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762 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 98

O Orador: - Não. A lavoura não pode pretender dominar a indústria. Tem de se harmonizar com ela. Tem de se adaptar às suas necessidades e procurar satisfazê-las em condições compatíveis com aã suas possibilidades económicas.

O Sr. Figueiroa Rego: - Perfeitamente de acordo; mas também não se pode admitir o inverso.

O Orador: - E daqui deriva logo um outro aspecto - o custo.
Como se sabe, a indústria não é livre na fixação dos preços dos tecidos.
Para só me reportar ao diploma que actualmente regula esta matéria, direi que a portaria n.º 10:902, de 19 de Março de 1945, obriga à remessa a uma comissão de fiscalização dos cálculos de fabrico, para efeito de determinação dos preços de venda, que não podem exceder os das tabelas em vigor.

O Sr. Figueiroa Rego: - Quem praticou a rotura dessa tabela?

O Orador: - Comprimida neste regime, com que o Governo acertadamente procurou defender o consumidor, a indústria não pode, lògicamente, adquirir lãs a preços que ultrapassem aqueles limites.
Há, em última análise, uma disciplina corporativa, a que está também, por forma indirecta, obrigada a própria lavoura.
Tal é o que poderemos chamar o quadro geral em que se movimenta o problema das lãs. E, traçado ele, vejamos agora mais de perto as questões postas no aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego.
O que sucedeu em 1946?
A indústria estava sem stocks e o mercado carecido da abastecimento de tecidos, pelas dificuldades criadas pela guerra.
Os negociantes - alguns, pelo menos -, na expectativa de uma insuficiente importação, fizeram grandes provisões de lãs nacionais, a preços elevados.
Enfim, prepararam-se para especular.
Ora a indústria, por força daquela salutar disciplina, não pode comprar lã a preços de especulação. E, assim, foi abastecer-se principalmente no mercado externo, que lhe vendeu a lã a cotações compatíveis com a margem legal estabelecida.
É claro que o negociante não viu bem esta resolução. Mas o abastecimento do País fez-se, e está quase normalizado, e isto parece que é o mais importante.
Em resumo, um episódio no quadro geral do problema, que só confirma a necessidade de a lavoura o a indústria procurarem um melhor entendimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outro ponto: a instalação de penteações.

abe-se que a vida da lã compreende três fases: a produção, a transformação e a industrialização.
Até agora a transformação tem-se encontrado conjugada com a indústria, e é com ela que tem, de facto, mais afinidades.
Mas, em teoria, pode deixar de estar.
O que é necessário, porém, é produzir mais, melhor e barato.
E isto só será possível - e nós temos uma experiência feita - com a concentração das máquinas.
Em Portugal existem, disseminadas por várias fábricas, quarenta e quatro penteadeiras, em regime de trabalho francamente inconveniente.
Considerando esta circunstância, o Sr. Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria proferiu um despacho normativo em 17 de Dezembro de 1946, segundo o qual todas estas máquinas dispersas teriam de concentrar-se, para formarem uma vantajosa unidade industrial. E neste caso a prioridade de instalação ficou naturalmente concedida aos actuais proprietários das penteadeiras.
Tudo simples e lógico, e registe-se que esta concentração foi decidida ao abrigo da lei n.º 2:005, que a Assembleia Nacional votou.

O Sr. Nunes Mexia: - V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª pode informar a Assembleia se a lei do condicionamento industrial era respeitada nessa concentração? É que lá diz-se que se não podem substituir máquinas velhas por máquinas novas com um aumento de produção...

O Orador: - Julgo que sim, e nem se pode presumir o contrário.
Sr. Presidente: ao concluir a minha intervenção neste debate quero afirmar que também eu, como o Sr. Deputado Figueiroa Rego, entendo que é dever nosso aproveitar ao máximo os próprios recursos do País; mas importa acrescentar que esta aspiração tem de realizar-se fora dos desejos imoderados, da miragem da felicidade pela riqueza, da ambição do inacessível, porque contra tudo isto - característica, embora, da época doentia em que vivemos - nos preveniu, ainda há bem poucas horas, a palavra avisada do Sr. Presidente do Conselho.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: se está fora de toda a discussão o facto de o nosso País não ter conhecido as devastações e horrores da grande guerra que há pouco terminou, e esse espantoso serviço deve-se à clarividência de um Governo patriota e ao génio de um Homem que definitivamente entrou na galeria dos grandes personagens da história de Portugal e da Humanidade (Apoiados), nunca é demais reconhecê-lo e agradecê-lo; é também indiscutível que os portugueses suportaram e suportam ainda duríssimos sacrifícios provocados pelo cataclismo que assolou o Mundo durante seis intermináveis anos.
E se esses sacrifícios tivessem sido equanimemente distribuídos por todos os portugueses não teríamos outro remédio senão resignarmo-nos perante a calamidade que a ninguém poupava e de corajosamente encetarmos uma obra colectiva para a consecução da melhoria das nossas condições de vida.
Mas a verdade é que a guerra provocou um temeroso desnível económico entre os portugueses. Para uns - são a maioria - a guerra constituiu um empobrecimento trágico; para outros, um enriquecimento desmedido. À custa da miséria de tantos fizeram-se fortunas fabulosas, que todos os dias crescem desmesuradamente.
Para uns a guerra foi desgraça, para outros regabofe.
E, como sempre, os grandes devoraram os pequenos...

O Sr. Pacheco de Amorim: - Já o dizia Vieira.

O Orador: - Exactamente; como já dizia o grande Vieira no sermão que pregou aos peixes na cidade da Baía. E isso é um grande mal, porque são precisos muitos pequenos para alimentar um grande.
Ainda se se desse o contrário, se os pequenos comessem os grandes, o mal seria menor, porque bastava um grande para dar de comer a muitos pequenos.