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864 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 103

Ainda recentemente tive o conforto de ouvir da boca de um comerciante ilustre que viajara a África e a América do Sul a afirmação de que ao vinho verde, pela sua natural frescura, baixa graduação alcoólica e outras qualidades inconfundíveis, estava reservado um grande mercado naquelas imensas zonas tropicais.
Por isso, importa que a futura legislação, esforçando-se por defender a qualidade, não vá restringir a produção de uma das maiores riquezas de que o País tantos benefícios tem colhido e muitos mais recolherá se for, como firmemente espero, dirigido inteligentemente e sem excessivos e injustificados receios de sobreprodução.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: subi a esta tribuna para focar, em rápidas palavras, vários aspectos do problema da restrição do plantio de vides, suscitado pelo decreto-lei n.° 36:013. E insisto, em rápidas palavras, porquanto o pouco tempo de que dispomos não mo permite ventilar, como pretendia, um assunto que interessa particularmente a todo aquele que se sente preso à actividade da lavoura.
Também a falta dos elementos pedidos no dia 4 do corrente contribui para não poder apreciar devidamente certas particularidades da aplicação da lei que me parecem comportar situações de desigualdade manifesta entre os próprios lavradores.
O decreto-lei n.° 36:0,18, ora em discussão, destina-se «a esclarecer e interpretar». Se as suas disposições correspondessem a este fim, melhor seria que fosse publicada uma portaria.
Mas as disposições que ele contém alteram substancialmente disposições em vigor, criam direito novo, estabelecem novas regras de orientação.
Qual a razão que determinou o legislador a fazer preceder a parte dispositiva daquelas palavras?
Não quero indagar dos fundamentos da natureza interpretativa de um decreto que pode prejudicar situações criadas ao abrigo de disposições que, sendo objecto de interpretações diversas, só aos tribunais compete resolver.
Bastava este carácter interpretativo do decreto-lei n.° 36:018 para se não poder manter nos termos em que foi publicado.
Mas outras razões me levam a não me conformar com o que nele se contém:
O reconhecimento da inoportunidade de disposições que conduzem à restrição do plantio de vides numa viragem económica em que se não distingue bem se a falta de vinho no mercado é devida somente à escassez da última colheita ou ao aumento acentuado do consumo interno.
Se eu tivesse tempo, faria considerações sobre a abundância extraordinária das colheitas dos anos de 1943, 1944 e 1945, sobre a exportação reduzida motivada pelas condições da guerra e sobre o valor da organização corporativa, que aguentou os preços a um nível compensador, para chegar à conclusão de que, apesar dessa abundância de colheitas em três anos consecutivos, o vinho não saturou os mercados.
E tanto não saturou que bastou haver um ano de má colheita para se contingentar a exportação, o preço do vinho se elevar a um montante sobejamente compensador e até agora se falar, com intuitos que certamente se virão a revelar, na hipótese de importações de vinhos.
Eu nem sequer quero admitir, Sr. Presidente, que, a não ser nos vinhos de tipo definido engarrafados, se ponha em hipótese a importação maciça de vinhos, seja por que preço for, num momento em que é publicado
um decreto-lei que visa restringir o plantio de vides, decreto esse que está em discussão na Assembleia Nacional.
Acima das necessidades transitórias, e que não são prementes da população, acima dos interesses particulares das firmas exportadoras que não querem comprar vinhos aos lavradores e que invertem a sua posição comercial, está o bom nome de um pais, essencialmente vinícola, que se tem firmado e continuará a firmar como excelente produtor de vinho.
Julgo que seria um mau serviço feito a Portugal permitir a importação de vinho.
Eu vou mais longe. Entendo que, à semelhança do que fazem outras nações em relação a outros produtos, nós devíamos tornar livre a exportação, mesmo com prejuízo do consumo interno. Há valores que, sendo de todos, estão muito acima do interesse de certos consumidores.
E a Portugal interessa sobretudo criar e manter mercados externos do seu vinho.

O Sr. Cincinato da Costa: - V. Ex.ª dá-me licença?
Essa tese é muito interessante, mas falta saber se será viável, porque posso citar este caso: a Bélgica, que nos comprava grande quantidade de vinho nos últimos anos e que se mostrava ser um mercado muito interessante para Portugal, este ano, em Janeiro, negou-se a fazer qualquer aquisição, dado o alto preço do vinho. Os vinhos argelinos e os de Oran, na base de 12 graus, e ainda os vinhos franceses do Meio-Dia são vendidos na base de 16 francos cada litro.
Os vinhos portugueses chegam lá, evidentemente, muito mais caros.

O Orador: - Mas o preço do vinho e as condições de aquisição no mercado externo são o meio natural da limitação da exportação.
O que eu julgo desnecessário é um despacho ministerial com esse fim. Entendo que não é necessário legalizar um facto quando as circunstâncias o impõem.

O Sr. Cincinato da Costa:- Mas é preciso ver que esse despacho teve a sua origem na necessidade de simultaneamente se fixar o preço do vinho no mercado interno em 3$, quando os preços na origem estavam muito mais altos.

O Orador: - Mas V. Ex.ª tem conhecimento das consequências desse despacho: pouco tempo esteve em vigor, por se terem verificado os seus graves inconvenientes.

O Sr. Luís Teotónio Pereira: - V. Ex.ª dá-me licença?
Quero esclarecer V. Ex.ª que foi estabelecido em tempo um contingente trimestral de 6:000 pipas para exportar e no primeiro trimestre foram apenas exportadas 800 pipas porque não havia mais compradores.

O Orador: - Se porventura não se atingir o contingente de exportação, evidentemente que não é necessária a aplicação do despacho que o estabelece. Todavia, basta somente a sua existência para ser criado um ambiente de receio, inconveniente à actividade comercial.
Ainda há muito vinho por vender. Certos comerciantes é que o não querem comprar e pretendem agora especular com esse fantasma da importação. Convidem-se os produtores e os comerciantes a acusar as suas existências. Depois poder-se-á apreciar o fundamento dos pedidos de importação.
O que não faz sentido é proibir plantação de vides e permitir importação de vinho.