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7 DE MARÇO DE 1947 763

Isto parece linguagem subversiva, mas não é minha. Como já disse, é do padre António Vieira, e ele tem as costas suficientemente largas para assumir a responsabilidade de tal afirmação.
Na hipótese, os grandes foram os especuladores, e emprego esta palavra no sentido mais amplo e mais genérico, para abranger todos aqueles que ganharam mais do que deviam, mesmo à margem das leis penais, e os pequenos, as vítimas, foram os consumidores.
Há quem diga - e parece que com razão - que o consumidor é uma ficção económica. Consumidores somos nós todos.

O Sr. Melo Machado: - Até mesmo os tais «tubarões».

O Orador: - Somos todos nós, é verdade. E parece-me que o Sr. Deputado Nunes Mexia concorda com esta doutrina, que é boa ...

O Sr. Nunes Mexia: - Absolutamente.

O Orador: -... porque V. Ex.ª disse ontem que no problema lanar todos protestam: protestam produtores, protestam industriais, protestam armazenistas, protestam retalhistas, e não falou dos consumidores.

O Sr. Nunes Mexia: - Esses... parto-se do princípio que também protestam.

O Orador: - Ora eu, servindo-me da liberdade que me é outorgada pela minha ignorância nos altos problemas económicos (Não apoiados), empregarei, à falta do melhor vocábulo, esta palavra «consumidor» para designar os que não são fabricantes, nem grandes proprietários, nem comerciantes por ofício e por milicianismo. Designarei por esta palavra aqueles que têm de viver de rendas fixas e os que, com o esforço do seu braço ou do seu cérebro, têm de ganhar o suficiente para ocorrer às despesas fundamentais de uma vida que pretendem seja decente.
Refiro-me aos pequenos agricultores, aos trabalhadores dos campos e das oficinas - e os salários destes já subiram por forma apreciável; aos que exercem profissões de ordem intelectual; aos que têm de viver de rendimentos de pequenas economias acumuladas - e são tantos os velhos e viúvas e órfãos que estão nestas condições! -, e ao funcionalismo público, civil e militar.
Numa palavra, quero referir-me àquela dona de casa que, atónita com o preço do peixe, recebeu da sagaz peixeira esta sentença definitiva:
- Ai, a senhora não vende nada? Só compra? Então está perdida!
E a situação destes a que chamo consumidores e simplesmente desgraçada!
Eu sei que este fenómeno do súbito enriquecimento de uns à custa da miséria dos outros é peculiar a todas as épocas de anormalidade provocada pelas guerras. E sei também que foram tomadas medidas para evitar uma subida exagerada de preços. Mas porque aquele fenómeno é, em grande parte, inelutável, e ainda porque não foram tomadas todas as medidas para subtrair o consumidor à rapacidade de especuladores, a situação é esta: a fartura insolente de uns perante a miséria do maior número.
Esta é a terrível e indiscutível verdade.
Há dias, durante o debate sobre o problema monetário, foi aqui dito por quem tinha autoridade e solvência científica para o afirmar, que, graças à sábia política económica e financeira desenvolvida pelo Governo, com as reservas acumuladas durante a guerra e no período que se lhe seguiu, se podia reapetrechar econòmicamente o País e adquirir nos mercados internacionais as matérias-primas necessárias para a produção e os bons de consumo indispensáveis à melhoria das nossas precaríssimas condições de vida.
Firmemente creio que assim é. E se isto é um sonho eu também o desejo sonhar. Mas até que esse sonho se materialize completamente, até que o verbo se faça carne, o pobre consumidor continua a subir penosamente a dura encosta do seu calvário.
Ora, para atingir aquela idade de ouro que o nosso demosténico colega Dr. Bustorff da Silva aqui anunciou há dias, e todos nós desejamos que seja alcançada o mais depressa possível, parece-me que se torna mister aproveitar todas as oportunidades para se conseguir a normalização dos preços e, portanto, a descida do custo da vida.
Postos estes princípios gerais, que me parecem indiscutíveis, tratarei de averiguar sucintamente se é mais útil para os consumidores, para a maioria da gente portuguesa, a proibição ou restrição da importação de lã estrangeira, com o fim de proteger a lã nacional, ou se é mais conveniente a livre importação e exportação dessa matéria-prima. E entro desta maneira na matéria do aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego.
Direi rápidas palavras, apenas as suficientes para demonstrar que a importação de lãs em 1946 não foi imponderada nem intempestiva, e que dela resultarão tecidos melhores e mais baratos e a consequente descida nos preços de especulação da lã nacional...

O Sr. Figueiroa Rego:- ... provocada pela indústria ; demonstrarei mais tarde.

O Orador: - Especularão da lã nacional provocada pela indústria?. ..

O Sr. Soares da Fonseca: - Especulação na baixa! O Sr. Figueiroa Rego: - Especulação na alta.

O Orador: - Então V. Ex.ª concorda que o preço da lã nacional é de especulação. Muito bem; já lá vamos.
A produção de lã nacional deve andar à roda de 6:000 toneladas, digamos 6:300 toneladas. Foi esta a maior quantidade adquirida pela indústria até hoje, segundo os números que aqui tenho, relativos a 1944, fornecidos pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
Desta produção, 2:500 toneladas são de lãs churras, que só servem para colchões, mantas e tapetes, dividindo-se a restante em lã branca e preta, sendo a branca a maior quantidade. A lã para tecidos anda à volta de 3:800 toneladas.
Antes da guerra o consumo da indústria andava à roda de 8:000 toneladas de lã, entrando neste número uma parte de lã churra.
Exportavam-se cerca de 900 toneladas de lã churra e preta.
O déficit era coberto pela importação. Em 1945 o consumo da indústria foi superior a 9:000 toneladas o em 1946 ultrapassou a casa das 13:000; número exacto: 13:595 toneladas.
A importação de lã estrangeira em 1946 foi do 11.069:316 quilogramas.

O Sr. Figueiroa Rego: - Em 1946 foi de 14 milhões e trezentos o tal mil quilogramas, números estes que foram fornecidos oficialmente pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários.

O Orador: - Mas isso não prova nada.

O Sr. Figueiroa Rego: - Estes números foram tirados dos boletins das taxas cobradas na Alfândega.