30 DE JANEIRO DE 1948 225
que essas tabelas mereceram, por sobejas razões, a aprovação das estâncias superiores, apesar de se estar em plena campanha da baixa geral de preços.
Na verdade, contra o que supõem pessoas que conhecem insuficientemente a região do Douro, os preços das tabelas da Casa do Douro, se são compensadores para a produção dos vinhos das pequenas zonas mais produtivas, são insuficientes para remunerar os produtores de muitos mostos durienses que, em tempos normais, eram sempre destinados à preparação de vinhos do Porto, mas agora, por efeito das severas restrições de produção dese precioso vinho, impostas pelo competente organismo de coordenação económica, têm de ser destinados aos mercados de vinhos de pasto ou a ser queimados.
É frequente encontrar-se fora do Douro quem pense que os lavradores durienses vivem livres de grandes dificuldades financeiras. Ainda recentemente um jornalista que há anos percorreu aquela região, e pôde então certificar-se da confiança que os durienses depositavam na sua organização, ficou admirado por eu lhe não poder confirmar a impressão que ele tinha de que a lavoura do Douro não estava em crise.
Porém, a verdade é que a maior parte das poucas reservas financeiras de lavradores durienses já estão esgotadas, e outras estão reduzidíssimas. Para o comprovar basta dizer-se que a seguir à última colheita os pedidos de financiamentos foram feitos em ritmo muito mais apressado do que nos anos anteriores.
Quererá isto dizer que a organização regional não merecia a confiança e esperança que despertou nos lavradores durienses? Erraria gravemente quem tal supusesse.
Se não existisse a organização corporativa da viticultura duriense a situação do Douro não seria agora apenas de crise; seria de completa ruína. E o comércio exportador do vinho do Porto sem a sua organização corporativa também estaria arruinado.
O conhecimento perfeito da realidade não conduz, pois, à condenação ou menosprezo da organização corporativa, mas, pelo contrário, ao reconhecimento da sua grande utilidade. E por isso o Douro continua muito grato ao Governo que outorgou essa organização, o especialmente ao então Ministro do Comércio, Indústria e Agricultura, Sr. engenheiro Sebastião Ramires.
Mas se o Sr. Dr. Antunes Guimarães reconhece que a viticultura do Douro merece toda a protecção que lhe tem sido dispensada e que os preços constantes das tabelas da Casa do Douro nada tom de exagerados, em que foi que S. Ex.ª fundamentou o seu pedido de que não seja estabelecida uma maior percentagem de consumo forçado de vinho do Douro na cidade do Porto?
Na convicção de que qualquer aumento de consumo de vinho do Douro se fará à custa do uma redução correspondente de vendas do vinho verde e na conveniência de se proteger não apenas a região do Douro, mas também as outras regiões vinícolas.
Creio que os produtores de vinho verde estão a temer demasiadamente a concorrência do vinho do Douro. Os apreciadores do vinho verde não o trocam por nenhum outro, salvo como medida de grande economia.
Mas como o vinho do Douro é de produção mais dispendiosa que o do Minho, para os produtores do vinho verde deverá ser muito mais de temer a concorrência dos vinhos que normalmente são destinados à queima e que passem a ficar por destilar em consequência de se queimar grande volume do vinhos do Douro quando se não veja para estes outra forma de escoamento.
Promover que se beba mais vinho de pasto do Douro corresponderá a promover que se destile mais vinho de queima, de produção baratíssima, e portanto o mais perigoso agente de desvalorização dos bons vinhos quando estes tenham de entrar com ele em concorrência de preços. Corresponderá também a proporcionar uma redução do custo de produção do vinho do Porto e ainda a elevar a qualidade média do vinho de pasto vendido a copo, o que não deixa de ser um beneficio para os consumidores.
Quanto à conveniência de proteger os produtores de vinhos de pasto de outras regiões, não serei eu quem a ponha em dúvida.
Mas duas observações entendo dever fazer a tal respeito. A primeira é de que em muitas das outras regiões os viticultores podem dedicar-se a diferentes culturas remuneradoras além da da vinha, enquanto que no Douro a maior parte dos terrenos não são susceptíveis de produzir econòmicamente mais nada além do vinho.
A segunda observação é de que uma forma de proteger os vinhos das outras regiões é promover o mais possível a expansão do vinho do Porto, para a produção do qual é necessária a destilação de um volume consideràvelmente maior de outros vinhos.
Devo ainda dizer que o Estado tem dado nos últimos anos ao Douro leis protectoras e tem-lhe facilitado por vezes a obtenção de empréstimos na Caixa Geral de Depósitos; mas não subsidiou a organização, antes a tem leito pagar contribuições pesadas.
O próprio Instituto do Vinho do Porto, órgão do Estado, e cuja existência não é apenas de interesse regional, mas de verdadeiro interesse nacional, tem sido sustentado apenas pela produção e pelo comércio do vinho generoso do Douro. Por isso não tem podido dispor de capacidade financeira bastante para desenvolver em certos países a propaganda que seria para desejar.
Como muito bem disse o Sr. Dr. Antunes Guimarães, é preciso propagandear os vinhos portugueses no estrangeiro, até mesmo com dinheiro do Estado, pois que essa propaganda é de fundamental importância para a economia nacional.
Parece-me, porém, necessário notar que a propaganda do Estado se deve limitar à dos vinhos de alta qualidade. Para já, toda a importância com que o Estado pudesse concorrer para a propaganda de vinhos deveria ser posta à disposição do Instituto do Vinho do Porto.
A expansão do vinho do Porto será a melhor forma de proteger toda a viticultura nacional.
Sr. Presidente: foram estas as considerações que acerca de algumas passagens do notável discurso ontem aqui proferido pelo Sr. Dr. Antunes Guimarães julguei necessário fazer agora.
Creio que seria abusar da benevolência de V. Ex.ª referir-me a certos outros assuntos estreitamente relacionados com os que abordei e que poderão talvez vir a ser tratados em ocasião mais oportuna.
Por hoje tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Antunes Guimarães (para explicações): - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são para agradecer ao ilustre Deputado Sr. Dr. Bernardes Pereira as elogiosas referências que se dignou fazer à minha modestíssima pessoa.
Em segundo lugar, é-me grato confirmar o que ontem aqui afirmei, isto é, que todos reconhecem a necessidade imperiosa de se protegerem os vinhos da região duriense pelas circunstâncias a que eu ontem aludi e que S. Ex.ª hoje eloquentemente também pôs em evidência.
Eu devo dizer a V. Ex.ª que os vinhos de pasto do Douro e os vinhos verdes têm cada um a sua clientela. Portanto, os vinhos verdes nunca poderiam recear a concorrência dos vinhos de pasto, aliás magníficos, da região duriense.