9 DE JANEIRO DE 1948 111
Há manifestamente um equívoco da parte de S. Ex.ª e acima de tudo uma arguição que é mais do que injusta: é injustificada.
Vou explicar porquê:
Quando usei da palavra e me referi, em termos que contínuo a reputar absolutamente razoáveis, à política do Sr. Ministro da (Economia em relação a este importante produto de consumo nacional tive ocasião de distinguir nitidamente entre aqueles lavradores que tinham especulado, lançando-se aventurosamente numa colheita para a qual não estavam preparados nem indicados os terrenos de que eram proprietários ou locatários, e esses outros lavradores que, calmamente, prudentemente, tinham mantido o seu ritmo de trabalho e a orientação da sua actividade em termos de acudir a uma necessidade que o País nesse momento vivia.
E dizia: «os preços da batata estavam tão altos que muitos produtores que nunca tinham plantado batata em determinadas regiões, porque não eram de interesse por causa das condições climáticas ou da constituição do solo, passaram a plantá-la, na mira do seu alto preço, pagando, sem discutir, os salários que lhes pedissem e os adubos que lhes ofereciam. O preço tinha de ser alto, para que essa gente tivesse compensações».
Nas linhas adiante acrescentei: «E, ao passo que reclamo para a lavoura que se manteve calmamente no trilho das actividades sãs, semeando o mais e o melhor possível dentro das suas possibilidades climatéricas ou geofísicas, toda a protecção e carinho, não acho forma de descobrir fibra que se sensibilize perante o infortúnio dos que, na ambição de lucros desmedidos, romperam a semear batata em terrenos impróprios pela carestia da cultura e todas as demais circunstâncias já enunciadas e acabaram por perder dezenas ou centenas de milhares de escudos. Esses não agricultaram - especularam. Perderam? É o triste signo de quem joga!».
Porque produzi eu estas afirmações, Sr. Presidente? Porque se tinha afirmado que a política de importações maciças adoptada pelo Governo em fins de 1946 e primeiros meses de 1947 tinha provocado um verdadeiro «escândalo».
E fiz, a seguir, a demonstração de que essas importações maciças não tinham tido nem podiam ter tido a menor intervenção, directa ou indirecta, na dificuldade de colocação no mercado da batata nacional actualmente armazenada nos celeiros, visto que toda a batata importada em fins de 1946 e princípios de 1947 fora quase totalmente consumida quando, em Março e Abril desse ano, começou a chegar a Lisboa a batata da Moita, que é a primeira a aparecer. Por consequência, não fora a política da importação maciça de batata nem fora a actuação, a todos os títulos notável, do Sr. Ministro da Economia a causa de alguns produtores se haverem visto assoberbados com uma quantidade de batata que excedia largamente as> necessidades de consumo do País. Essa culpa não deve ser atribuída ao Ministro; cai, e com toda a gravidade do seu peso, íntegra e completa sobre os produtores que, na ambição de lucros desmedidos, como disse, «romperam a semear batata em terrenos impróprios pela carestia da cultura e todas as demais circunstâncias anteriormente enunciadas, perdendo, por isso, dezenas ou centenas de contos». A esses, e só com relação a esses, empreguei a palavra «especulação».
Ora o meu ilustre amigo Sr. Melo (Machado levantou a luva em nome da lavoura. E eu pergunto: de que lavoura? De facto, há que distinguir entre os que produziram batata num «golpe» nitidamente especulador e esses outros que semearam no exercício da prática normal da sua cultura. Foi em nome destes últimos que 8. Exa. levantou a luva? Teve um gesto inútil; fui eu o primeiro a exaltar-lhes os méritos.
O Sr. José Nosolini (interrompendo): - Como é que V. Ex.ª pode determinar o limite de desenvolvimento de uma lavoura que cultiva para não especular?
O Orador: - Desculpe V. Ex.ª, mas a sua intervenção convence-me de que não ouviu as minhas considerações de hoje desde o princípio, principalmente as que produzi na discussão da lei de meios.
Está-se discutindo a responsabilidade que possa ser atribuída ao Governo pelas importações de batata e os seus efeitos no excesso actual do produto verificado em certas regiões do País, precisamente as que melhores aplausos merecem. E esse o ponto que está em debate e é em relação a ele que continuo, portanto, as minhas considerações.
E volto a perguntar ao ilustre Deputado Sr. Melo Machado: em nome de que grupo da lavoura o nosso ilustre colega Sr. Melo Machado levantou a luva? Em nome daqueles que fizeram a sua cultura em condições tradicionais ou dos que se arriscaram numa cultura até então não praticada nos seus terrenos, movidos pela ambição de se lançarem no jogo de ganhar ou perder?
Repito: se foi em nome dos primeiros é inútil agitar a luva, porque eu próprio fui o primeiro a fazer-lhes justiça quando usei da palavra na discussão da lei de meios.
Se é em nome dos últimos, discordo das considerações do Sr. Deputado Melo Machado quando sustentou que em matéria de especulação praticada pelo produtor é a colectividade quê afinal beneficia.
Esta afirmação traduz um erro calamitoso. A colectividade somos todos nós, e até os que especularam. Da colectividade fazem parte os pobres produtores habituais de batata do Centro e do Norte do País, agora a braços com as dificuldades criadas pelos seus colegas lavradores que se iniciaram na cultura da batata no ano de 1947. E não se dirá que foram beneficiados pela aventurosa intervenção destes últimos.
Não, Sr. Presidente e meus senhores..
A responsabilidade da crise actual não é da política do Governo; é da má orientação tomada por esses lavradores. A prova provada de que assim é encontram-na VV. Ex.ªs numa interrupção, aliás doutíssima, como sempre, do nosso colega Sr. Melo Machado feita ontem ao Sr. Deputado Querubim Guimarães, quando S. Ex.ª se referiu ao enorme acréscimo de produção de batata que houve no seu distrito (Aveiro) e que foi rapidamente absorvido por Lisboa.
Precisamente por efeito desta, desorientação, praticada por certo ramo da lavoura, aquelas regiões do País onde tradicionalmente a cultura da batata tem sido a cultura dominante encontram-se a braços com uma enorme crise.
O distrito de Aveiro, que anteriormente mandava para Lisboa uniu quantidade mínima de batata, com referência à colheita de 1947 lançou no Sul uma quantidade daquele produto que é seis, sete, oito, nove ou dez vezes superior à anterior.
E, em contrapartida, nas regiões clássicas da cultura da batata, tais como Bragança, Chaves, Montalegre, Trancoso, Guarda, Covilhã, Castelo Branco, etc., há, sem dúvida, excesso de batata para consumo, em risco de apodrecer ou ser transaccionada a preços aviltados.
Neste ponto tem o Sr. Deputado Melo Machado carradas de razão: o lavrador está a vender a batata a cerca de $70 a certos intermediários, que a põem no mercado a 1$70. Nas mãos desses intermediários fica agora 1$, quando, ainda há meses, a sua margem para despesas de transporte, colocação do produto e lucro legítimo andava ao redor de $30