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13 DE MARÇO DE 1947 819

Enquanto isto se não fizer continuará o antagonismo de interesses, com manifesto prejuízo para a economia nacional.
É claro que me reporto ao sistema de economia auto-dirigida, ao corporativismo de associação e de coordenação dos interesses em jogo, e de maneira nenhuma ao corporativismo de Estado.
Foi-me sumamente grato encontrar no relatório geral da comissão de inquérito aos elementos da organização corporativa, relatório que mal tive tempo de relancear, esta valiosa e consoladora afirmação, na qual se acrescenta que a organização das actividades económicas deve ser de molde a serem elas, como actividades privadas, a dirigir-se ou a regular-se e portanto a não se apresentar esta organização como uma forma de desconcentração do próprio Estado.
Siga-se este excelente critério e os grandes problemas económicos do Pais se resolverão com justiça e equidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Cerveira Pinto: -Sr. Presidente: subo novamente a esta tribuna com o fim quase exclusivo de me defender das deturpações de que foram vítimas as palavras claras que há dias aqui pronunciei e as límpidas intenções que me levaram a intervir neste debate.
Começarei por esclarecer que não afirmei que o Governo tenha entregue, de pés e mãos atados, o consumidor à voracidade do especulador. O que eu afirmei o está no Diário das Sessões e repito é que com a guerra uns desmedidamente enriqueceram enquanto outros empobreceram tragicamente. Mas não me esqueci de acentuar que o Governo tinha tomado muitas medidas para evitar a exagerada subida dos preços.
Então porque se verificou aquele desnível económico entre os portugueses?
Tentei explicá-lo da seguinte forma: porque aquele fenómeno é, em grande parte, inelutável, em todas as crises provocadas pelas guerras, e também porque o Governo não tinha tomado todas as medidas indispensáveis para furtar o consumidor à rapacidade dos especuladores.
Basta notar a largueza de certas tabelas ou a ausência de tabelas ou os tabelamentos parciais, que quase correspondem à ausência de tabelas, para se verificar que a minha afirmação é exacta.
Todos os que compram sabem-no perfeitamente; sentem-no dolorosamente. Mas, então, porque não tomou o Governo todas as medidas indispensáveis para evitar este mal ou porque as tomou por forma imperfeita?
Foi ou porque não tinha na sua mão todos os cordelinhos com que se mexe esta vastidão de coisas, ou porque os agentes que teve de criar ou aproveitar não estavam à altura da sua missão, ou porque o Governo foi enganado pêlos interessados ou pelos seus próprios agentes. Foi por qualquer destes motivos ou por todos eles juntos.
E quero aproveitar esta oportunidade para, em plena independência de espírito, afirmar que me não resta dúvida nenhuma, e que não pode restar a ninguém, de que o Governo fez o que lhe foi possível para que os portugueses continuassem a viver habitualmente. Não o conseguiu de modo completo, infelizmente para todos. Infelizmente para todos ... não. Felizmente para os especuladores e infelizmente para os consumidores.
E já que estou a falar e tenho falado nos consumidores, quero agora, antes de mais nada, agradecer penhoradamente ao Sr. Dr. José Nosolini o favor que pretendeu fazer-me, aquando dum aparte meu ao discurso do Sr. Deputado Melo Machado, esclarecendo-me que consumidores somos todos nós.
Agradeço a intenção, mas devo declarar a S. Ex.ª que não me deu novidade nenhuma; eu já sabia e já aqui o tinha dito claramente. Mas tive o cuidado de, com a possível precisão, definir o sentido que no meu discurso atribuí à palavra consumidor.
E para vincar novamente o meu pensamento e não ser obrigado a repetir o que então disse, adoptarei a definição que há pouco me foi sugerida pelo brilhante parlamentar e meu querido amigo Sr. comandante Quelhas Lima e que é a seguinte: consumidores somos nós todos, não há dúvida nenhuma; mas há duas grandes categorias de consumidores: os que podem consumir lautamente, fartamente, e os que se consomem para poderem consumir alguma coisa.
Os da primeira categoria fazem o favor de sair da palavra consumidor, com o sentido que lhe dei no meu primeiro discurso e lhe continuo a dar agora.
Só os da segunda categoria lá cabem.

O Sr. Marques de Carvalho: -Para V. Ex.ª toda a gente que não é consumidor é especulador, ou há uma posição intermédia?

O Orador: - Estas coisas não têm fronteiras perfeitamente definidas.
Quis designar um grande agrupamento de pessoas e, para não usar de circunlóquios, chamei-lhe consumidor.
Se V. Ex.ª souber da existência de qualquer palavra, um neologismo que seja, que exprima melhor a minha ideia, agradecia que ma indicasse.
Emprego, portanto, a palavra consumidor para designar os que se consomem para poderem consumir alguma coisa.
Só desses falei e falo, para dizer e repetir que, pelo facto de se ter importado lã estrangeira, o preço da lã nacional, que tem sido de autêntica especulação, baixará para o nível justo e que teremos tecidos melhores e mais baratos.
Mostrei, com números insofismáveis, que a lã nacional, merina branca, lavada, custava em 1939, em concorrência com a lã estrangeira, 17$; que foi subindo sucessivamente, até que em 1945 foi tabelada, pelo Ministério da Economia, em 49$30; que os lavradores se fecharam com ela.

O Sr. Melo Machado:-Já disse a V. Ex.ª que isso não é verdade, porque a lã estava em mão dos comerciantes intermediários.

O Orador:-Estaria alguma na mão de comerciantes; mas estava muita, muitíssima, na mão dos lavradores. Eu li os nomes dos que a venderam mais cara.
Pois, como ia dizendo, os lavradores, ou, se quiserem, muitos lavradores, fecharam-se com a lã, em desobediência ostensiva à portaria do Ministro, e por isso os industriais tiveram de conceder uma sobretaxa de 3$ em quilograma para a poderem adquirir, comprando-a, portanto, a 52$30. Houve, porém, cento e quarenta e um produtores, dos maiores, que nem assim a venderam, tendo-lhes sido a lã adquirida a preços que variam entre 59$40 e 67$85. Li os nomes deles.

O Sr. Figueiroa Rego:-Logo direi a V. Ex.ª as razões disso.

O Orador: -Ah, bem! O que eu quero é ser esclarecido.
Mostrei ainda que a lã estrangeira custava em 1939 27$, quando a nacional custava 17$, e que em 1946 foi importada a 43$ o quilograma, enquanto que a portuguesa foi adquirida a 60$.