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116 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 121

e em regime de autoridade, temos as Cortes; em qualquer caso a voz da Nação.
VV. Ex.ªs dirão: tudo isso está muito certo; estamos todos de acordo em que primeiro é mister o alargamento da produção do vinho e o seu consumo, exactamente para defendermos a economia vinícola, que é uma parte notável da economia nacional.
Creio que não haverá também discordância quanto à segunda parte, isto é, quanto à necessidade de se aumentar o consumo do vinho transformando o uso individual em uso familiar.
Creio que nisto estamos de acordo.
E qual então a forma de chegar-se a esse objectivo? Eu direi que esse objectivo se pode alcançar através do despacho do Sr. Dr. Trigo de Negreiros, quando Subsecretário de Estado das Corporações: criando lugares de recreio e de diversão, de maneira a os trabalhadores gastarem o tempo disponível sem prejuízo da saúde, antes- valorizando-se física, moral e intelectualmente, e, em segundo lugar, que se criem pequenos, modestos, restaurantes de trabalhadores.
Parece-me que assim o problema será resolvido.
A Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho muito tem feito já sob este ponto de vista e há também muito que fazer através das Casas do Povo.
Não se pretende que as Casas do Povo comportem actividades que não estejam no âmbito das suas disposições estatutárias. Pelo contrário: pretende-se apenas integrá-las no cumprimento dos seus estatutos, na realização dos encargos que lhes são atribuídos, e que lhes darão a função para que foram criadas.
Sr. Presidente: faz doer a alma de todo o português, não apenas do padre, o espectáculo de tantos operários passando o seu tempo nas tabernas, não melhorando nem física nem profissionalmente as suas condições, mas antes degradando a sua dignidade, empobrecendo alma e corpo.
Isto não só em perigo da sua vida, mas do exercício da sua profissão e, portanto, do rendimento do seu próprio trabalho. O que urge, Sr. Presidente, é a criação de instituições onde se procurasse, não apenas dar instrução ao povo, não apenas arrancá-lo dos meios viciados para os meios sadios, mas sim melhorar a sua condição e a sua formação profissional. Eu queria que essas instituições não fossem só meios de recreio, mas também de ilustração, através de bibliotecas, conferências, enfim, um auxílio de carácter moral e profissional, de maneira a levantar o nível profissional da classe trabalhadora.
Senti um dia grande orgulho pelo valor do nosso operário. Visitava as ruínas em que a guerra deixara a linda cidade de Arrás.
Essas ruínas estavam a ser reconstruídas por operários de vinte nações, e entre eles havia uma centena de portugueses. Quando eu perguntei pelos portugueses o capataz respondeu-me: «Esses homens tiveram um dia de folga que eu lhes concedi, porque são os nossos melhores operários!».

O Sr. Quelhas Lima: - Malgré a taberna...

O Orador: - O nosso operário, mesmo nas indústrias modernas, afeiçoa-se com facilidade.
V. Ex.ª disse malgré a taberna. E com razão, no duplo sentido: de que aqueles operários não frequentavam a taberna e de que nem a taberna era capaz de lhes abalar a estrutura e capacidade de trabalho.

O Sr. Quelhas Lima: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu quando disse essa circunstância não era para me opor às considerações de V. Ex.ª Mas dê-me V. Ex.ª assim oportunidade que ou me sirva de um conceito simples, do seguinte facto passado comigo.
Na minha vida profissional e por definição, e mal vai quando assim não é, bebe-se.
Um dia um homem que eu distinguia pela sua habilidade e pelo seu extraordinário aprumo, porque era um profissional excepcional debaixo de vários pontos de vista, foi por mim visto numa taberna de uma rua em que eu passava.
No meu sentimento romântico, porque eu era novo, quando cheguei a bordo, no dia imediato, chamei-o e disse-lhe: «Olha que não gostei que estivesses ontem na taberna».
Ele respondeu-me desta forma lapidar, porque eu vou generalizar o assunto: «E o meu piano; não posso ir para o casino».
Esta resposta descobre um horizonte ilimitado, e V. Ex.ª quando se refere à taberna perniciosa, porque não há-de referir-se também ao cabaret, ao bar, ao casino, etc.?

O Orador: - Estou absolutamente de acordo com V. Ex.ª, porque me parece que realmente aí há um perigo tão grande como o da taberna. Mas eu, como sou de um meio rural, é justamente a esse meio que me refiro, e espero que VV. Ex.ªs, vivendo nas cidades, apresentem o problema, porque lhes darei gostosamente todo o meu apoio.
A objecção desse marujo é, na verdade, interessante; é o seu piano, o que significa concordância com a minha opinião, que é dar a todos os trabalhadores portugueses o ... piano no sentido simbólico, a caminho do sentido real.

O Sr. Quelhas Lima: - É deliciosa como expressão!

O Orador: - Sr. Presidente: o problema é complexo e é preciso não perder de vista que o factor habitacional é a causa de muitos desgraçados irem para a taberna, por não encontrarem casa higiénica, ampla, clara, que os possa prender.
Há dificuldades em o cumprir?
Recordo esta palavra que criou um grande génio, a grande águia de Hipona: si allii cur non ego?
Não tenho necessidade de a traduzir, visto que esta Assembleia foi educada antes do enterro oficial do latim.
Se outros fazem essa obra, porque não havemos nós de fazê-la?
Já em 1919 eu conheci em Paris a instituição que correspondia perfeitamente a este objectivo, e que constava não apenas de lugares de recreio dentro da cidade, mas o que eles chamavam a «casa de fim de semana».
Um grande campo, lindíssimo campo, constituído por ruas e pequeninas casas de residência, com parques, jardins, jogos, etc.
Numerosas famílias operárias passam o fim de semana alegremente, salutarmente. Não era apenas a família que se recreava, que se instruía, que descansava. Não; estabelecia-se a camaradagem, o espirito de classe - eram as famílias que confraternizavam umas com as outras, voltando na segunda-feira para Paris, após um dia de repouso, de ilustração.
Torno a dizer: se os outros podem fazê-lo, porque não fazemos nós o mesmo?
Isto é realmente mais viável do que se supõe.
Não se trata de grandes instituições, de grandes edifícios.
Trata-se, sobretudo, de criar essas casinhas higiénicas, asseadas, alindadas, onde os operários fossem passar o dia de recreio e de convivência.
Mas quem leva os operários para esse campo ? Quem os arranca da taberna? Quem? O Governo, fazendo-as encerrar ao domingo.
Com geral proposta? Talvez... nem sempre.