364 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 137
lucros expropriando prédios por tuta e meia, para depois os negociarem com fartos lucros.
Agora regista-se em algumas câmaras a aplicação de percentagens, por vezes muito elevadas, com que, sob o pretexto de cobrança de «mais valia», oneram os terrenos, contrariando as iniciativas privadas que visam dotar o Pais com as indispensáveis moradias.
E ver-se-á, quando apreciarmos a proposta de lei sobre a habitação, o rumo que se pretende dar a esta questão da «mais valia», atribuindo aos terrenos expropriados apenas o valor matricial - que nada tem com o valor real, porque é função do rendimento e assim pode ser baixíssimo - e considerando «mais valia» tudo o que for acima daquele valor, para depois se apossarem de 4/5, destinados à constituição de um fundo que permitirá ao Estado e às câmaras municipais serem accionistas de empresas privadas de construção de prédios!
E assim assistiríamos à reedição do que se vem passando com as empresas hidroeléctricas e outras indústrias em que o Estado assume funções de capitalista.
Não continuarei as minhas considerações sobre este grave problema, porque na próxima apreciação da proposta de lei sobre o problema da habitação com certeza estes aspectos não deixarão de ser discutidos como merecem, e é indispensável, para se chegar a uma fórmula que, não deixando de ser orientada por conveniente equidade, colabore para estimular a política de construção de moradias por iniciativa privada e determinar a abundância de que nascerá a concorrência precisa para se chegar a preços justos e condições de habitabilidade dignas da nossa época.
Importa aproveitar as lições do passado, que nos mostram não se terem registado crises de habitação da gravidade actual, e sem que para isso tivesse sido preciso recorrer a expropriações ruidosas, a cobranças de mais valia, ou à interferência dos organismos do Estado ou dos corpos administrativos no que respeita à construção de moradias privadas.
Que esses organismos tomem a seu cargo os serviços que interessam a toda a população - água e esgotos, iluminação, transportes colectivos, produção e transporte de energia, telefones e outros de manifesto carácter público -, admite-se, mas devem limitar-se a esse campo de acção, que já é vastíssimo e, para ser convenientemente administrado, exige tempo, dinheiro e atenção, que não devem ser distraídos para outras actividades a cargo dos particulares, os quais não conviria substituir nem total nem mesmo parcialmente, merco da atribuição de quotas, acções ou títulos equivalentes aos referidos organismos públicos.
Sr. Presidente: repito: penso que ninguém contestará a conveniência de se garantirem aos corpos administrativos recursos na proporção dos respectivos encargos.
Esses recursos, em parte, não deixarão de ir subindo à medida que se verifique uma prudente actualização das rendas e se intensifique a construção de moradias.
Alvitres variados e mais ou menos justificados para a elevação dos réditos municipais se registam a cada passo.
Além da intensificação da política de construção e da actualização das rendas, sobre que incidirá a percentagem destinada aos municípios na cobrança da contribuição predial, tenho ouvido aludir a actualizações de taxas e outras receitas, a uma percentagem sobre o imposto complementar (ainda recentemente foi publicado um decreto no qual, em parte, se atende este ponto de vista, mas não me ocorrem agora os termos do respectivo texto).
Também sugerem que uma parte das avultadas receitas corporativas sigam para os cofres municipais, cujas obrigações se avolumam dia a dia, sem a indispensável contrapartida na cobrança de receitas.
Sr. Presidente: neste problema momentoso surgem dois casos: um da maior urgência e justiça, que é o de o Governo liquidar as dívidas das câmaras aos Hospitais Civis, algumas avultadíssimas, como, segundo ouvi dizer há momentos, a de Almada, que sobe a perto de 3:000 contos, e o outro reside na manifesta necessidade de se dotarem os corpos administrativos com receitas proporcionadas às crescentes exigências da administração local, para que se assegure o bem-estar da população e se valorize o seu concurso precioso para a prosperidade nacional.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Luís Teotónio Pereira: - Sr. Presidente: este caso, trazido à Assembleia Nacional pelo nosso distinto colega Sr. Melo Machado, sobre as dívidas das câmaras municipais aos Hospitais Civis merece ser considerado e remediado. Conheço o assunto devido à minha passagem pela Câmara de Almada e, por isso, vou referir-me à situação em que se encontra esta Câmara. Os números que vou apresentar elucidarão VV. Ex.ªs
A Câmara de Almada devia aos Hospitais Civis de Lisboa em 1940 2:384 contos, e agora, passados sete anos, deve 2:992 contos, isto é, quase 3:000 contos.
E é preciso notar que durante estes sete anos pagou aos Hospitais Civis 538 contos, ou seja 20 por cento sobre os adicionais das contribuições e impostos gerais do Estado.
É claro que este assunto não podia deixar de me preocupar enquanto ocupei a presidência da Câmara, mas a breve trecho reconheci que esta era uma daquelas dívidas que nunca mais se poderiam liquidar.
No tempo do malogrado Presidente Sidónio Pais as dívidas aos Hospitais Civis foram anuladas pelo. decreto n.º 4:563, de 9 de Julho de 1918.
Poderia talvez agora fazer-se a mesma coisa, mas a verdade é que isso nada resolveria, porque as dividas voltariam a acumular-se, ein vista de a importância proveniente da percentagem sobre os adicionais não chegar para fazer face aos encargos, como se está verificando.
Mas, Sr. Presidente, tem isto um aspecto ainda mais grave.
Há cerca de seis meses inaugurou-se em Almada um hospital esplendidamente apetrechado e com todos os serviços devidamente montados. Pois esse hospital, por falta de recursos, corre o risco de fechar as suas portas.
A Câmara, com as suas disponibilidades comprometidas pelo facto do pagamento aos Hospitais Civis, nenhum concurso pode prestar, e, assim, o hospital de Almada não tem outros recursos que não sejam um subsídio anual do Estado, que me dizem ser de 60.000$, e um ou outro cortejo de oferendas, que num concelho pobre, como o de Almada, pouco produz.
O hospital de Almada constituía uma das grandes aspirações da população do concelho, porque, estando esta vila separada de Lisboa pelo Tejo e não havendo comunicações entre as duas margens a partir de certa hora, acontecia muitas vezes ficarem os doentes em estado grave privados da necessária assistência.
Foi este o principal motivo que levou à construção do hospital, e de lamentar será que ele se não possa manter por falta de meios.
Além da anulação da dívida aos Hospitais Civis, dívida já de si incobrável, parece-me de elementar justiça libertar a Câmara do encargo que representa o pagamento da percentagem sobre os adicionais às contribuições, ou, talvez melhor ainda, determinar que a verba dai proveniente reverta a favor do hospital de Almada.