6 DE DEZEMBRO DE 1950 109
A Colónia tem presentemente 480 reclusos e com eles granjeia 685 hectares de terreno, do qual colhe, em média, 500 pipas de vinho, 10:000 litros de azeite e 70 a 90 moios de trigo. Faz o seu próprio abastecimento em produtos de horta, sustenta gado leiteiro que basta para o seu consumo, mantém gado de pastagem e engorda suínos para consumo próprio e venda. Isto quanto à parte agrícola.
Quanto à parte industrial, explora barreiras e fabrica telha e tijolo; explora pedreiras e afeiçoa cantarias para as suas obras e estranhas; fabrica cal, que utiliza e vende, e tem uma serração, com a qual serve também particulares. Tem lagar de azeite, tem alambique e ... não sei de nojo como o conte! ... uma debulhadora.
E como se tudo isto não bastasse para condenar a sua limpa existência tem também oficinas complementares da sua exploração agrícola e industrial, tais como carpintaria e serralharia. Com a indicação de mais estas explorações industriais completo a lista das que o Sr. Deputado Melo Machado indicou.
Nestas tentaculares e parasitárias oficinas vêm os modestos proprietários consertar às suas charruas e carros de lavoura. Talvez o não devessem fazer porque ... põem em risco as oficinas livres! ... Que os pequenos lá vão não é maravilha, mas que os grandes se aproveitem ideias é de admirar. Pois, saibam-no todos, eu não sou de arcas encouradas e se acrescentar aos escândalos revelados pelo Sr. Deputado Melo Machado outro que a todos ultrapassa não me culpem de menos discreto. Aí vai: um dos grandes mandou construir na serralharia da Colónia, para uso próprio - efectivamente não a traz ao ganho -, uma grade de discos. Esta grade custava no mercado 24 contos e veiu a ficar-lhe por 12. Se não acreditam, que o Sr. Gorjão Henriques me não deixe mentir! ... Disto, porém, não parece ter-se queixado alguém.
O Sr. Melo Machado: - Mas o que é que V. Ex.ª quer demonstrar com isso? Eu estou justamente condenando o funcionamento da colónia penal, porque trabalha em concorrência, e V. Ex.ª vem dizer-me que ela trabalha por metade do preço. Assim toda a gente vai lá.
Veja V. Ex.ª, portanto, que eu tinha razão.
O Orador: - Saibamos, afinal, quem se queixou da concorrência desleal da Colónia: foram os modestos proprietários que dela recebem por módico preço tantos e tão variados serviços?
Ah! Estes não o fariam, porque vai nisso o seu próprio interesse. Se não foram os modestos proprietários, então devem ter sido os grandes, e estes, sim, têm motivos para o fazer. Os outros fugiram à tosquia I...
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª, naturalmente, queria que os grandes não pudessem mandar fazer os seus instrumentos agrícolas pagando 12 contos em vez de 24.
O Orador: - Não deviam fomentar a concorrência servindo-se, para seu interesse, das oficinas da cadeia, mas para isso serve-lhes, e V. Ex.ª acha bem.
Agora que os pequenos vão debulhar o seu cereal, pagando para isso à Colónia uma quantia mais modesta, já V. Ex.ª acha motivo de censura.
O Sr. Melo Machado: - Tenho telegramas de câmaras municipais, e não de pessoas.
O Orador: - Afinal, e feitas as contas, tudo isto arrancou da malfadada debulhadora. Até que ela surgiu no. horizonte económico da região tudo corria em perfeita harmonia. Apareceu, porém, a debulhadora e logo apareceram os pequenos proprietários a quererem debulhar nela o seu grão. A direcção da Colónia ouviu o Ministério da Justiça, e o Ministro, informado da qualidade das pessoas que à Colónia pediam aquele serviço e informado ainda de que na região não havia Casa do Povo ou grémio da lavoura, deu instruções para que na prestação destes pequenos trabalhos a Colónia se substituísse àquelas instituições na protecção dos económicamente débeis.
Pelos vistos fez mal, porque a Colónia, de harmonia com as instruções recebidas, começou a servir os pequenos proprietários, maquiando medicamente. Ora aconteceu por isto que a debulhadora de um dos grandes viu reduzido o seu trabalho à maquia, e daí que ... Tróia esteja em riscos de arder pela segunda vez.
O curioso do caso é que são sempre as malfadadas debulhadoras a perturbarem a harmonia das esferas. O caso não é novo, como vamos ver.
Aqui há uns bons vinte anos, o actual director dos serviços prisionais, então chefiando os serviços de menores, lembrou-se de dotar a Colónia Correccional de Vila Fernando com uma debulhadora. Antes tinha aumentado o gado de lavoura, tinha alargado consideràvelmente a área cultivada, tinha construído silos e tinha aumentado para mais do dobro os menores ali internados, nada disto suscitou louvores ou reparos dos vizinhos. Veio, porém, a debulhadora, e aí se armou o escândalo. Os grandes vizinhos vieram até ao Ministério e apresentaram ao então Ministro da Justiça as suas indignadas reclamações e protestos. Para que tudo reentrasse na calma antiga propunham-se, num largo e compreensivo gesto de generosidade, comprar a Colónia a sua debulhadora ... para depois lha alugarem à maquia. Era a paz por um pataco!
Se a crítica do ilustre Deputado Sr. Melo Machado fosse procedente, era seu dever ir mais além do que foi reclamar o encerramento de todas as oficinas dos estantes estabelecimentos prisionais, e não só deste. Os trabalhos oficinais em creches e asilos, na Casa Pia e suas dependências, nas escolas técnicas e nos reformatórios deviam ser suspensos também. Quanto aos reclusos, recuemos para as Ordenações Afonsinas: metamo-los nas celas e ponhamo-los a contemplarem basicamente o umbigo. Podem perder-se homens, mas salvam-se interesses e princípios mal compreendidos e - o que sobretudo mais importa - algumas debulhadoras.
Vou terminar. Não me vence o cansaço, mas vence-me o desgosto de ter subido a esta tribuna por tão mesquinho assunto. Para que tudo fique bem claro, não sairei daqui sem render as minhas homenagens calorosas à integridade de carácter e rectidão de propósitos do ilustre Deputado Sr. Melo Machado. Enganaram-no torpemente.
Para castigar tão mesquinhos informadores arrancarei ao génio literário de Fernão Lopes estas suaves e elegantíssimas palavras, que aliás não merecem, mas definem o seu caso: «Como andavam prenhes de mau falar, pariram duas falsas razões».
Se, depois disto, ainda obrigarem o meu ilustre colega a assistir às secundinas, haja-se moderadamente com eles. Eu, por mim, depois desta cataplasma algo emoliente, peço licença para me retirar de dedo no nariz.
O Sr. Melo Machado: - Simplesmente, V. Ex.ª nada demonstrou em contrário do que eu disse. Aliás, tenho muito prazer em ter concorrido para que V. Ex.ª tivesse feito a sua estreia nesta Assembleia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.