360 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 137
VV. Ex.ªs podem verificar este aumento de movimento no mapa que vem no relatório e que diz o seguinte:
Em 1943 o movimento dos doentes foi de 0:742; em 1944, 5:834; em 1940 há uma baixa inexplicável e o movimento cifra-se em 5:001, mas já em 1946 sobe para 6:276.
Outra razão por que os encargos das câmaras municipais aumentam é porque durante a guerra as diárias dos hospitais subiram nada menos de 62 por cento, enquanto que as receitas das câmaras não atingiram nem de longe uma percentagem parecida.
Para obviar à falta de pagamento das câmaras aos Hospitais Civis, determinou o Governo, há anos, que da percentagem sobre as contribuições gerais do Estado, que o Estado cobra nas suas tesourarias de finanças para as câmaras municipais, se descontassem 20 por cento.
Essa percentagem ia permitindo até há pouco amortizar, embora lentamente, a dívida das câmaras.
Mas com o aumento do número de doentes e com o aumento do custo das diárias essa percentagem hoje mal cobre a divida anual, de forma que não se amortiza o que está para trás, e assim esta quantiosa dívida de 20:000 contos é praticamente incobrável.
Vejamos, todavia, por um excesso de escrúpulo de consciência, se os presidentes das câmaras poderão de alguma maneira diminuir o número de doentes que acorrem aos Hospitais Civis de Lisboa.
VV. Ex.ªs conhecem certamente a mecânica mediante a qual um doente pobre pode ir para os hospitais de Lisboa.
Vai ao seu médico, quando a iniciativa não é do próprio médico, que lhe passa um atestado dizendo que precisa de ser internado no hospital.
Vai à junta de freguesia e pede um atestado de pobre, e com esse atestado vai ter com o presidente da câmara.
Eu pergunto a VV. Ex.ªs se haverá algum presidente de câmara que, nestas circunstâncias, tenha a coragem de tomar a responsabilidade de recusar a guia que lhe é pedida.
Por mim, afirmo a VV. Ex.ªs que nunca seria capaz de o fazer.
Resta, porém, saber se, tomando tal atitude, conseguiria resolver a dificuldade.
O facto de dificultar a admissão de doentes aos Hospitais Civis dá ocasião a um contra-ataque, que é o mandar os doentes para os hospitais por motivo de urgência.
Esta táctica já era seguida desde muito tempo. Quando o médico queria ser agradável ao seu cliente e poupá-lo às exigências dos atestados, enviava-o directamente ao hospital, que, por sua vez, acabava por reclamar da câmara a respectiva guia.
Mas desde que a presidência das câmaras prestou uma particular atenção ao assunto, indagando das necessidades do doente ou procurando saber se no hospital local o doente se pode tratar, o número de doentes que entra para os hospitais por motivo de urgência sobe além de tudo, o que é compreensível.
Na minha Câmara, no ano de 1945, foram passadas 192 guias e entraram sem guias 107 doentes, cerca de 55 por cento. No ano de 1946 passaram-se 237 guias e entraram sem guias, por motivo de urgência, 135 doentes, cerca de 60 por cento.
Não é, francamente, admissível que haja uma proporção destas de doentes com necessidade de hospitalização urgente.
Neste país de papelada imaginei, Sr. Presidente, que o remédio estaria em não passar as guias. Quando o hospital reclamava essas guias resolvia não as mandar. E suponho que o remédio não foi de todo desacertado, porque em 1947 já o número de guias passadas foi de 250 e os doentes que entraram sem guia foram 72, ou seja 28,8 por cento.
Mas não terminam aqui as vicissitudes nesta complicada questão.
O enfermeiro-mor que antecedeu a pessoa que neste momento exerce este espinhoso cargo resolveu dificultar a entrada nos Hospitais Civis e os serviços de radiografia, sob o pretexto de que a minha Câmara devia 228.825$40.
Devo dizer a VV. Ex.ªs que reagi energicamente e que este expediente, graças a Deus, durou pouco tempo.
Não sei, porém, qual seria a atitude deste enfermeiro-mor para com aquelas câmaras cujas dívidas são seis, sete, oito e nove vezes o que a minha Câmara deve.
Simplesmente, uma desgraça nunca vem só. Ultimamente, fundando-se no decreto n.º 35:108, começaram a aparecer nas câmaras intimações do tribunal arbitrai, justamente criado por este decreto, intimando a câmara a contestar, querendo, e a apresentar um árbitro para julgar as dívidas referentes aos doentes entrados sem guia, por motivo de urgência, e cujas despesas os Hospitais Civis de Lisboa não tinham conseguido receber dos próprios doentes.
Tenho para mim, Sr. Presidente, que o meio para demandar uma câmara é o processo administrativo e que o tribunal arbitrai não era um meio conveniente.
Mas não posso resistir à tentação de contar a VV. Ex.ªs o que sucedeu: sucedeu que chegado o dia aprazado para o julgamento apresentou-se o árbitro da câmara, para ouvir e dizer ao juiz presidente que a câmara já estava condenada, tendo sido, consequentemente, inútil a presença do árbitro, depois de ter sido intimada.
Vai isto, Sr. Presidente, sem comentários. Arbitrai e arbítrio são palavras com a mesma raiz, e talvez daí a confusão e a razão explicativa.
Mas poder-se-á dizer que as câmaras não tratam com cuidado os problemas de assistência ou, pelo menos, não lhes dedicam as verbas compatíveis com as suas receitas. Sinceramente, afirmo a VV. Ex.ªs que todas as câmaras fazem o que podem; fazem mesmo muito mais do que podem.
A minha câmara gasta em assistência, incluindo os Hospitais Civis, hospital do concelho, casas de saúde, medicamentos a doentes pobres, Instituto Branco Rodrigues, Direcção Geral da Assistência, pelo internamento de menores, Fundo de assistência pública e tuberculosos, a importância de 220.999$40, ou seja 15,1 por cento das suas receitas.
Verifica-se, pelo parecer das contas, que o Estado gastou 168:856.000$, o que corresponde a 4,3 por cento das suas receitas ordinárias.
Se trago este número a VV. Ex.ªs não é com outro fim senão o de demonstrar que as câmaras municipais estão já no extremo limite das suas possibilidades. Não é para censurar o número ou a verba que o Estado gasta - pois já é bastante grande - é só para mostrar que as câmaras se excedem nas suas possibilidades.
Resumindo, Sr. Presidente: não parece legítimo exigir às câmaras municipais dividas em que cerca de dois terços provêm do deficiente funcionamento dos Hospitais Civis. Por qualquer modo, elas nunca poderiam pagar 20:000 contos, sobretudo se se considerar que o número de doentes aumenta cada ano, crescendo igualmente o preço das diárias, embora não cresçam na mesma proporção as receitas municipais.
Diz o relatório a p. 12 que em 1946 entraram - e eu chamo a particular atenção de VV. Ex.ªs para esta afirmação - 50:958 doentes, sendo tratados de graça 41:361! Dos restantes e pagantes (9:597), só 6:276 são da responsabilidade das câmaras municipais da província, pois é só a estas que se refere aquele número e se repartem principalmente pelos distritos de Lisboa, Setúbal e