772 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 99
a lei ou de praticarem uma injustiça, têm adoptado aquele critério.
O projecto contém muitos outros preceitos favoráveis aos arrendatários, tais como o princípio da validade do contrato meramente consensual, a desnecessidade de os comproprietários de prédios indivisos darem o seu consentimento para o arrendamento no próprio título, o efeito renunciativo do recebimento de rendas pelo proprietário que poderia pedir o despejo com base na caducidade do contrato, a preferência dos ocupantes no novo arrendamento, o direito de preferência concedido aos arrendatários na compra do prédio, o depósito condicional do triplo das rendas em cuja falta de pagamento se baseia a acção e, de um modo genérico, a simplificação do depósito de renda e o entendimento dos preceitos actuais segundo a jurisprudência mais favorável aos inquilinos.
Depois da publicação do parecer da Câmara Corporativa manifestou-se um alarme extraordinário entre os arrendatários, que constituem o maior número dos habitantes de Portugal.
O parecer da Câmara Corporativa fornece elementos valiosíssimos para a discussão do meu projecto; todavia, repito, nem este nem o texto sugerido pela mesma Câmara têm foros de lei, e porventura jamais os terão, pois a Assembleia pode votar coisa muito diferente.
Bem quereria que o assunto se discutisse ainda neste período legislativo, atenta a urgência, já reconhecida nesta Assembleia, da solução de alguns problemas de inquilinato que o meu projecto visa resolver.
Se o Governo não convocar extraordinariamente a Assembleia para a discussão da matéria, ou se, no interregno do funcionamento da Assembleia não publicar diploma que regule os casos que tratei e muitos outros que se têm discutido na jurisprudência, reformando até o contrato de locação, por forma a reunir num só diploma todos os estravagantes que ora nos regem, só para Dezembro ou Janeiro próximos o projecto será discutido.
Entretanto, o mesmo projecto e o texto sugerido pela Câmara Corporativa serão estudados por entidades que muito podem contribuir para o aperfeiçoamento do um e de outro.
Já no instituto da conferência da Ordem dos Advogados foi prometido esse estudo; grandes diários declararam já querer fazê-lo; e é natural que na imprensa da especialidade se analisem também as soluções propostas.
Tal somatório de trabalhos pode facilitar muito a votação que esta Assembleia venha a fazer.
Como responsável por ter provocado a discussão efectiva de alguns problemas de inquilinato -responsabilidade que assumo plenamente e de que não me arrependo - quis repetir aqui que são infundados todos os receios manifestados nos últimos dias. Os interessados podem dormir tranquilos, porque nada fará a Assembleia de momento e, quando tiver de deliberar, há-de proceder por forma a conciliar todos os interesses legítimos e com espírito de perfeita justiça.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: já vai longe o tempo em que o trabalho do homem era posto em preço como qualquer mercadoria. Procurava-se satisfazer as exigências e os caprichos do capital e punha-se de parte, como coisa de somenos importância, aquele mínimo de necessidades que existe em todo o homem para poder viver.
E porque o trabalho assim era considerado, todo o ser humano que, por incapacidade física, não pudesse continuar a prestar o seu concurso nas realizações de que podia até ter sido a alma, era lançado à rua como coisa de sobejo, ficando na trágica necessidade de estender a mão à caridade para poder suportar os últimos dias da sua vida. O tempo foi criando nos homens o reconhecimento de um outro sentido da justiça. Todo o homem tem direito a viver. A vida conquista-se pelo trabalho. E todo aquele que trabalha ganha esse direito à vida para além do tempo em que pode exercer com eficiência a sua actividade.
Não se deve, pois, considerar como simples subsídio de favor as importâncias a que têm direito todos os funcionários, oficiais do exército ou quaisquer trabalhadores que, mercê de incapacidade física comprovada ou reconhecida pela lei, sejam dispensados ou até coagidos a não continuarem a prestar a sua colaboração nos serviços que lhes estavam confiados. Essas importâncias pertencem-lhes por direito próprio, conquistado pelo esforço despendido, não só em, função do tempo em que esse esforço é aproveitado, mas ainda em função do tempo que a pessoa que o despende tem para viver.
Estes princípios servem para justificar as palavras que vou proferir para focar uma disposição legal que me parece injusta.
Entendeu o Governo, em face da carestia do custo da vida, que esta Assembleia por várias vezes pôs em evidência e para a qual chamou instantemente a sua. atenção, que devia e podia aumentar os vencimentos do funcionalismo, que ainda estão bem longe de ser os suficientes para ocorrer às despesas consideradas como o mínimo necessário.
Para isso publicou o decreto-lei n.° 35:886, de l de Outubro passado, pelo qual se estabelece que esse aumento terá a forma de suplemento e de subsídio.
Anteriormente já o Governo tinha concedido um subsídio aos funcionários em exercício efectivo, que foi tornado extensivo aos assentados depois de esta Assembleia se manifestar neste sentido.
O artigo 5.º do referido decreto-lei n.° 35:886 também concede estes suplementas e subsídios aos funcionários aposentados.
Esta disposição está de harmonia com os princípios de justiça social do Estado Novo, está conforme com a sugestão apresentada por esta Assembleia Nacional e ainda está conforme com o artigo 37.° do decreto n.° 16:669, de 27 de Março de 929, que dispõe:
Sempre que tenha lugar qualquer alteração nos vencimentos, compreendidos no artigo 11.°, de subscritores na actividade, as pensões de aposentação acompanhá-la-ão proporcionalmente, de forma a que os aposentados estejam sempre em correspondência de vencimentos com os funcionários do activo do seu respectivo quadro e categoria.
Verifica-se assim que o princípio da uniformidade de pagamento pela categoria dos funcionários, quer estejam na efectividade, quer estejam aposentados, está na doutrina do Estado Novo, no espírito e vontade já manifestados pela Assembleia Nacional, e está ainda expresso na própria lei fundamental que regula as aposentações. Parece-nos, portanto, indiscutível.
Não se compreende, pois, que o referido decreto-lei n.° 35:886 disponha no artigo 8.° que os servidores do Estado na situação de aposentados, reformados e na situação de reserva que sejam colectados em imposto complementar não terão direito ao abono de suplemento nem de subsídio eventual.
Fortes razões deve ter havido para, contrariando os princípios, o espírito desta Assembleia e a própria lei fundamental das aposentações se determinar um cri-