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13 DE FEVEREIRO DE 1947 547

A pergunta que foi feita ao júri era esta: está provado que Buenos Aires fica situado mais ao sul do que o Rio de Janeiro ? A resposta, pasmem V. Ex.ªs, foi esta: "Não está provado"!

O Orador: - Eu respondo primeiro ao Sr. Dr. João do Amaral e depois ao Sr. Dr. Cunha Gonçalves.
Vamos à interrupção do Sr. Dr. João do Amaral.
Dei-me ao cuidado de ver o processo e o quesito.
O caso fora este: caiu uma das granadas da Rotunda num prédio da Avenida da Liberdade. Sobreveio um incêndio que destruiu por completo a mobília de um dos inquilinos.
Este garantira-se com o seguro contra riscos de fogo. Solicitou da companhia seguradora o pagamento da indemnização. Foi-lhe recusado. Demandou-a. E o júri respondeu, não dando como não provado que tivesse existido a revolução de 5 de Outubro, mas proferindo uma resposta ambígua, que autorizava a condenação da companhia de seguros na indemnização reclamada. V. Ex.ªs não esqueçam que o júri respondia por equidade.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso suscita outro problema: é se a equidade se aplica às questões de facto ou só às de direito?

O Orador: - Já lá vamos.
Quanto à interrupção do Sr. Deputado Cunha Gonçalves, devo dizer que não conheço o facto e não me atrevo, portanto, a discuti-lo.
Coloco o problema de outra maneira: elaboremos uma estatística das respostas menos razoáveis dos jurados comerciais e outra das decisões absurdas dos tribunais colectivos de todo o País. Façamos depois o confronto.
Haverá dúvidas de que todas as vantagens serão a favor da primeira?
Retomo, por isso, o fio das minhas considerações.
Eliminado o júri, criaram-se os tribunais colectivos.
For motivos de ordem política, e levada em conta a comodidade dos povos, não se reduziu, praticamente, o número das comarcas: alterou-se a categoria de algumas, modificaram-se limites de outras, e Portugal continua com uma organização judiciária que comporta, só na 3.ª classe, nada mais nada menos que cem comarcas.
Dei-me ao trabalho de apurar o que as estatísticas informam a respeito do número de processos ordinários, de acções cíveis de relativa importância julgadas nos anos de 1944 e 1945 em várias dessas comarcas.
Encontrei algumas em que o número não excedeu seis - meia dúzia.
Quer isto significar que os juizes têm pouco trabalho a realizar? De nenhum modo.
Todos que vivem a vida forense atestarão que os magistrados portugueses estão obrigados a uma tarefa esgotante, insuperável. Entram nos tribunais de manhã, saem - quanta vez! - pela noite adiante, arrastam os dias na obsessão de montes de processos que têm de despachar, dó por onde der.
Mais! Passam-me neste momento pela memória os nomes de dois ou três juizes, e dos mais dignos, que, transferidos para os tribunais de Lisboa, de tal modo se aferraram ao pontual desempenho dos seus deveres que a morte os arrebatou, esgotados de forças.
Os magistrados não são, por conseguinte, em número sobrante para o serviço a desempenhar.
O mal é outro.
E por cada dia que passa a sua gravidade avoluma.
A única fonte de recrutamento da magistratura portuguesa emana das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra.
O número de licenciados que, em média, ambas estas Faculdades produzem por ano anda muito perto de cem.
Desta centena de licenciados destacam-se os que preferem a advocacia e recrutam-se os que se destinam ao registo predial, ao registo civil, ao notariado, às organizações corporativas e até ao remanso do lar, na calma de uma vida de lavoura em qualquer risonho recanto da província.
Não fantasio: de todos os cursos fazem parte rapazes que, por tradições de família ou mero desejo de ilustração ou de situação social, se contentam com o acto de licenciatura, seguido ao qual tomam a administração das suas empresas agrícolas, comerciais ou industriais.
Ora, para acudir às necessidades de provimento de vagas nos quadros de delegados e juizes é indispensável que em cada ano pelo menos vinte e cinco candidatos saiam aprovados dos concursos de admissão.
Uma quarta parte do rendimento anual, em alunos, das Faculdades de Direito deveria portanto ser necessariamente aplicada nessa finalidade.
Para tanto impõe-se a criação de um ambiente que induza ao ingresso nos quadros das magistraturas judiciais.
Dá-se, todavia, absolutamente o contrário.
A um delegado de 3.ª classe oferece-se a remuneração de 1.200$ por mês.

O Sr. França Vigon: - O mesmo que a de um oficial de qualquer actividade metalúrgica em Lisboa.

O Sr. José Cabral: - Muito menos.

O Orador: - Com os 50 por cento posteriormente concedidos pelo Governo eleva-se o seu ordenado a 1.800$, cativos de descontos.
Isto significa, portanto, que, com 1.800$ por mês, um rapaz na força da vida, muitas vezes com encargos de família, tem de se deslocar para sítios remotos de Portugal e manter aí uma situação decente, a braços com uma carência de fundos que, creio, nenhum dos que me escuta se atreve a pôr em dúvida.
Dir-se-á, porém, que o sacrifício é de pouca dura, que se trata apenas de uma ponte de passagem e que dentro de poucas semanas ou meses é certa a promoção à classe imediata.
Infelizmente, também não é verdade. O tempo médio de exercício da delegacia numa comarca de 3.ª classe anda por seis anos. Ao fim de seis anos o delegado de 3.ª é promovido a delegado de 2.ª e, em vez de 1.800$ por mês, passa a receber 1.600$ de vencimento mais 800$ de subsídio, o que lhe dá 2.400$, cativos de descontos. Como delegado de 2.ª classe pode ter a certeza certa de que não será promovido antes de dois anos de exercício do cargo.
Digam-me V. Ex.ªs se na época que atravessamos é possível descobrir abnegação, espírito de sacrifício ou de renúncia integral que mova um rapaz que fez um curso sem dúvida dos mais difíceis, prolongado por sete anos de liceu e .cinco de Universidade e que obrigou a despesas avultadíssimas, que só com enorme sacrifício alguns pais podem suportar, digam-me V. Ex.ªs se é humano, lógico ou, pelo menos, decente forçá-lo a uma tal situação?

O Sr. Armando Cândido: - Há ainda a provação dos concursos...

O Orador: - De quanto tenho salientado resulta o aterrador quadro que passo a descrever: há mais de trinta comarcas de 3.* sem delegado; anunciam-se concursos e não aparecem candidatos; para acudir à tragédia de falta de magistrados do Ministério Público nes-