodelaram várias disposições importantes do processo penal, regularam o trabalho dos presos, separaram as jurisdições relativas à acusação e ao julgamento, organizaram as polícias judiciária e Internacional e de Defesa do Estado, criaram a secção criminal no Supremo Tribunal de Justiça, remodelaram ;i constituição e o funcionamento dos tribunais criminais de Lisboa e Porto, instituíram o habeas corpus, etc.