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430 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 142

de vacas leiteiras a compensação suficiente para terem aumentado o número delas em vez de as terem mandado para o matadouro.
Sr. Presidente: suponho que tanto V. Ex.ª como os meus amáveis colegas que me escutam e o próprio Governo não verão nas minhas palavras um tom acrimonioso de censura.
Estou muito longe disso, mesmo porque não faria sentido que por um lado se impugne um certo aumento de receitas e por outro se peça aumento de despesas.
Não é bem disso que se trata quando impugno um certo aumento de receitas. Impugno apenas a forma como foi feito.
Receio de facto, se a crise se agravar, que as receitas não possam continuar a ser aquelas que tem sido.
Sr. Presidente: há um dinheiro que se pode gastar neste País com confiança e com a certeza de que renderá 100 por cento: será aquele que se gastar para tornar a agricultura deste País mais proficiente e, consequentemente, mais rendosa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Múrias: - Sr. Presidente: é evidente que a discussão das contas públicas nesta Assembleia será proveitosa na medida em que nos não sintamos obrigados a seguir os pontos de vista do relator, mas antes a procurar, aqui ou acolá, preencher o que se afigure, noutro plano, lacuna, num caso ou noutro, do parecer.
É evidente que o ilustre relator do parecer não procurou comentar, nem poderia comentar, em pormenor, todas as formas de aplicação e distribuição dos dinheiros públicos; creio mesmo que não seria possível fazer-se a sua completa discriminação num só volume, ainda que alentado, como o que foi presente à Câmara. A ser muito mais minucioso mis suas observações, cada sector da Administração teria de constituir, por si só, um volume, e mais ainda se pretendesse fazer-se uma síntese da política geral, depois de se haver feito, em relação a cada caso e dentro das normas legais, a análise esmiuçada da aplicação honesta dos dinheiros públicos.
Não há dúvida de que foi intenção do nosso ilustre colega que relatou o parecer, com tamanha experiência na arte de elaborar relatórios como o que nos foi presente agora, tomar como base para as seus comentários, de sentido, mi medida do possível, objectivo, o aspecto essencialmente económico e financeiro, como diz, da Administração.
Claro que nem poderia deixar de ser assim; mas é bem certo que a salpicar todo o relatório se encontram observações e sugestões a um certo número de problemas que, não deixando de ser da competência, da Comissão das Contas, se afastam dos problemas de ordem financeira, propriamente, e de ordem económica que anunciara.
Todavia, a preocupação dominante do relator das contas públicas de 1946 sem dúvida é em todos os momentos a de reclamar a aplicação dos dinheiros públicos quase apenas em obras imediatamente produtivas, desde que verificou que a balança comercial nas rubricas do nosso comércio externo se desequilibrou contra nós, como era natural e parecia inevitável depois dos anos de guerra, pois tornava-se indispensável proceder ao reapetrechamento industrial do País, refazer as reservas de matérias-primas, restaurar a marinha mercante, ao mesmo tempo, como toda a gente por esse País fora e mesmo nesta Câmara o reclamava.
E poeto o problema assim, e dadas as dificuldades de abastecimento alimentar, levantou-se a certa altura um caso de ordem política que foi absolutamente necessário encarar de frente, e que o foi na verdade.
Também podia acontecer, evidentemente, como de facto aconteceu, que fosse indispensável deter até onde pudesse ser indispensável deter, ou, pelo menos, regular mais estritamente, as importações; e, logo que se deu conta de que era não só preciso mas também possível fazê-lo, todos nós sabemos que não se hesitou. Ainda assim, não se deve esquecer que a falta de carne, de manteiga e de tantos outros géneros essenciais ao abastecimento do País constituiu a certa altura a maior inquietação de quem governava e a maior preocupação de quem necessitava de se abastecer, sem condições para recorrer a sucedâneos, mais caros e anormais dentro dos costumes portugueses.

O Sr. Melo Machado: - O nosso objectivo deve ser produzir.

O Orador: - Claro. Foi esse o objectivo da lavoura e da indústria, durante toda a guerra e depois; mas não há dúvida de que ninguém atribui propriamente aos lavradores a culpa de não chover, a culpa das secas prolongadas e, por consequência, a de faltar carne; mas houve quem, nessa altura, deixasse a impressão de as atribuir a quem governava e governa este País, cotai uma experiência e um êxito que nos confundem.
Não parece justo, por outro lado, atribuir agora completamente aos Governos a responsabilidade de se ter, acaso, importado a mais de alguns produtos e se possa pensar que talvez não fosse possível importar muito menos para se conseguirem os objectivos em vista, quer dizer: deter o aumento dos preços e concorrer neste sentido com o mercado negro, obrigando os que se fechavam com os produtos a lançá-los nos mercados.
De resto, faltam-nos ainda perspectivas para se poder chegar a conclusões definitivas e assentar em- que foi esse, realmente, um erro do Governo. Veremos o que se irá passar a seguir, e já se pode, em todo o caso, ir pensando que não teria sido porventura tamanha a carência, como chegou a ser, se não fora a sonegação dos produtos guardados, à mira de maiores preços.
Como quer que seja, é esta de certa maneira a posição da Comissão das Contas Públicas e do seu ilustre relator, a quem não falta experiência na observação dos factos e na distribuição dos dinheiros públicos: preferir a todas as obras aquelas que se mostrem logo produtivas.
Gostei de ver, aliás, que, de certa forma, agora, ao relatar o parecer das contas de 1946, como nos anos anteriores, o ilustre Deputado Sr. engenheiro Araújo Correia se colocou largamente na velha e honrada tradição dos procuradores a Cortes, que eram, em primeiro lugar e sempre, grandes e desassombrados resmungões.
Todas as vezes que falavam, todas as vezes que se lhes pedia mais dinheiro ou lhes justificavam a aplicação dos seus dinheiros, pagavam, claro está, mas bufavam; e não deixaram nunca, por outras palavras embora, de estabelecer a sua preferência também pelas obras produtivas.
Nesta Câmara, onde se goza de uma grande liberdade, nesta Câmara, constituída por Deputados que são homens livres, inteiramente livres no exercício dos seus votos, salvo os imperativos da sua consciência, que os obriga ao serviço da Nação, parece-me bem que os relatórios das contas tenham o feitio altamente resmungão dos velhas tempos portugueses.

O Sr. Melo Machado: - Eu suponho mesmo que esta Assembleia é dos parlamentos mais livres de todo o Mundo.