868 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 103
A Câmara Corporativa, omitiu sobre este decreto-lei o sou parecer, introduzindo-lhe alterações. Houve um digno Procurador que emitiu o parecer de que fosse totalmente rejeitado este decreto-lei n.° 36:018, porque o momento da sua publicação não era oportuno, e só vinha adicionar miais um diploma legal à já numerosa colecção de diplomas que têm lançado grande perturbação na vida dos produtores de vinho, que já não sabem a lei em que vivem, pois que, na verdade, é tão numerosa a legislação sobre a plantação de vinhas, que ela é regulada por nada menos do que dez diplomas, diplomas estes redigidos por vezes de uma forma tão confusa que são de difícil compreensão e até, por vezes, de difícil interpretação, impedindo que todas essas disposições legais se possam considerar harmónicas, como deve ser um sistema legislativo.
Mas a verdade é que nesta colecção de leis extravagantes que regulam a plantação de vinhas há disposições que vão de encontro umas às outras e, até por vezes, umas e outras se excluem, e não se chega a saber com rigor quais são as partes de cada um destes diplomas que estão em vigor e quais são aquelas que já estão revogadas.
Daqui resulta, Sr. Presidente, que muitos vinhateiros fizeram plantações de vinhas supondo, ou estando mesmo na convicção, que procediam ao abrigo das disposições legais vigentes, ao passo que os serviços respectivos entenderam que essas plantações tinham sido feitas contrariamente aos mesmos preceitos legais. E daí o conflito que existe entre a produção de vinhos e os serviços correspondentes.
Os casos arrastam-se já pelos tribunais e até as decisões destes têm sido desencontradas sobre se de facto há ou não infracção da lei.
A lei não é tão clara que o homem que tem como principal preocupação cultivar a tenra a possa bem conhecer. E muitas das transgressões que por esta proposta ide lei e ainda pela proposta da Comissão de Economia se pretendem legalizar, quase que sob uma forma de amnistia, não foram cometidas com o intuito de violar a lei.
Verdade seja que em matéria de transgressões não é precisa a intenção dolosa, pois basta a simples culpa, mas o proprietário não tem sempre atrás de si o juiz-perito a quem possa consultar para saber se a plantação que vai fazer é ou não legal.
Para dar a V. Ex.ª uma ideia deste caos legislativo em que vivemos sobre matéria de vinhos, aponto apenas um facto: uma disposição legal do decreto-lei n.° 33:544, que é, por assim dizer, a repetição do que já vem noutros decretos anteriores.
Há um decreto destes que regula a plantação de vinhas, que faz uma distinção nítida entre reconstituição de vinhas e substituição de vinhas. Por reconstituição entende-se o arrancamento de certas vinhas para no mesmo local fazer plantação de novas vinhas.
Por substituição entende-se o arrancar num local para plantar em local diferente.
A reconstituição, segundo o diploma fundamental que define em termos claros e precisos estes dois conceitos de reconstituição e de substituição, e em que por vezes se mistura com a designação de a novas plantações», segundo esse diploma fundamental, a reconstituição de vinhas não precisava de pedir autorização aos serviços para ser feita.
Quer dizer: o proprietário arrancava a sua vinha e no mesmo local plantava nova vinha sem precisar de autorização, o que era perfeitamente justo e compreensível, porquanto o condicionamento da plantação da vinha tinha em vista: primeiro, impedir o aumento da área ocupada pela vinha; segundo, uma certa selecção das castas a plantar.
Sc a área arrancada de vinha era reconstituída plantando vinha nesse local, evidentemente que o legislador u ao tinha de preocupar-se com isso, visto que o condicionamento da vinha o permitia. Mas se o lavrador queria mudar de local, então já se compreendia que o legislador interviesse e dissesse que essa operação agrícola não podia fazer-se sem perguntar aos serviços se o local era ou não apropriado e se era correspondente a vinha que tinha arrancado.
Consequentemente, houve quem substituísse vinhas ao abrigo desta disposição legal, que lhe permitia reconstituir a sua vinha sem pedido de nova autorização, e quere-me parecer que quem assim procedeu ao abrigo desta lei tinha um conteúdo económico-jurídico no seu direito de propriedade, que era o de arrancar e replantar sem pedir nova autorização.
Foi, portanto, um direito subjectivo que se integrou dentro do seu património, e, como aqui dizia o Sr. Dr. Bustorff Silva, com aquela clareza que lhe é peculiar, o Estado é uma pessoa de bem, não lhe sendo permitido estabelecer determinada doutrina para depois, em diploma subsequente, vir dizer: o senhor arrancou a sua vinha ao abrigo deste decreto, mas se quiser reconstituí-la tem de sujeitar-se agora a novas regras.
Este é o problema que se põe para muitos daqueles que plantaram mais de 20:000 pés de vinha, convencidos de que o faziam dentro do seu direito, como diziam os romanos: fecit sed jura sua fecit.
Se este novo decreto procura, na realidade, definir de uma vez o direito dos proprietários que assim procederam, não se compreende que continue a restrição de só permitir vinhas até 20 milheiros.
Dir-me-ão: mas a legislação permitia realmente a plantação de novas vinhas até 20 milheiros; e aqueles que transgrediam plantando a vinha sem pedir a respectiva autorização transgrediam só num ponto, que era meterem vinhas sem autorização. Não me parece que isto sirva de argumento, porque, se um meteu 20 milheiros e o outro 50, há um quantum da transgressão que não interessa para apreciar o intuito do que transgrediu. Fundamentalmente é a mesma coisa; transgrediram os dois.
Ora, porque é que se há-de sancionar com uma multa, por esta proposta de lei que aqui está, a atitude dos que meteram 20 milheiros, para dar satisfação àqueles que, por respeitarem a lei, nada plantaram e se h ande mandar arrancar àqueles que plantaram além de 20 milheiros?
O Sr. Melo Machado: - A lei pretende restringir o plantio da vinha.
O Orador: - Já vamos à restrição.
Parecia que o espírito de toda a legislação que condiciona o plantio da vinha realmente não era restringir, mas sim fixar a quantidade de vinha indispensável para o abastecimento do mercado interno e para a exportação.
Nem quero crer, Sr. Deputado Melo Machado, que seja o espírito do legislador neste momento restringir a plantação da vinha. Quero crer que seja de manter a actual área de plantação de vinhas, porque restringir seria impolítico, impolítico no sentido de antieconómico, impolítico seria, talvez, porque era praticado contra a economia da Nação.
Mas, dizia eu, se com o decreto em discussão, se com a emenda que propõe a própria Comissão de Economia, se quer sancionar essa transgressão de quem meteu 20 milheiros, não há razão para que se não sancionem, mediante a tal multa de 1$, todas as plantações feitas. Porque, suponham V. Ex.ª dois proprietários: um que tenha apenas uma área para meter de vinha 20 milhei-