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362 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 137

O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: com flagrante oportunidade, elevada inteligência e rigorosa adaptação às realidades (características que sempre se têm verificado nas intervenções parlamentares do nosso distinto e simpático colega Sr. Melo Machado), acabámos de ouvir o proficiente desenvolvimento de um capítulo da vastíssima tese da vida municipalista que, mediante aviso prévio, há tempos o ilustre Deputado se propusera trazer a esta Assembleia sobre o problema das dividas das câmaras municipais aos Hospitais Civis. E não só vastíssima mas aflitiva tese a da situação díspar das câmaras municipais, geralmente dirigidas por homens bons, empenhados em acertar o passo dos melhoramentos modestos, mas indispensáveis ao bem-estar, à saúde, instrução e progresso dos respectivos munícipes, com o ritmo célere e por vezes grandioso das realizações do Estado, notoriamente concentradas na capital.
Tese que não figura agora pela primeira vez na ordem do dia dos trabalhos da Assembleia Nacional.
Recordo, como já o fez o Sr. Deputado Melo Machado, o interesse e relevo com que foi debatido o aviso prévio do nosso saudoso e distinto colega Dr. João da Rocha Paris, minhoto muito ilustre e presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, que, por insuficiência de réditos camarários, morreu sem o conforto de ver realizadas as obras que ele planeara, para que na sua querida terra natal se pudesse verificar o renascimento, que ele tanto acalentara, das actividades que ali floresceram em épocas distantes.
Mas, a propósito das leis de meios, da apreciação das Contas Gerais do Estado e sempre que surgia pretexto aproveitável, logo se ouviam nesta sala comentários sobre a insuficiência de recursos municipais para a multiplicidade e importância de obrigações, muitas delas inadiáveis, a cumprir, e não raro se registavam sugestões de valor para valer a uma situação que não devia nem pode manter-se, para que aos concelhos não falte o indispensável e aos respectivos corpos administrativos se garanta prestígio que dignifique suas altas funções.
Sr. Presidente: é não sòmente muito honroso, mas francamente agradável, verificar que os orçamentos do Estado são sistematicamente previstos com equilíbrio de receitas e despesas, mas também com larga margem para superavit, que invariàvelmente têm avultado nos fechos de contas; da mesma forma, ninguém de boa fé contestaria as vantagens das realizações do Estado de carácter incontestavelmente utilitário e de benéfica repercussão na economia nacional, na instrução, educação, assistência e noutros domínios da vida nacional; e estou certo de que todos os que tiverem ocasião de ler, como me tem sido possível fazê-lo nestes últimos dias, o magnífico parecer sobre as Contas Gerais do Estado, elaborado pela nossa ilustre Comissão, da qual, mais uma vez, foi relator o nosso muito distinto colega Sr. engenheiro Araújo Correia, não deixarão de sentir o conforto de ir conhecendo os pormenores de uma administração inteligente, sã e proveitosa dos fundos recolhidos no Tesouro, mercê dessa mesma louvável administração e do trabalho perseverante dos portugueses.
Tudo isto é certo e reconfortante, mas importa que, simultaneamente com a euforia do Estado assim brilhantemente afirmada, se verifique a vitalidade dos corpos administrativos, isto é, da administração local, que deveria ser tanto quanto possível descentralizada, bem como da multiplicidade de economias privadas que por esse País fora constituem a fonte de produção, que é o principal sustentáculo não só do Estado mas de todo o edifício nacional.

Sr. Presidente: não é em vão que se conquista uma formatura em Medicina, estudando organismos sãos e doentes para defesa da saúde, mas da saúde integral, da que se revela, não só pela força de órgãos centrais, dos órgãos do comando, mas no equilibrado e regular funcionamento de todos os órgãos, sem esquecer as células mais escondidas e afastadas, onde é indispensável que o sangue chegue para evitar a anemia, que pode terminar por gangrena.
Foi por isso que, quando passei pelo Governo (triénio de Julho de 1929 a 1932), me propus conjugar os grandes melhoramentos de competência estadual com os modestos mas indispensáveis à vitalização rural, onde acontecia os caminhos serem ainda as calçadas que os romanos nos deixaram e as fontes reduzirem-se a poços de mergulho, que desde séculos vinham dizimando gerações.
E, ao assinar a concessão da grande central hidroeléctrica do Castelo de Bode, no rio Zêzere, e quando abriu o concurso para a primeira grande central do Douro nacional (a do Zêzere foi depois anulada, para serem retomados os estudos sòmente uma dúzia de anos depois, e o concurso do rio Douro, que trouxe propostas julgo que de quinze casas da especialidade de todo o Mundo, não teve depois andamento), não pus de parte os aproveitamentos de menor vulto e de interesse local, que eu não admitia fosse prejudicado, ou exclusivamente subordinado às condições de distribuição e de preço das grandes centrais.
Idêntico critério orientou a política económica noutros sectores, defendendo moinhos e azenhas, permitindo a laboração de pequenas unidades fabris susceptíveis de melhoria técnica e económica, não encerrando portas de desnatação e fabrico caseiro de lacticínios, isto é, preparando o clima propicio à valorização rural, para o combate indispensável e urgente ao urbanismo.
Sr. Presidente: recordo-me de que, ao discutir-se aqui a proposta de lei sobre organização hospitalar, também eu tomei parte no longo debate, em que vários oradores focaram variadas facetas do momentoso problema, tendo eu salientado a insuficiência bem manifesta da assistência clínica e farmacêutica na maioria dos concelhos rurais. O que importa é descentralizar a assistência hospitalar. Não deve concentrar-se em Lisboa, Porto e Coimbra quase toda a assistência hospitalar.
Não faltam pela província magníficas instituições daquela natureza que, uma vez dotadas dos recursos necessários, prestariam bons serviços e evitariam a constante transferência de doentes para os referidos centros hospitalares, onde, além de outros inconvenientes, eles perdem toda a ligação com as respectivas famílias.
Naquela proposta de lei em que o Pais, se a memória não me atraiçoa, era dividido, para efeitos de assistência hospitalar, em zonas, regiões e sub-regiões, a lacuna mais saliente e grave que em tão importante capítulo assistencial me preocupava, e para a qual eu não encontrava naquele notável diploma garantia sólida de rápida e satisfatória solução, era a referente às zonas rurais, onde os doentes, à falta de médicos, continuavam a ser vitimas de charlatães e se registava, a mais deplorável carência de medicamentos; e, quando surgem desastres e outros casos urgentes em que a intervenção carece de ser imediata, nem há postos de socorros, nem ambulâncias ou qualquer veículo para transportar sinistrados ou pessoas em perigo de vida a qualquer, hospital.
Lembro-me de ter então, sugerido se estudasse uma fórmula para se coordenar a intervenção, das companhias de seguros do ramo acidentes de trabalho com os diferentes graus da organização assistencial do Estado, evitando-se assim duplicações, para conveniente aproveitamento de recursos e melhor e mais pronta eficiência da assistência médica.