3 DE ABRIL DE 1943 431
O Orador: - E eu quê é o primeiro parlamento livre que se constituiu em Portugal.
O Sr. Cancela de Abreu: - Pelo menos desde que eu o conheço.
O Orador: - Até mesmo desde que existe parlamento em Portugal. Por isso me custa classificá-lo como parlamento ...
E prosseguirei. É verdade que o Sr. Araújo Correia entende ser preferível fazer-se a aplicação dos dinheiros públicos no campo económico e industrial de produção imediata; e nenhum de nós deixará de concordar com o seu parecer.
Em todo o caso, para quem pretenda esclarecer e decidir, a dificuldade parece estar na destrinça entre o que é ou não efectivamente produtivo.
Lembro-me, se me dão licença, do discurso da Fazenda Real a El-Rei, de 1542. E verdadeiramente o tipo do discurso rezingão.
Também dizia que se deviam ter aplicado os dinheiros desta ou daquela forma, e, não afirmando, embora, que se tivessem aplicado mal, (resmungava por se aplicarem em obras faustosas, como nas do Convento de Cristo, em Tomar, e Mosteiro dos Jerónimos, em Belém.
Agora passaram os tempos; e nós, muito embora se tenham perdido as contas, sabemos que tais obras, faustosas que tenham sido, constituem, constituem para nós, gente deste tempo de agora, o tesouro maior da capacidade portuguesa de criar diferente e para além daquilo que os outros fizeram.
E o que nos resta desses monumentos - do Convento de Cristo, em Tomar, e do Mosteiro dos Jerónimos, em Belém - não é aquilo, afinal, de que nos podemos orgulhar, como das mais belas coisas que fizemos e fomos capazes de conservar para regalo nosso e espanto de estranhos?
Ao reler agora as notas deste discurso, redigido, segundo se julga, por um homem de excepcional poder no seu tempo - o conde da Castanheira -, que alguns consideraram uma espécie de marquês de Pombal de D. João III, e ao verificar-se como tantas vezes discordou das grandes empresas de D. João III, pode pensar-se se o marques de Pombal não teria sido antes uma espécie de conde da Castanheira de D. José.
Há coisas mais impressionantes neste capítulo do discurso da Fazenda Real, em 1542: a No Brasil tem Vossa Alteza gasto muito dinheiro - dizia-se - e começou a gastar em 1530, mas foi mistério grande fazer-«e a primeira despesa a fim de coisa que o não merecia e seguir-se dessa, despesa serem expulsos da terra os franceses que já nesse tempo se começavam a prantar e lançar raízes».
E aqui me ponho de novo a meditar na dificuldade que há sempre em destrinçar o que é produtivo- do que não é produtivo, pois muitas vezes, de facto, se não sabe logo bem. O Brasil não parecia produtivo e merecedor de outras despesas que se seguissem. Contudo, coimo as coisas se modificaram! De tal maneira que se perderam da memória dos homens as contas de despesas que a Coroa de Portugal tinha feito com o Brasil e apenas se fixaram, ampliadas, as do dinheiro que a Coroa de Portugal e os portugueses receberam do Brasil. Penso agora como seria útil para todos o relatório das receitas e das despesas de onde ressaltasse o que se gastou e o que se cobrou, porque, além do gasto e da glória de se ter construído, dê se ter ensaiado e realizado a maior experiência colonizadora dos tempos modernos -construção de um império, imenso império nos trópicos-, ficar-nos-ia a certeza de que nunca houve na realidade dinheiro mais bem gasto, sacrifícios mais dignos da obra, em coisa que, por 1542, parecia ainda
dinheiro empregado em coisa, que o não merecia, como diziam homens de tamanho talento e tanta experiência de relatórios como o conde da Castanheira.
O Sr. Melo Machado: - Isso só prova que o juízo dos homens é falível.
O Orador: - E que é difícil fazer a crítica das grandes, acções contemporâneas dos críticos.
Sabemos hoje, acaso, se amanhã não seremos obrigados a reconhecer em consciência que se procedeu bem no que desejaríamos ver feito de outra forma?
Tenho tão poucas ocasiões de subir a esta tribuna que ficaria de mal comigo mesmo se não dissesse agora como me sinto bem por não haver exprimido na ocasião o que tantas vezes no meu íntimo me sentia tentado a dizer ... E é a medo que agora mesmo me decidi no bordar destes comentários, que desejaria fossem a explicação do que pretendo realmente dizer ainda e não reclama dinheiro para obras produtivas, segundo, ao menos, pode parecer-nos agora.
Sr. Presidente: desejaria pedir que, logo que fosse possível, se olhasse com um pouco de mais atenção para os arquivos e bibliotecas portugueses.
Sr. Presidente: em primeiro lugar, as nossas bibliotecas e os nossos arquivos estão muito mal instalados. A Biblioteca Nacional de Lisboa está instalada, com todos os riscos, e, todavia, se hoje se quisesse reconstituir uma biblioteca como a Nacional de Lisboa, não seria talvez possível fazê-lo, fossem quais fossem as importâncias que se pusessem à disposição da pessoa ou da entidade encarregada de a reconstituir.
Muito menos rica do que a nossa era a biblioteca de Lima, constituída no seu fundo mais antigo por livros levados para a América pelos colonizadores espanhóis. Todavia, tendo desaparecido a biblioteca, para a reconstituir foi necessário mandar fotografar muitos livros nalgumas das maiores bibliotecas do Mundo, pois eram indispensáveis para a história da cidade e da própria América do Sul. Já não era possível tornar a adquirir esses livros, base mais preciosa e fundamento da biblioteca.
Seria ainda mais difícil se quiséssemos hoje fazer uma biblioteca igual à Biblioteca Nacional de Lisboa; nem seria possível, pois não conseguiríamos; muitos dos livros que ali se guardam são exemplares que há muito não andam por fora das mais ricas bibliotecas europeias ou americanas.
Suponho que com a importância gasta em alguns quilómetros de estradas boas, como nós nos habituámos a aceitar e a gostar que se façam no nosso País, seria possível construir um edifício próprio para guardar todas as preciosidades bibliográficas que se encontram em risco na Biblioteca Nacional.
O mesmo se poderia dizer da maior parte dos arquivos portugueses. E não digo de todos, porque já estão excelentemente instalados a Biblioteca e Arquivo de Braga, bem como o de Évora.
O próprio Arquivo Nacional da Torre do Tombo, por exemplo, precisava de edifício próprio, pois não tem as condições de instalação necessárias para que possa na realidade cumprir integralmente a sua missão.
E o que sucede com o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, o mais rico, sucede, em piores condições, com os outros, pois, ao menos, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo tem condições de defesa contra certos riscos que não possuem a maior parte dos arquivos portugueses, e nem sequer posso fazer excepção dos arquivos ultramarinos. E não posso fazer excepção porque são igualmente necessitados de acomodações e não será nunca cedo demais que se procure dar-lhes condições de ao