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9 DE JANEIRO DE 1948 117

Há uns anos, numa grande cidade industrial do País, grassava e alastrava aflitivamente a chaga nefasta do álcool e da embriaguez.
Bastou que alguém aparecesse na cidade e tivesse promovido uma série de conferencieis sobre os perigos do álcool e da embriaguez para que a embriaguez se reduzisse numa proporção verdadeiramente impressionante, e deu-se este caso curioso: é que uma grande parte dos operários passou a viver o dia de domingo, do descanso, não na taberna, mas na sua própria associação.
Na Suécia o trabalhador tem no domingo um salário duplo daquele que lhe é pago pelo dia normal de trabalho.
E porque se faz isso?
Porque se entende, e muito bem, que o dia de descanso exige alguma coisa mais do que aquilo que se gasta no dia normal.
O descanso, para ser eficaz e responder aos objectivos físicos, morais e familiares que o impõem, exige despesas. Mas esse descanso tem defesa na própria economia, porque se reflecte na produção, tanto na quantidade como na qualidade.
Não poderia a adopção de tal regime em Portugal concorrer para valorizar as instituições a que me venho referindo e ao mesmo tempo melhorar a condição do nosso povo?
Aliás, torno a repetir a opinião de um dos membros do Governo: que se criem lugares de diversão, de recreio, lugares onde o povo defenda e melhore a saúde do corpo e do espírito.
Quanto aos refeitórios e restaurantes, dir-me-ão que essa dificuldade é maior.
Não digo que não haja dificuldades, mas se fôssemos a fazer apenas aquilo que se consegue sem dificuldades, então estaríamos hoje como em 1926.
Em Portugal tem-se feito uma grande obra de recuperação nacional que merece não só o nosso aplauso, mas até o de estrangeiros; essa obra não se fez sem custo, não se fez sem dificuldades, nem sem o sacrifício do contribuinte e do próprio Governo, este porventura maior ainda, porque é muitas vezes mais difícil realizar uma iniciativa do que pagá-la.
Portanto, não é motivo para desanimarmos perante dificuldades.
Somos herdeiros dos homens de Quinhentos, valorosos, que deram mundos ao Mundo e que através de continentes desconhecidos levaram a nossa bandeira e a nossa civilização, dando a vida pela Pátria e pela Humanidade; somos herdeiros dessa geração feita de heróis e de santos. Portanto, se somos herdeiros dessa geração e se Deus nos criou para sermos mestres e não servos, não nos devemos intimidar perante tais dificuldades.
Não tem o Estado realizado obras de vulto mais avantajado, levado a cabo iniciativas de manifesta envergadura? Porque hesitar, portanto?
A Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho o leva já realizado, em larga medida, em medida verdadeiramente benemérita; também aqui as Casas do Povo podem intervir eficazmente e carece que o façam.
Mas há outros caminhos:
Apelo sempre para a experiência - um deles abrimos nós na Guarda.
Há na Guarda um centro de assistência social. Um dos maiores empenhos que essa comissão teve para o primeiro dia foi abrir um refeitório, um restaurante, para as classes trabalhadoras.
Há na cidade da Guarda não digo milhares, mas muitas centenas de operários que vivem longe das suas famílias. Vêm da região trabalhar na cidade, mas têm o seu lar muito longe, vivem sozinhos. Esses homens andavam pelas tabernas, comiam nas tabernas; ouvimos esses homens queixarem-se mais de uma vez, porque o
meio em que se alimentavam não lhes era agradável, nem pelo ambiente, nem pelo serviço, nem pelo preço. Criou-se, então, um restaurante económico, a que chamamos a Cozinha Económica.
Pois a Cozinha Económica está a funcionar há anos com uma frequência numerosa. O mais curioso é que muitos desses operários, ao domingo, vão para lá antes da hora das refeições e ficam muito tempo depois, por que ali têm a convivência que lhes convém.

O Sr. Presidente: - Previno V. Ex.ª de que esgotou o seu tempo no uso da palavra.

O Orador:- Eu vou acabar, Sr. Presidente. Mas não o farei sem afirmar que seria uma injustiça e uma ingratidão não reconhecer tudo quanto o Estado tem feito em favor das classes trabalhadoras, da família e da economia nacional.
O Estado tem feito uma política quanto às classes trabalhadoras integrando-as no uso de direitos e nas suas liberdades; tem tomado várias medidas de defesa da família e tem fortalecido a própria economia.
Precisamente o que está em jogo é a defesa da classe trabalhadora, a defesa da família e a da economia.
Esta certeza dá-me a confiança de que o Governo, avisado de tudo quanto se faz no comércio de vinhos e dos abusos nele praticados, não deixará de tomar as providências que o caso requer.
Lembro apenas que Gladstone afirmou um dia que o álcool é pior do que os três grandes flagelos da humanidade: a fome, a peste e a guerra.
Pior do que a peste, dizima; pior do que a guerra, mata, e pior do que a fome, desonra.

O Sr. Quelhas Lima:- Mas isso é o alcoolismo!

O Orador: - O álcool, quer seja ingerido directamente, quer através do vinho, alcoolismo e vinismo, à la longue, produz os mesmos efeitos. Tantos desgraçados que morrem nos- hospitais e fora deles com cirroses no fígado clinicamente diagnosticadas de alcoólicas nunca beberam álcool senão no vinho.
O álcool é pior que a fome, desonra. A desonra é a única morte de que as nações morrem sem possibilidade de ressurreição. Di-lo a História; sabe-o o Governo. É quanto basta à esperança de que não ficarão baldadas as minhas palavras.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Homem de Melo:- Pedi a palavra para requerer a generalização do debate.

O Sr. Presidente:- Declaro generalizado o debate, que continuará na sessão de amanhã, ficando com a palavra reservada o Sr. Deputado Homem de Melo.
Na sessão de amanhã, no período de antes da ordem do dia, será submetida à apreciação da Assembleia, visto já ter o parecer da comissão respectiva, a situação parlamentar do Sr. Deputado Pastor de Macedo.
No período da ordem do dia, além da continuação do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Mendes de Matos, será também apreciado o pedido para aquisição de terrenos destinados à residência do cônsul de Sua Majestade Britânica em Lourenço Marques, como já foi anunciado.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.