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13 DE FEVEREIRO DE 1947 545

A única razão por que a generalidade dos advogados é contra a oralidade é a de a mesma não assegurar garantias de boa justiça.
Fora das comarcas onde há juizes que permitem a formação dos colectivos a oralidade tem o grave inconveniente, a que já me referi, de obrigar os magistrados a constantes deslocações, que desorganizam o serviço da comarca.
Durante grande parto do tempo ela está entregue a substitutos.
O sistema escrito de julgamento não é incompatível com o carácter público que caracteriza o processo moderno, nem com o princípio da concentração. O juiz pode. naquele sistema, possuir os latos poderes de que necessita para bem exercer a sua alta função, e nada obsta a que o julgamento seja, quanto possível, contínuo.
Mas porque não há-de extractar-se o que as testemunhas dizem, para que a Relação tenha possibilidade de apreciar a matéria do facto?
Esse extracto poderia ser esboçado pelo juiz enquanto, sob a sua fiscalização, os advogados inquiriam as testemunhas ; e as reclamações seriam resolvidas pelo magistrado, rápida e definitivamente.
Fala-se de circunstâncias de pormenor: o ar com que a testemunha depõe, certo jeito ou entoação. Tudo isso, porém, pode ser apontado na acta, em vez de sê-lo nas notas particulares do juiz.
Essas notas são indispensáveis a quem vai julgar a causa, pois não há memória, por mais privilegiada que soja. que possa fixar todas as ocorrências de um julgamento que se prolonga frequentemente durante meses.
E isto mostra que a oralidade é um mito. Não há julgamentos orais. Simplesmente naqueles em que não há uma versão oficial das ocorrências cada um dos figurantes tem a sua assentada, nem sempre igual, pois a interpretação dos depoimentos varia consoante o anotador.
Aponta-se a rapidez como virtude máxima da oralidade. Pois até essa eu contesto.
São tantos os adiamentos dos julgamentos que desde o primeiro dia designado até àquele em que a discussão se conclui chegam a mediar vários meses - tempo mais que bastante para se fazer toda a produção escrita da prova.
Acresce que interessa mais boa justiça que justiça rápida. Quantas vezes as respostas do colectivo são dadas com precipitação, para que o juiz de fora não perca uma camioneta ou um comboio!
A rapidez excessiva é incompatível com a boa administração da justiça. Basta considerar que ao decidir um processo em que tudo está escrito o juiz tem tempo para pensar; pode começar por se inclinar para certa versão dos factos, mas, reflectindo, mudar de parecer.
Nada disso é possível no regime da oralidade, em que o juiz decide sob o império da impressão predominante, que num exame de vários dias poderia mostrar-se não decisiva.
Quanto ao decreto-lei n.° 30:043, de 20 de Outubro de 1945, que instituiu o regime do habeas corpus, pouco tenho a dizer, porque, na verdade, é um diploma que merece inteiro louvor, tendo-se por via dele efectivado uma promessa que vinha da Constituição de 1911 e foi renovada na de 1933.
Discordo, porém, do artigo 19.°, que, em caso de petição manifestamente infundada, permite a condenação solidária do requerente com o defensor em indemnização que vai de 5 a 20 contos e a suspensão do exercício da advocacia por três meses a um ano.
A Ordem dos Advogados, muito legitimamente, vindica a manutenção do poder disciplinar sobre os seus membros.
Por isso, aquele artigo deve ser modificado no mesmo sentido do artigo 465.° do Código de Processo Civil, que, em caso de responsabilidade dos mandatários nos actos pelos quais se revelou a má fé na causa, manda dar conhecimento do facto à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, para que estas possam aplicar as sanções respectivas c condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e indemnização que lhes parecer justa.
Pelo projecto do ilustre jurisconsulto e antigo Presidente desta Assembleia, Sr. Dr. José Alberto dos Reis. era o juiz quem aplicava tal condenação. Contra isso me insurgi na comissão revisora, chegando a declarar que teria de abandonar a advocacia se o respectivo artigo fosse mantido como estava. E o autor do projecto teve a hombridade de mudar de parecer, triunfando a opinião que defendi.
Estes factos são conhecidos de poucas pessoas, porque, infelizmente, quase a oito anos da promulgação do Código, não se fez ainda a publicação das actas e relatórios da comissão revisora, só parcialmente insertos na esplêndida Revista da Ordem dos Advogados.
Não vejo, Sr. Presidente, que seja mais gravo o pedido manifestamente infundado de habeas corpus do que a responsabilidade do advogado nos actos pêlos quais se revelou a má fé.
Invocam-se, ex adverso, os artigos 93.° e 412.° do Código de Processo Penal e 603.° e 605.° do Estatuto Judiciário.
O 412.°, como o 155.° do Código de Processo Civil e os citados do Estatuto, destina-se a manter a polícia da audiência e a evitar que dos processos constem faltas de respeito às instituições vigentes, às leis ou ao tribunal ou expressões injuriosas ou difamatórias.
O artigo 93.° do Código de Processo Penal não abrange os advogados enquanto no exercício das suas funções.
E nenhum daqueles preceitos faculta ao juiz a suspensão dos advogados. Só a Ordem respectiva, que tem sabido exercer nobremente não só a função disciplinar como a cultural que o Estatuto lhe incumbe, deve poder aplicar tão grave sanção.
Bem sei que nenhum advogado deixará de requerer o habeas corpus que considere legítimo, com receio das sanções aludidas.
Se outros advogados não se incumbirem disso, os membros dos respectivos conselhos farão mais esse sacrifício.
Todavia, magoa-nos o aludido cerceamento dos poderes da Ordem dos Advogados, que o Estado Novo tem o dever de acarinhar, pois constitui uma das suas grandes obras.
Uma das inovações do decreto-lei n.° 35:044 foi a de desdobrar o Supremo Tribunal de Justiça em duas secções cíveis o uma criminal.
Tem-se feito blague a propósito da secção criminal, chamando-se mestres aos respectivos conselheiros. No entanto, considero essa reforma, de há muito esboçada, como plausível.
Simplesmente alvitro que, se as Relações se mantiverem, também nelas se crie uma secção criminal. Desse modo, a especialização começaria na 1.ª instância e, sem solução de continuidade, iria até ao Supremo Tribunal de Justiça.
Já que trato do funcionamento dos tribunais criminais, não posso deixar de me referir à precária situação de alguns funcionários dos mesmos tribunais.
No relatório do decreto-lei n.° 35:977, de 23 de Novembro de 1946. salienta-se quão injustificável era a diferença de vencimentos entre funcionários da mesma categoria colocados em comarcas da mesma classe.
Ora aos funcionários dos tribunais criminais, igualados aos dos cíveis quanto ao vencimento fixo, não se atribuem direitos iguais aos que estes fruem, o que é manifestamente iníquio e só por lapso pode ter-se praticado.