8 DE MARÇO DE 1947 777
triais acorreriam no tempo próprio a procurar as lãs mais finas e a pagá-las por melhor preço aos produtores, que assim, sentiriam um estímulo real para o melhoramento progressivo dos seus rebanhos.
Um ponto a que há também que atender ao determinar-se o preço mínimo das Ias é que ele não pode ser muito mais baixo do que o preço por que as lãs importadas tenham de ser lançadas no mercado e quando a diferença seja importante terá de se estabelecer um diferencial, como parece que já se tem feito, importância que ficaria em poder do organismo corporativo importador, para fins de fomento e protecção ao produtor e consumidor, à semelhança do que se faz com o trigo. Com a lã parece que já se tem usado um regime semelhante, mas tem sido pouco eficiente, de contrário não se daria o que se tem dado na raia seca com o contrabando para Espanha.
Os contrabandistas compram próximo da fronteira lãs portuguesas a cerca de 200$, passam-nas de noite da margem direita para a esquerda do Chança, no termo de Mértola, isto é, para Espanha, e na manhã seguinte entram novamente com elas em Portugal, despacham-nas na alfândega e vendem-nas, a cerca de 300$ a arroba, como lã espanhola. E assim muitas lãs portuguesas sobem de classe só por terem atravessado duas vezes o ribeiro de Chança !
Sr. Presidente: voltando ao melhoramento das lãs, direi que conheço lavradores no Alentejo que gastam por ano muitas dezenas de contos com as suas selecções, apenas de alguns centos de ovelhas e carneiros.
A lã, embora se vá todos os anos colher, com pouco esforço, sobre o corpo dos pacientes ovinos, não é um produto espontâneo que venha de graça para a mão do produtor, como alguns julgam que acontece com as boletas dos montados, pois têm sido estipulados preços mais baixos para os porcos engordados com boleta? do que para os engordados nas malhadas industriais, certamente por julgarem que o fruto das azinheiras e sobreiras nada custa ao lavrador.
Pois se até já houve um escritor agrícola quê escreveu um suculento volume sobre a produção agrícola em que afirmava que as porcas tinham três ninhadas de bácoros por ano e os montados davam três camadas de boletas, como se os bacorinhos largassem as tetas das mães e fossem para debaixo das sobreiras e azinheiras comer a sua correspondente camada de boleta, e de mais nada se alimentassem !
Para haver estímulo no melhoramento do gado ovino e na qualidade das lãs é necessário ainda que o comércio destes produtos seja feito em bases por assim dizer cientificas; é necessário que a lã seja paga ao produtor pelo preço correspondente ao complexo de qualidades que determinam o seu maior valor industrial. Só pagando a lã ao produtor por preços sucessivamente mais elevados, à medida que as qualidades das suas lãs melhorem, ele terá interesse em aperfeiçoar constantemente a qualidade dos seus ovinos e fazer com eles despesas que proporcionem a produção de lã de boa qualidade. O comércio das nossas lãs tem sido sempre feito por forma, empírica e as tentativas realizadas ultimamente para o melhorar deixam muito a desejar. Ainda não há muitos anos os compradores de lãs pagavam os lotes por determinados preços, mais altos ou mais baixos, segundo as regiões por eles previamente classificadas por produtoras de lãs melhores ou mais baixas. Pouco lhes importava que algum produtor tivesse posteriormente melhorado a qualidade do seu gado. O preço seria previamente estipulado para as lãs daquela região. Esta era a regra geral, por muitos compradores ainda seguida, mas também é certo que alguns criadores, já de há muito conhecidos como produtores de boas lãs, recebiam sempre mais 10$ ou 20$ por arroba do que os outros produtores da região.
Ultimamente tentou a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, por intermédio de técnicos competentes, fazer o «condicionamento», isto é, a classificação e lavagem das lãs dos diversos produtores, e estipular o preço de cada lote, mas o método seguido deve deixar muito a desejar ou foi mal aplicado, porque, segundo me afirmou o presidente de uni grémio da lavoura do Sul, técnico muito competente e pessoa insuspeita, houve lotes da mesma lã, do mesmo gado de um produtor, a que, condicionado? em ocasiões diferentes, foram atribuídos preços muito diversos, baseados na mesma tabela oficial. Logo o sistema não satisfaz e é necessário procurar outros elementos de apreciação insofismável que conduzam a uma determinação de preço?, mais uniformes para lotes de lãs que correspondam, à mesma aplicação industrial.
O problema. Sr. Presidente, é muito antigo e tem sido posto várias vezes por diversos técnicos, mas continua sem solução satisfatória.
Já em 1911, num estudo tecnológico que fiz sobre as lãs portuguesas, o problema se me apresentou com as mesmas dificuldades: consegui até inventar e construir um aparei lio de laboratório (porque não havia ainda um aparelho aproveitável para este fim), a que dei o nome de «Erioantistasímetro» (patente n.° 8:836) e que determina com precisão aceitável e contemporaneamente a extensibilidade e a resistência a tracção em gramas até à rotura dos filamentos lanosos, e estes elementos, conjugados com as observações microscópicas dos filamentos sobre a uniformidade e finura dos mesmos, além de outros elementos de apreciação, deram-ma números que traduziam as melhores ou piores qualidades das lãs. Mas era necessário que industriais de boa vontade ou técnicos da indústria, conhecedores pela prática do valor industrial das lãs, correspondentes aos índices tecnológicos, chamemos-lhe assim, determinados no laboratório, indicassem o valor dessas lãs, conforme a aplicação ou aplicações industriai? a que podiam ser destinadas.
No Congresso Pecuário de 1928 apresentei novamente a questão e propus a nomeação de uma comissão de técnicos e industriais para estudarem o assunto e coloquei á disposição dessa comissão o aparelho a que me referi (já então tinha aparecido no mercado um outro aparelho, de origem alemã, mais caro e complicado, que faz o mesmo serviço que o meu, mas não é controlável), mas, como quase todas as deliberações dos congressos, a proposta, apesar de bem aceite, ficou apenas em esperançosa aspiração.
Este estudo não se chegou a fazer então e julgo que até hoje ainda não pôde ser feito, apesar de desenvolvidos estudos tecnológicos que técnicos competentes ultimamente têm realizado.
O assunto é, como se disse, muito complexo e já o Dr. Mário de Morais, técnico dos que mais se têm ultimamente dedicado a este estudo, escreveu num trabalho apresentado I Congresso das Ciências Agrárias, em 1943:
Mas não se esqueça também que para fomentar a produção é indispensável garantir um ambiente económico favorável, que só pode conseguir-se com uma verdadeira política nacional da lã, que coordene a actividade dos sectores que interferem no ciclo económico deste têxtil - a produção, o comércio e a indústria de lanifícios.
Sem um plano previamente estabelecido e que, numa visão de conjunto, abranja estes três sectores, aião temos receio de afirmar que qualquer tentativa de fomento da produção lanar está ameaçada no mais íntimo do seus alicerces.