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822 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 101

«núcleo de força, e ainda agora a mais impoluta ara da família portuguesa»?
Queria referir-se ao lavrador nortenho, que, numa luta titânica contra a Natureza e contra os elementos, humaniza as próprias serras, obrigando-as a produzir até aos altos cumes e fazendo brotar pão das próprias pedras?
A esse lavrador do Norte que, quando as tempestades e as enxurradas lhe derrubam os socalcos, lhe arrastam as culturas e das propriedades lhe deixam ficar apenas o sitio, refaz a própria terra com uma tenacidade e uma obstinação apuradas em séculos de sacrifício e de heroicidade?
A esse trabalhador incansável que, sem imagens literárias e sem figuras de retórica, rega a terra com o suor do seu rosto desde os mais verdes anos até à morte, o que, viril, independente, nada pede ao Governo a não ser que o governe bem, que lhe conserve a paz, que o deixe exercer livremente a religião em que foi criado, que o não caustique muito com contribuições e que, quando morrer, lhe não expolie os filhos menores em inventários monstruosos - ignomínia velha de um século, que foi instaurada pelos arautos do liberalismo, que os nossos famigerados democratas agravaram e que o Estado Novo vai extinguir dentro de dias, marcando assim mais uma vez - e porque modo! - o carácter eminentemente popular do regime -, é a esse lavrador que pretendem referir-se? Se foi essa a sua intenção, perdeu S. Ex.ª o tempo e a eloquência, porque a lã que produz manda-a esse lavrador fiar à mulher e às filhas nas suas rocas, manda-a tecer nos seus teares e pisar nos seus pisões e com ela faz o burel com que se veste para a dura faina dos campos.
Esse lavrador segue a máxima de Cornevam: «Ileureux ce qui boit le lait de ses brebis et de leur toison fait filer son habit».
E para os dias festivos, para a andaina melhorada, o que ele quer é que lhe dêem tecidos mais baratos. Não mandou exposições nem telegramas a pedir que se mantenha a alta dos preços da lã nacional. E quando há dias os grémios da lavoura do Norte tiveram uma conferência no Porto com o Sr. Ministro da Economia falaram de tudo, mas nem sequer se referiram às lãs, e bem sabiam que esse problema estava a ser tratado nesta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Eu pedia a V. Ex.ª que abreviasse, quanto possível, as suas considerações, visto já ter esgotado o tempo regimental.

O Orador: - Sim, Sr. Presidente.
Mas se o Sr. Deputado Melo Machado pretendeu referir-se aos grandes proprietários do Sul, aos latifundiários ...

O Sr. Melo Machado: - Já cá tardavam!

O Orador: -... muitos dos quais, salvo raras e honrosíssimas excepções, muito bem representadas nesta Câmara, mas que não têm servido de exemplo, muitos dos quais só por ironia se pode dizer que estão curvados para a terra e a regam com o suor do seu rosto.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª julga que trabalhar é só cavar!

O Orador: - Não, senhor, não julgo. Falo daqueles ricos, riquíssimos proprietários do Alentejo, que, por não precisarem para si, não arrancam da terra o que ela generosamente podia dar.

O Sr. Nunes Mexia: - V. Ex.ª conhece o Alentejo?

O Orador: - Conheço sim, senhor; corri uma grande parte dele e não vi lá ninguém a trabalhar nos campos.

O Sr. Nunes Mexia: - É curioso que V. Ex.ª não tenha visto indícios de trabalhos de campo, sendo como é uma das províncias onde, mercê do cultivo, não existe já qualquer parcela de charneca.

O Orador: - Mas não a trabalham convenientemente e andam permanentemente a pedir ao Governo a protecção alfandegária para valorizarem os produtos que a terra dá com o mínimo esforço.
Se é a esses lavradores que pretende referir-se, também perdeu o tempo e a eloquência, porque o Governo não permite, não permitirá, que para gáudio de uns tantos magnates do Alentejo se sacrifique a grei inteira. Na defesa da minha tese podia citar o parecer de todos os grandes economistas portugueses.
Quando se fizer aquela profunda reforma agrária que o Sr. Presidente do Conselho anunciou, em Novembro de 1945, numa entrevista célebre, estou convencido de que a terra portuguesa há-de dar alimentação para todos e que havemos de deixar de exportar gente para importar pão.
Sr. Presidente: vou terminar, e já não é sem tempo, porque já excedi em muito o tempo que o Regimento mo concede.
Vivemos todos possuídos de uma psicose altista, tão soberana que já passou os umbrais desta Casa, a pedir a manutenção dos exagerados preços das lãs nacionais.
É necessário combater essa psicose, para a normalização da vida e normalização do custo da vida-normalização quer dizer descida dos preços até ao limite do razoável.
É necessário que os nossos mercados, que se encontram exaustos e que estão a favor do vendedor, se abasteçam para ficarem a favor do comprador.
Não tenho confiança excessiva nos tabelamentos, mas confio em que, abastecido o mercado, os preços baixem e o custo de vida se normalize.
Por isso digo e repito que é necessário importar tudo aquilo que for indispensável para o consumo, inclusive a lã, para que tenhamos tecidos que cheguem para as nossas necessidades, para que tenhamos tecidos melhores e mais baratos.
O grande problema económico do presente momento é o problema do abastecimento.
Vou mais longe: o grande problema político da época que atravessamos é o do abastecimento.
Resolvido o problema económico, fica resolvido o problema político.
Resolver pois este problema significa neste momento resolver o mais agudo e mais grave problema nacional.
Sr. Presidente: depois do meu falamento de há dias, já me chamaram comunista. Mas isto não é comunismo, Srs. abencerragens de uma burguesia cúpida e cega. Isto é nacionalismo puro, nacionalismo velho, tão velho como aquele rei que promulgou a lei das sesmarias; isto é nacional integral.
Isto é a defensão obscura, humilde, mas ardente, dos direitos da terra e do sangue de Portugal.
Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: intervenho no debate numa altura em que me parece oportuno registar e lamentar o aspecto de guerra dura que, por vezes, lhe deram aqueles que se propunham representar actividades que aqui se digladiavam mas cujos objectivos necessariamente tem de ser concor-