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432 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 142

menos, resguardarem do tempo e dos parasitados documentos que ainda sobrevivem.
Pensando bem, é de reclamar, e para quanto antes, uma política imperial de arquivos, bibliotecas e museus.
Em algumas das nossas colónias quase já nem há papéis antigos. Em Angola creio que não haverá meia dúzia de documentos anteriores a 1640, porque na ocasião em que os holandeses conquistaram Luanda e o governador tentou fugir com os arquivos o barco em que esses papéis seguiam perdeu-se no Cuanza. Deste modo, até esse período, a história de Angola tem de se fazer quase exclusivamente com documentos existentes nos arquivos da metrópole, com documentos existentes no Brasil, alguns dos quais foram já publicados e muitos dos quais foram comprados ou levados daqui para lá, ou faziam parte dos arquivos da administração do Brasil, tão ligada como se sabe com a de Angola.
Na Guiné Portuguesa poucos documentos haverá com mais de 60 a 70 anos, nem em Cabo Verde.
Os documentos de Moçambique foram salvos por António Enes, e de alguns desses documentos existem hoje naquela nossa colónia as respectivas fotocópias.
Mas na Índia temos um dos arquivos mais ricos, de todos o que mais necessidade tem de ser devidamente arrumado, os seus papéis classificados, catalogados e colocados a recato, porque constituem a chave da muitos mistérios da história ultramarina de Portugal para além do Gabo da Boa Esperança e, de maneira especialíssima, para além de Malaca; não creio mesmo que se possa vir a saber muito acerca da actividade doa portugueses para além do estreito de Malaca se não acautelarmos devidamente os papéis do arquivo de Goa, dos arquivos das comunidades e dos da Misericórdia, que foi, aliás, talvez o que melhor se tentou estudar.
E Portugal um dos raros países em que ainda se tira glória de descobrir documentos. Se os serviços de arquivo estivessem organizados, isso raras vezes seria possível: os estudiosos encontrá-los-iam nos catálogos impressos. E pode esquecer-se que nos nossos arquivos se encontra em grande parte a história de tantas regiões integradas em nações estrangeiras, mas que descobrimos e ocupámos antes delas tantas vezes? Nalgumas regiões, como na África do Sul, nos arquivos portugueses é que os seus estudiosos encontram a sua pré-história.
Isso mesmo sucede com toda a costa de África, desde o cabo Não até ao estreito de Suez. É o que se sabe de mais minucioso da história da Abissínia - que é, enfim, uma nação que faz parte da O. N. U. - nos séculos XVI e XVII foi recolhido pelos nossos missionários e soldados, faz parte de relatórios e documentos guardados nos nossos arquivos, como neles está, ou devia estar, o principal das relações do Japão e da China com o Ocidente: A única janela aberta da China para o Mundo através das suas muralhas foi Macau - e também isso se esquece quando se esquecem os arquivos de Portugal.
E, enfim, se não se esquecesse muitas vezes que realmente o Brasil tem a maior parte da sua história antes da independência nos nossos arquivos e que, grande nação de hoje, há-de ser inevitavelmente muito maior no futuro, poderíamos pensar que valia a pena, no plano da cultura, olhar pelos nossos arquivos e procurar dar-lhes a orgânica mais propícia ao exercício de uma grande função nacional e imperial, que lhes incumbe.
Mas cogitando noutros aspectos, por exemplo, no de que o desarranjo dos nossos arquivos fez com que se não pudessem verificar muitas coisas úteis (e ia mesmo a dizer produtivas) e que o homem público que conheceria melhor a África Meridional no meado do século passado, Sá da Bandeira, a conhecia muito menos do que se sabia nos serviços do Conselho Ultramarino pelos fins do século XVIII (pois, entretanto houve as invasões francesas e a guerra civil), quando penso nisso, pode à vontade perguntar-se se de facto os nossos serviços diplomáticos não poderiam ter procedido de maneira efectivamente mais produtiva se dispusessem de toda a documentação de que poderiam ter disposto quando foi necessário discutir os direitos de Portugal no continente negro no momento em que a Europa descobriu a África e foi, tirando a Inglaterra e a Holanda, mais ou menos em meados do século passado.
Não há dúvida de que todas as vezes que se foi para a arbitragem, quer se tratasse de uma região ou cidade tão naturalmente cobiçável e cobiçada por nós e por outros, como por exemplo, Lourenço Marques ou a ilha de Boi ama, e pudemos apresentar documentação perfeitamente demonstradora de que Portugal exercia ali funções colonizadoras desde o século XV para Bolama e século XVI para Lourenço Marques, o árbitro, quer fosse o Presidente da República Francesa, quer fosse o Presidente dos Estados Unidos da América, não hesitou em decidir a nosso favor. Quer dizer, reconheceu o nosso direito ali, graças, precisamente, aos documentos velhos, mas úteis, que nos arquivos se guardavam e se foram então procurar laboriosamente para o efeito.
Graças precisamente a eles, Sr. Presidente, Lourenço Marques e Bolama continuaram então na coroa de Portugal.

O Sr. Rui de Andrade: - V. Ex.ª dá-me licença? - No Arquivo de Lisboa existe o pedido de Levingstou para atravessar a Rodésia, pedido dirigido ao duque de Loulé.

O Orador: - Em matéria desta gosto de falar apenas do que vejo com os meus olhos.

O Sr. Rui de Andrade: - Pois seria interessante ver.

O Orador: - Peço à Câmara que me desculpe de a ter arrastado no espaço e no tempo para tão longe das altas preocupações que tenho visto manifestar aqui nesta tribuna a pretexto das contas públicas. Na realidade, penso que a vida não corre toda entre as paredes de um laboratório ou das fábricas e julgo que a política deve servir integralmente a vida nacional. Por isso me atrevia a solicitar a atenção do Governo para a situação dos nossos arquivos, em que trabalham altas figuras intelectuais, que talvez não possam, nas condições em que trabalham, dar a medida das suas possibilidades, porque lhes faltam essas condições e porque são poucos.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Araújo Correia: - Sr. Presidente: o longo exame da vida económica e financeira nacional que informa o parecer das contas dispensar-me-ia porventura de subir hoje a esta tribuna. Era esse o meu intento, mas a circunstância de à última hora ter de dar umas explicações sobre os discursos pronunciados no debate trouxeram-me a este lugar.
Não esquecerei que falo num momento grave da vida do Mundo. Paz é ainda hoje palavra vã, e pouco há de mais perturbador na actividade de um povo do que viver sobre uma ilusão.
Estamos acostumados, por vinte anos de tranquilidade interna, a repousar na doçura de que uma força superior vela sobre nós - e, na verdade, o Destino tem-nos cumulado de bênçãos, poupando-nos a agruras que outros povos sofreram nas últimas décadas.
Mus aproxima-se a hora em que o País terá de cogitar profundamente sobre as vivas realidades que o Mundo