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774 DIÁRIO DAS SESSÕES- N.º 99

nove pousos amarrados uns aos outros polo mar - o mar, que é o natural e tradicional caminho dos portugueses -, e não me venham dizer que os do Corvo passam fome quando em 8. Miguel há fartura, que na Terceira se vive bem quando nas Flores ou no Pico «estão os moradores clamando pelas ruas com os sacos vazios sobre as costas, sem haver quem lhes venda hum alqueire de pão», como se diz na carta régia de 1776 dirigida a D. Antão de Almada, governador e capitão-general das ilhas dos Açores.
É verdade que funciona hoje no arquipélago uma Comissão Reguladora, criada pelo decreto-lei n.° 27:286. Aí se diz que a Comissão «adquire, conserva e distribui pelas fábricas de moagem do arquipélago os trigos necessários ao consumo». Mas não é só isto o que está no decreto-lei.
Por vezes quando legislamos desconfiamos: desconfiamos dos institutos a que damos vida; desconfiamos das pessoas a quem entregamos a vida dos institutos. Daí o dividirmos a responsabilidade e fragmentarmos a finalidade.
À Comissão Reguladora compete - determina-se também no decreto-lei - autorizar a exportação de trigos de uns para outros distritos do arquipélago, ouvidos os governadores civis e as delegações da Inspecção Geral das Indústrias e Comércio Agrícolas.
Quer dizer: em S. Miguel há milho a mais; no Faial há de menos. A Comissão Reguladora, depois de dar balanço às existências, pretende embarcar milho da ilha farta com destino à ilha necessitada. Mas o governador do distrito autónomo de Ponta Delgada, temendo, segundo os seus vaticínios, que lhe falte, no futuro, o cereal para o consumo do seu distrito, sobrepõe-se e não deixa sair o milho. O Faial continua à míngua e a Comissão Reguladora contenta-se com o desabafo de ter regulado em teoria ...
Nem sequer me sorrio. O assunto, pela sua gravidade, não comporta o ar estudado das superioridades confinadas nos horizontes estreitos; muito menos o abrir de boca irónico de certos retóricos empavesados na galera dos seus mitos.
Quando se tropeça, então, com o impedimento fiscal sentimos na carne as pontas do arame farpado disposto em linhas cerradas pêlos portos e calhaus, pelas praias e encostas, e até onde se começa a tomar pé, até aí chega a barreira que nos sangra e corta o abraço de irmãos para com irmãos.
Já tudo nos chega aos Açores muitíssimo caro. Quase que se não pode reparar o mais modesto edifício, erguer o mais simples muro. Um saco de cimento, que em Lisboa se vende ao público por 30$, nos Açores custa o dobro.
Há que tocar em exemplos:
Oito pequenos caixotes com louça de alumínio, da cidade do Porto para a de Ponta Delgada, pagaram:

Direitos à alfândega............... 32$00
Impressos e selos ................. 14$50
Verbete estatístico................ 15$00
Conferência no porto de embarque... 18$00
Emolumentos à verificação ......... 38$00
Administração dos portos .......... 4$00
Carregação ..................... 9$60
Câmara dos Despachantes (decreto n.° 34:514)........................ 2$50
Agência ........................... 80$00
Barcagem ......................... 80$00
Frete ao vapor até Ponta Delgada... 646$90
Despacho em Ponta Delgada ......... 20$00
Carreto .......................... 20$00
Seguro .......................... 181$90
__________1.348$40

O valor da mercadoria, na origem não excedeu 8.715$. Tudo quanto ela foi pagando pelo caminho monta a 1.348$40.
E o lucro legítimo do revendedor?
Isto do continente para os Açores!
E, dentro do arquipélago, de ilha pura ilha ?
No dia 20 de Setembro do último uno foram despachadas em Santa Cruz da Graciosa e embarcadas no iate Maria Eugenia, com destino a Angra do Heroísmo, 40 toneladas de trigo, para serem laboradas na Moagem Terceirense, Limitada, que tem, no respectivo distrito, o exclusivo da produção de farinhas espoadas.
Essas 40 toneladas de trigo à saída da, Graciosa pagaram:

Direitos e mais imposições cobrados no
bilhete de despacho ........................ 1.861$00
Guias de emolumentos pessoais .............. 130$00
Guarda fiscal............................... 24$00
Câmara dos Despachantes .................. 2$50
Impressos e selos .......................... 4$00
Agência .................................... 127$50
__________
2.149$00
Ao todo 2.149$ à saída da ilha Graciosa.
A entrada na ilha Terceira mais 2.1490- ou seja 4.298$.
Mas nesta via dolorosa o trigo tirou bilhete do ida e volta.
Já a Moagem Terceirense farinou as 40 toneladas: mais 2.149$ à saída de Angra do Heroísmo; mais 2.149$ à entrada na Graciosa.
Se não fosse a impiedade do confronto, dava vontade do perguntar se o mártir S. Sebastião foi alvo de mais setas do que este pobre trigo antes de se tornar o pão nosso de cada dia.
8.596$ só para o despacho de 40 toneladas entre duas ilhas do mesmo arquipélago, entre dois concelhos do mesmo distrito, só porque o mar, o mar que faz parte do nosso Império, cavou, por mera imposição legal, um fosso de ilha para ilha, tão custoso de atravessar, pelas taxas que se pagam, que mais parece ter-se convertido a doce vida insular em penosa convivência de homens que se adivinham por detrás de muralhas.
Mais um exemplo:
Certo organismo corporativo com sede em Ponta Delgada teve necessidade de remeter para as suas delegações algumas máquinas de escrever, todas iguais.
Em Ponta Delgada cada máquina dessas pagou à alfândega, de despacho, 47060; na Horta, 59$60; nas Velas (ilha de S. Jorge), 404$; em Angra do Heroísmo, 560$ (sob a rubrica «Diversos» 80$; de imposto municipal, 320$; para a Junta Autónoma dos Portos, 160$).
Sr. Presidente: quem for daqui para os Açores e não quiser verificar só os devotos de cada freguesia têm sempre mais confiança no sino do seu campanário, o mesmo quem é açoriano e tiver por costume meter a sua ideia bairrista na visão do arquipélago confinada dentro dos limites mais vastos da Pátria, há-de necessariamente pensar como Hipólito Raposo quando descobriu ilhas descobertas:

Consideradas no seu conjunto, as novo ilhas constituem uma bem provida unidade económica, com auto-suficiência agrícola, sendo-lhe ainda favorável a balança da exportação do riquezas da terra e do mar para aquisição de produtos da indústria...
...já não se compreende que numas ilhas, até do mesmo distrito, abundem produtos de que nos outros há míngua, enredando-se a vida económica em complicações e conflitos de interesses que não podem sempre classificar-se de claros e legítimos.