738-(14) DIÁRIO DAS SESSÕES - n.º 96
de produtos sonegados e, finalmente, o empregado que prepara facilidades aos interessados que preferirem os serviços de certa empresa em que também trabalha são casos banais, não peculiares da organização, mas comuns a todos os serviços públicos e privados. Apesar disto, deve reconhecer-se que também estes - tive sobretudo estes - contribuíram para o ambiente de desconfiança criado à volta da organização. Nesta deviam ser mais numerosos, dado o farto de não haver condições especiais de recrutamento selectivas para os organismos riu coordenação ou mesmo gerais para os corporativos e mais a circunstância de antes de 1945 os
organismos não serem submetidos, apesar da lei, a inspecção económica e disciplinar efectiva, junta com as possibilidades do lidarem com valores enormes e, num ou noutro caso, com exploradores indesejáveis de determinados sectores da actividade económica.
Quando a gente pensa na trágica, história, dos tesoureiros judiciais, que eram recrutados em meio social já elevado, em geral pessoas com um curso superior, compreende o valor daquelas razões.
E não se sabe de que alguém tenha reclamado a extinção dos serviços de justiça pelo facto de ser verdadeira essa triste história.
O dinheiro é um grande corruptor.
10. Mapas atrás publicados e os apensos como anexo mostram que os organismos de coordenação e muitos dos grémios obrigatórios tiveram e têm um volume de receitas que convida à vida larga antes do que a uma vida parcimoniosa de administração rígida.
A largueza de disponibilidades criou-lhes o que em uni dos relatórios particulares se chama «a psicose da abastança».
Esta psicose gerou, o luxo das instalações e o luxo dos quadros.
O luxo das instalações, que tanto impressionou o nosso povo e que ofendia a modéstia dos nossos hábitos, sobretudo ao confrontar-se com a pobreza que representa o ambiente geral dos nossos - serviços públicos, talvez se tenha tornado, em consequência da desvalorização da moeda ou da apreciação das coisas, uma óptima operação de investimento de capitais. Se o dinheiro havia de apodrecer imobilizado em fundos especiais, que mesmo sem ele se mostram assaz volumosos, era talvez preferível invertê-lo em obras sumptuosas ou até simplesmente em benfeitorias voluptuárias! O público no entanto não gostou.
Ao lado do luxo das instalações, o luxo dos quadros. Aqui luxo de quantidade, que não de qualidade. Já o decreto-lei n.° 29:049, de 14 de Novembro de 1938, a mostrar que o Governo sentira esta tendência dos organismos para o luxo dos quadros, estabelecera, no seu artigo 22.°, que os de coordenação económica deviam fazer a sua revisão e submeter as respectivas propostas à aprovação do Ministro até 30 daquele mês. O Governo sentira a tendência e quisera - remediá-la. A disposição ficou, porém, inoperante, decerto em consequência da guerra, pois a vertigem para o alargamento dos quadros acentua-se precisamente a partir de 1940. Claro que ela não pode atribuir-se só à psicose da abastança, mas também em grande medida ao alargamento de funções que, em virtude do condicionalismo da guerra, foram impostas aos organismos; a abastança deve, porém, ter colaborado em boa parte.
Também à abastança se deve a realização de uma obra de fomento e aperfeiçoamento técnico, que, vista em absoluto, não pode deixar de considerar-se notável; pena foi que, vi vendo-a, se não trabalhasse como em regime de restrições, com base em planos cuidadosamente elaborados ou, talvez melhor, em orientações bem definidas, para evitar desperdícios.
Dizemos assim para mostrar que nos não domina o feiticismo dos planos, pois a experiência ensina que quem espera, os grandes planos de conjunto não chega, um geral, a realizar nenhuma das peças que os compõem.
Além de que para preparar os homens que hão-de localizar uma grande obra de transformação é preciso gastar muito dinheiro aparentemente em pura perda. Aparentemente, porque ou se
há-de renunciar à obra ou se hão-de preparar os homens, e, assim, as perdas na preparação destes são ganhos para, o realização daquela.
Não é o momento azado para filosofar; se o fosse, havíamos de mostrar como o que acaba de escrever-se tem um alcance que muitos não suspeitam; não o suspeitam os que vêem só as coisas materiais e se alheiam das marcas espirituais nelas gravadas, a apontar não só para a preparação técnica, mas - para a formação cultura dos que as realizaram.
Estas só se vêem na obra, mas a obra era impossível sem elas. Os que só olham para a obra esquecem o que foi preciso perder em outras obras para adquirir, a preparação técnica e a formação cultural que tornou possível aquela.
Resta-nos, para concluir este número, falar dos fundos, como mais um sinal da euforia financeira dos organismos de Coordenação e grémios obrigatórios. Montam, como se vê do mapa respectivo, a algumas centenas de milhareis de contos.
Apesar de terem afectações determinadas, parece necessário rever os melhores sentidos da sua utilização.
É possível que algum dinheiro se tenha perdido ; mas temas hoje gente preparada (senão em grande número, alguma) para realizar aquela utilização; preparada porque já tem a experiência dos problemas ou porque o contacto com eles - a avisou da sua existência, o que é, por si, um grande passo.
11. Devemos fixar aqui a impressão que os nossos trabalhos nos deixaram a respeito dos dirigentes e dos delegados do Governo. Juntamo-los - os dirigentes e os delegados do Governo - por entendermos que estes, na organização corporativa, não devem ser simples fiscais da legalidade, mas os animadores da ideia nova, do espírito novo que deve informá-la. Mais do que isso: devem ter a necessária preparação económica - para, como os dirigentes, verem as soluções possíveis dos problemas a resolver e afastarem as que lhes pareçam contrariar o sistema. Daqui logo se conclui não ser, a nosso ver, aceitável a ideia de que são desnecessários os delegados do Governo, desde que se organize um corpo de
fiscalização efectiva ou mesmo um corpo central, de competência anais geral, de delegados do Governo.
Entendemos que o delegado do Governo deve viver a vida do organismo.
Ora, no que toca a honestidade, nada de carácter especialmente grave pôde averiguar-se que os atinja.
Aparecem tendências monopolistas, de defesa dos que estão contra os que querem entrar, como as já atrás referidas; encontram-se alguns casos em que se aproveita a posição para, com o conhecimento antecipado em relação aos outros, que nela se tem sobre a eventualidade de certos negócios, tomar o mercado ou a melhor parte antes que estes possam fazê-lo; também se encontra, esporadicamente, o facto de com a posição se obterem quotas de rateio de privilégio; e aparece, por fim, quem utilize processos jurídicos para dar uma certa figuração da realidade, continuando a realidade a mesma, para poder ser o que sem aquela figuração não podia legalmente ser.
Na moral de muita gente estes factos não são considerados como tendo excessiva gravidade.