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104 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 58

que, por seu turno, foi amnistiada, no pleno sentido etimológico da palavra.
Resumindo e vincando, procurarei demonstrar que o envelhecimento de uma terminologia e a desactualização do seu significado vinham perturbar a problemática do orçamento português e da necessidade de substituir as designações do orçamento ordinário e extraordinário pelas de administração, investimento e emergência.
Salientei que a crise da estrutura orçamental portuguesa evolucionou à margem dos princípios constitucionais, permitindo as parafinanças viverem descontabilizadas, largos anos descontroladas, no sentido puramente técnico da palavra, e notoriamente desorçamentadas.
Nem por mim aflorou a ideia de pôr em dúvida a honestidade dos dirigentes das parafinanças, mas sinto, como português, com toda a autoridade que me empresta a minha própria posição política de independência, pena de que esse sector deixasse a ideia ao Pais que nunca por lá se demorou muito Salazar.
Quero exceptuar os dedicados que fazem o prestígio das instituições que servem e que são mais numerosos do que se pode pensar, sobretudo nos organismos de coordenação económica; quero acentuar que, à parte essas excepções, a tecnocracia em Portugal está muito traduzida, como diria o Eça de Queirós... em calão, e... não venha a ideia a esta Assembleia de que eu quis utilizar esse vocábulo no seu duplo valor terminológico. As parafinanças, com o seu orçamento de receitas que ombreia com o do Estado, não têm uma eficiência correspondente às suas despesas. Creio que todos o reconhecem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Abrantes Tavares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: sinto-me embaraçado ao cumprir, mais do que um mero acto protocolar, uma obrigação que, pelos talentos e virtudes de V. Ex.ª, pelo acerto e maleabilidade com que há tantos anos dirige os trabalhos desta Câmara, todos sentimos e não enjeitamos.
Não sei como o faça. De V. Ex.ª já tudo está dito, e repetir monotonamente o que V. Ex.ª já escutou milhares de vezes nem acrescenta nada aos seus reconhecidos méritos, nem se faz sem algum constrangimento. V. Ex.ª vai, certamente, permitir-me que lhe reafirme apenas, mas calorosamente, o testemunho da minha muita consideração, estima e respeito.
Para VV. Ex.ª, Srs. Deputados, vão também as minhas cordeais saudações e cumprimentos.
Não se estranhará, por certo, que, envolvendo-os a todos na mesma consideração e estima, peça licença para dirigir ao maior de todos nós uma palavra de evocadora saudade e da mais alta consideração. Será como se, recuando bons vinte anos, a aula universitária se prolongasse sob as arcarias da Via Latina, à luz suave e quente do meio-dia coimbrão. Esta Coimbra doutora é uma chaga viva que nos penetra a alma e nela fica doendo por toda a vida. Nas horas do quebranto, emergindo dos longes da distância, Coimbra ressurge, acenando-nos para um regresso impossível. Há tantos anos já que tudo isto lá vai, Dr. Mário Figueiredo!
Já o tempo e a vida acrescentaram mágoas e feriram!
Há tanto tempo! ...
Todavia, sobrepondo-se a tudo, quando os que andaram por Coimbra se topam sente-se a presença real e viva da sua «escola» ligando-os indissoluvelmente. E vêm então as recordações, renovando emoções antigas.
Ao subir a esta tribuna senti o arrepio de quem se apresenta a cactos. E, para mais, eu sabia que teria sobre mim os olhos amigos, mas inquisitoriais, do velho mestre. Espero, contudo, post tot tantosguz labores, a costumada benevolência da tradição escolar.
Quando às vezes oiço os apartes vivos e sacudidos do Dr. Mário de Figueiredo surpreendo-me, mas breve me refaço da surpresa.
Já nas aulas era a mesma coisa.
Discorrendo com elevação e brilho, mas sem afectação, o Dr. Mário de Figueiredo desdobrava diante do curso o jogo dos seus raciocínios, afastando argumentos, propondo novos caminhos, que depois abandonava, para, afinal, chegar à solução. Desta maneira dava às suas lições um sentido directo e comunicativo, como se fosse um de nós no quarto da «república» preparando a lição para o dia seguinte. Assistindo ao desdobrar dos raciocínios do mestre aprendíamos a abrir caminho para as soluções. Este modo de ensinar fazia o encanto dos cursos e prendia a atenção dos alunos.
Às vezes acontecia que o mestre argumentava com vivacidade, como se estivesse travando azeda polémica com um suposto adversário. Temperamento de lutador, servido por uma dialéctica vigorosa e pronta, o Dr. Mário de Figueiredo estimulava-se, dando mais vida à sua palavra fácil, para elevar à máxima tensão as suas enormes faculdades de argumentador.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aqui é o mesmo. Quando intervém sacudida e vivamente, não o faz para ferir ou magoar, mas para se estimular e dar às suas faculdades o máximo de vigor. E lutando ou criando para si próprio um ambiente de luta imaginada que o Dr. Mário de Figueiredo dá a medida do seu brilhantíssimo talento.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Muitos, ao vê-lo fremente de entusiasmo e reparando naquele sólido corpo de beirão, tê-lo-ão julgado um mata-mouros. Nada mais errado. O Dr. Mário de Figueiredo é de uma delicadeza que constrange e, no fundo, um emotivo. Sei o que isso é. Aquela serra áspera e escura, aquela terra arrepanhada, brava e madrasta, deixam em todos os que nela nasceram e cresceram uma emotividade fácil, ao mesmo tempo que, pela luta diária a que os submetem, desenvolvem o gosto de vencer, a tenacidade que não cansa e certo pendor para a concentração interior.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Vindo também da montanha e da sua brava gente, os anos de convívio de mestre e discípulo e depois de amigo cedo- me levaram a discernir o que muitos não terão entendido ainda.
Trocou a cátedra pela política. Fez bem? Fez mal? Não sei responder, mas sei que na política é ainda o professor dando lições de aprumo, austeridade e desinteresse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Talvez por isso a política nem sempre lhe tenha dado as satisfações morais que esperava. Satisfações morais, disse, porque, honra lhe seja, as satisfações materiais nem as procurou nem as quis nunca.

Vozes: - Muito bem, muito bem!