548 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 88
sas comarcas, mormente após as recentes reformas da justiça, o Sr. Ministro desta pasta teve de nomear treze delegados interinos.
Assim mesmo, dezassete comarcas continuam sem delegados. Um pavor!
Nada se descortina no futuro que alimente a esperança de uma melhoria.
Pergunto, pois: o que sucederá se não remediarmos sem perda de um momento e num amplo espírito de liberalidade crise tão grave?
Encontrar-nos-emos com reformas excelentes; leis do mais generoso e moderno espírito; códigos preciosos do clareza e de doutrina - mas sem juizes para os aplicar.
Não exagero. Continue-se a pagar à magistratura como se está pagando, e veremos se os meus vaticínios se realizam ou não.
Repito, apenas, que há que pagar mais e melhor.
E ainda não basta.
Impõe-se uma revisão da organização judiciária que altere esta prodigalidade do centenas de comarcas presididas por magistrados com funções de sentenciar.
Para desempenharem esta alta missão carecemos em Portugal, só para os tribunais de 1.ª instância, do bastante mais de duas centenas de juizes.
Pois sabem V. Ex.ªs quantos juizes existem em toda a Inglaterra insular, exclusão feita, é certo, da Escócia e da Irlanda, aos quais é cometido o encargo de aplicar a lei ? Apenas cinquenta - a quarta parte do número do magistrados existentes em Portugal.
O Sr. Armando Cândido: - O juiz em Inglaterra trabalha sem as complicações de ordem processual que nós' temos. A comparação não ó possível.
O Orador: - E aquilo que se passa em Inglaterra constata-se, de uma maneira absolutamente sensível, em Espanha, repete-se na Itália e verificava-se também na Alemanha.
E porquê? Porque todos estes países, levando, aliás, em conta a comodidade dos seus povos, organizaram a sua justiça em termos de evitar o risco de se perderem as elites em holocausto ao número. Muitas comarcas, muitos juizes o todos excelentes não ó objectivo fácil de atingir.
Que sistema se adoptou então nesses países?
Abstendo-me de detalhes que seriam descabidos numa intervenção despretensiosa e a largos traços, como esta, limitar-me-ei a recordar que em qualquer das referidas nações, em toda a parte em que a comodidade dos povos e a existência de centros populacionais o justificavam, foram instalados tribunais que têm a seu cargo julgar as pequenas questões e os processos penais ato ao de querela e preparar as acções de maior vulto e os processos penais daquela última natureza.
Na Itália esses tribunais eram (ignoro se ainda são) designados por preturias e na Alemanha por amtegericht.
Nas sedes das respectivas divisões administrativas funcionavam tribunais, em Espanha designados por "tribunais de audiência" e na Alemanha por landgericht, a que presidiam magistrados selecionados entre os melhores da sua categoria, criando-se assim uma elite de julgadores, privilegiada tanto social como materialmente.
Ora nas tradições dos tribunais portugueses os corregedores, os juízos de fora parte e as alçadas têm flagrantes semelhanças com a organização que descrevo.
Porque não pensar a sério no assunto e apurar se alguma coisa de útil resultaria do regresso ao que for aproveitável desses sistemas passados?
Manter-se-iam os tribunais de 1.ª instância actualmente existentes até onde as necessidades da administração de justiça indicassem; esses tribunais julgariam as acçÕos de pequeno valor e os processos correccionais e de polícia correccional; nos processos de maior valor e nos de querela organizariam a respectiva prova; e o saneador, o questionário, a presidência do julgamento final e a sentença ficariam a cargo dos juízos especialmente designados para presidirem aos tribunais que no nosso País correspondessem aos tribunais de audiência da nação vizinha ou aos landgericht alemães.
E bom? É mal? É uma sugestão que me ocorreu nesta altura.
Apresonto-a porque estou pensando em voz alta, preocupado com a crise do recrutamento de magistrados a que fiz alusão e convicto de que é impossível conciliar a ideia do um grupo de juizes de alta categoria com a pulverização de judicaturas por cerca de duas centenas de tribunais de 1.ª instância.
E vou mais longe.
O ilustre Deputado Sr. Dr. Sá Carneiro criticou com severidade o funcionamento dos tribunais colectivos e condenou a oralidade, do que tanto se tem abusado.
Não lhe falta razão em ambos os pontos; e eu acompanho-o incondicionalmente.
A intervenção dos conservadores do registo predial ou do registo civil nos colectivos cria situações de melindre, a que urge pôr cobro.
Relativamente à oralidade não se admite que o julgamento duma dosordem de pataco ou uns guarda-lamas de automóvel amachucados num acidento banal possam ser objecto do um julgamento que se arrasta por várias sessões, com numerosos depoimentos escritos, desde que se não prescinda do recurso, ao passo que acções de investigação de paternidade ilegítima, uma anulação de testamento ou outros processos de importância igualmente elevada, moral, social e materialmente, esses se liquidem com uma produção de provas de que não fica vestígio nos autos, impedindo-se a Relação - pelo menos teoricamente, ainda tribunal de prova- de controlar ou verificar o que só passou na instância inferior.
Ainda há bem poucos dias me foi oferecida a oportunidade de constatar os riscos da tal oralidade.
Procedeu-se em Fiança ao julgamento de um homem que, pelo seu passado, inquebrantável fervor patriótico, espírito de abnegação, virilidade de consciência e largos serviços de doutrinação, representa um dos maiores valores da intelectualidade latina contemporânea.
Após um julgamento tumultuário, condenaram-no a prisão perpétua.
No processo ficaram apenas os elementos da acusação, ordenados por um agente do Ministério Público apaixonado, contraditório e ... pouco vulgar.
Quem o ler daqui por cinquenta anos concluirá que se puniu um traidor banal.
Mas, em boa hora, houve quem se desse ao trabalho de estenografar esse julgamento. As enredadoras intervenções do Ministério público, as respostas do arguido, tudo consta desse relato estenográfico. Maurras - porque é dele que estou tratando -, que, pelo simples relato oficial do julgamento, poderia parecer aos olhos de muitos um culpado, à face das provas estenográficas do seu ajusto de contas com a justiça sobe às regiões onde só encontram os santos, os heróis o os génios.
Apoiados.
Há um Ministério Público que acusa convulsivamente, do princípio até ao fim do julgamento. Há um juiz que acumula artifícios sobre induções em erro. E, cara a cara com ambos, avulta a figura do acusado de traição à pátria, que, a cada resposta que opõe aos seus acusadores, se engrandece e se afirma o patriota e o inimigo encarniçado das influências alemãs que toda a sua obra revela. Aqueles setenta e tantos anos do idade são uma lição inesquecível para inúmeros rapazes de vinte!