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820 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 101

O Sr. Soares da Fonseca:-Já se vê a lógica da atitude da lavoura. Se os produtos que ela vende sobem de preço em mercado livre e só fixa para eles uma tabela, ataca-se esta em nome da liberdade; se a liberdade, como agora, conduz a baixa de preços, pedem-se tabelamentos. Isto é simplesmente ilogismo.

O Orador:-Nem mais, nem menos. Pelo facto de a lã nacional não ter a concorrência da lã estrangeira, especularam ou não especularam os lavradores?

O Sr. Nunes Mexia: -V. Ex.ª dá-me licença? O que a lavoura tinha pedido ou pedia era que se mantivesse o regime de tabelas que anteriormente existia.

O Orador:-Mas em 1945 havia tabelas. Estavam em vigor, mas não foram respeitadas. Houve especulação!

O Sr. Melo Machado: -V. Ex.ª dá-me licença? Já outro dia se disse aqui que foi em leilão que houve essa especulação...

O Orador: - Está portanto assente que houve especulação. Quem a promoveu? Foram os industriais?

O Sr. Nunes Mexia: -V. Ex.ª não conhece um aspecto fundamental do problema: a lavoura recebia um preço mínimo, determinado pelas tabelas.

O Orador: - Qual mínimo nem meio mínimo!... Então quando os produtos rareiam há necessidade de fixar preços mínimos? As tabelas são preços máximos, como é evidente.

O Sr. Nunes Mexia: - O comércio das lãs e os grémios da lavoura tinham o direito de mandar lavar e pentear essas lãs e o montante da taxa de penteação e lucro adicional - este último de 10 e 3 por cento - era destinado, em parte da taxa, a remunerar o trabalho executado, sendo do restante uma parte destinada a melhorar os preços pagos à produção, sem prejuízo do consumidor.

O Orador: - O certo é que em 1945 os produtores venderam a lã por preços muito superiores à tabela. Houve especulação!
Isto está assente por acordo de todos. Simplesmente os lavradores atribuem essa especulação à iniciativa dos industriais.
Mas foram de facto os industriais que promoveram a especulação ?
A mim parece-me que quem promoveu a especulação foi quem fez rarear a lã e se fechou com ela; foi quem da especulação aproveitou; foi a lavoura.
Na verdade, quem meteu ao bolso o resultado da especulação? Foi a lavoura.
E então, se foi a lavoura que embolsou o alto preço por que vendeu a lã, com que direito chama especuladores aos que lho pagaram ?
Isto não é justiça de cristãos, é justiça de mouros.
Quem pagou tudo? O consumidor.
Afirmaram aqui os lavradores que a importação de lã estrangeira em 1947 foi em tal quantidade que chega para três ou quatro anos; que essa lã tem quebras e pode apodrecer; que pode desvalorizar-se pela baixa que porventura se verifique no mercado internacional; enfim, que essa importação é prejudicial aos próprios industriais.
Ora eu já demonstrei que essa lã não chega para o stock normal da indústria, que deve ser o do consumo de um ano. Mas ocorre-me perguntar: porque será que os lavradores se mostram neste passo tão solícitos em defender os interesses da indústria, contra os próprios industriais ?
Para quê este afã dos lavradores em conjugar os interesses da lavoura com os da indústria, no sentido de se proibir ou, pelo menos, de se restringir a importação de lã estrangeira e de, consequentemente, valorizar a lã nacional?
Contra quem se harmonizam estes interesses d uns o doutros, lavradores e industriais?
Evidentemente que contra o consumidor, que é quem paga tudo.
Pois é esse consumido consumidor que fala pela minha voz, bradando contra a conjura de que ele seria a grande vítima.
E por mais que a velha raposa matreira, neste debate tão bem encarnada na pessoa do ilustre Deputado Sr. Melo Machado, pretenda desfigurar-mo, apresentando-me como lobo vestido de cordeiro, pseudo defensor dos interesses do consumidor e autêntico advogado dos industriais, não conseguirá que a minha voz amorteça na denúncia da manobra dos que pretendem a alta artificial dos preços da lã, nacional, contra os legítimos interesses da maioria dos portugueses.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Eu não espero apoiados dos lavradores, que - repito - querem uma alta artificial da lã nacional, contra os legítimos interesses da maioria dos portugueses, que são os consumidores.
Lobo vestido de cordeiro, não! Cordeiro, sim; cordeiro inocente, que toma uns certos ares de lobo para afugentar os seus tosquiadores; melhor: os seus esfola-dores, porque tosquiado já ele está.
Sr. Presidente: defendi apenas os consumidores o não os industriais.
Aqui disse, em alto e bom som, para quem tinha os ouvidos abertos para ouvir, que, se as taxas de transformação da lã são exageradas, devem ser revistas e que se devem meter na ordem os industriais, se estiverem fora dela.
Não conheço a questão das tabelas da transformação da lã, e por isso não a discuto. De resto, essa questão não está em causa, pois o Sr. Deputado Figueiroa Rego nem sequer a enunciou no seu aviso prévio.
Sr. Presidente: embora esta Câmara seja política e esteja dependente exclusivamente do sufrágio universal, pois a representação por classes pertence à Câmara Corporativa, lamento que, estando aqui tão ilustrados lavradores, não esteja cá um industrial de tecidos para também dizer de sua justiça.

O Sr. Figueiroa Rego: - Mas têm procurador...

O Sr. Melo Machado: - Já aí esteve um industrial nessa tribuna e nós respeitámos a sua atitude.

O Orador: - Mas o que V. Ex.ªs não respeitaram nem querem respeitar é a situação dos consumidores.

O Sr. Soares da Fonseca: - É tão justa a acusação que fazem a V. Ex.ª, de ser representante de industriais, que não conhece o único industrial que está nesta Assembleia.

O Orador:-Do facto, não sabia que o Sr. Dr. Alçada Guimarães, que eu conheço como ilustre jurista, ora também industrial. Não conheço industriais de lanifícios. Represento, de resto, um distrito onde a indústria de lanifícios praticamente não existe. Mas, como ia dizendo, já que os meus contraditores se referiram aos lucros dos industriais, que presumo...