O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

108 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 58

O Orador: - Há, pois, razões morais, legais e sociais para assinalar uma finalidade útil ao trabalho prisional. Se houver conflito de concorrência com o trabalho livre, é este quem deve ceder, porque para além e acima dos interesses materiais está a salvação, mesmo no sentido social, dos homens em risco de perder-se e cujos malefícios mais pesarão sobre a sociedade.
Formado no quadro de certos princípios tradicionais, ainda me atrevo -mesmo correndo o risco de estar em desacordo com o século- a considerar o homem e os seus uns a realidade suprema, à qual tudo o mais, desde os governos aos bens materiais, deve ordenar-se. Salvar um homem vale infinitamente mais do que qualquer mesquinha querela de debulhadoras, lagares e alambiques. Suportando aqueles leves sacrifícios, a sociedade em geral sairá ganhando, pela reintegração na sua vida de elementos úteis. Isto, claro está, penso eu, deformado certamente por aqueles princípios a que aludi. Concedo, porém, a liberdade de se preferir a debulhadora ou ... o alambique.

O Sr. Melo Machado: - É que V. Ex.ª só pensa em salvar os reclusos; mas, salvando os presos, ainda acaba por meter na cadeia as pessoas sãs.

O Orador: - Eu já respondo a V. Ex.ª, se me deixar concluir.
Prometi demonstrar não haver entre as palavras do Ministro citadas pelo ilustre Deputado Sr. Melo Machado, o texto legal que eu citei e a organização do trabalho prisional no sentido útil qualquer contradição na atitude do Estado.
Se houve a generosa paciência de acompanhar esta fastidiosa exposição, ter-se-á notado que, indirectamente, já respondi a tão inane objecção. Vejamos, porém: já acentuei que a finalidade útil do trabalho prisional é meramente acidental e secundária e não deve ser anulada, pelos motivos já expostos. Em relatórios e pareceres sempre o Ministério da Justiça, louvavelmente, tem insistido no aspecto secundário do rendimento económico do trabalho, ao menos na parte que ao Estado viria a caber.
Ora a empresa particular organiza-se com o fim do lucro, e é isto que juridicamente lhe dá carácter comercial. O Estado, organizando e montando o trabalho prisional, só muito secundariamente se interessa pelos lucros prováveis, mas sim e acima de tudo pela regeneração dos delinquentes. É este o seu fim último.
Desde que assim é, o Estado, enquanto organiza o trabalho prisional e lhe aproveita o rendimento, não é um empresário, porque não aponta exclusivamente ao lucro. Este só lhe serve para melhor atingir e realizar o fim principal de regeneração. Aqui está, com a possível clareza, como a contradição notada pelo Sr. Deputado Melo Machado é apenas uma enganosa aparência.
Será, porém, que o rendimento do trabalho prisional se utiliza como meio de realizar a moralização e recuperação social dos reclusos? Vejamos também essa questão:
Os salários pagos em 1949 à mão-de-obra prisional atingiram 5:000 contos. Lamento não poder dar a cifra exacta de quanto receberam as famílias dos presos e os ofendidos. Pode ajuizar-se, porém, do auxílio à família dizendo que u Cadeia Penitenciária de Lisboa remete trimestralmente para aquele fim entre 70 e 80 contos.

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª pode esclarecer a quantos jornais de reclusos só referem os 5:000 contos de salários ?

O Orador: - Posso dar a cifra exacta dos presos. Dos que auferem salário não sei dizer a cifra, porque nem todos os presos trabalham.
De qualquer modo, continuo a preferir salvar os criminosos. V. Ex.ª, querendo, podo preferir-lhes as debulhadoras.
Com o alargamento e reequipamento de oficinas e a organização e divisão do trabalho, de data recente, o resultado económico do aproveitamento da mão-de-obra prisional, que em 1944 se cifrava em 2:000 contos, alcança actualmente 10:000 contos.
A que se destinou verba tão significativa?
À ampliação de possibilidades para o emprego da mão-de-obra prisional, como referi, e a substituir verbas orçamentais na execução de construções prisionais e outras daquelas dependentes. Desta forma e por este meio estão em construção: o Hospital Prisional de Caxias ; o novo edifício da Colónia Penal António Macieira; os novos bairros de guardas em Alcoentre, Leiria e Caxias. E só mais uma nota sobre este assunto: todo o reapetrechamento e ampliação oficinais se tem levado a efeito sem o concurso financeiro do Estado.
O ilustre Deputado Sr. Melo Machado aludiu também à carga tributária que recai sobre a indústria particular. Se bem entendi o remoque, o Sr. Deputado Melo Machado quis dizer na sua que a exploração da mão-de-obra prisional não paga contribuição. Se considerarmos literalmente aquele ónus fiscal, é claro que o Estado não cobra contribuição, mas, saiba-se, o Ministério da Justiça retém 10g por cento do rendimento bruto das oficinas e explorações.

O Sr. Melo Machado: - Enquanto os estabelecimentos prisionais fornecerem trabalho para os estabelecimentos do Ministério da Justiça ou outras prisões não tenho muito que observar.
Mas outro tanto não digo quando faz concorrência aos particulares, quando tem uma tabela como qualquer estabelecimento industrial e faz circular uma debulhadora.

O Orador: - Mas V. Ex.ª já vai ver porque é que a debulhadora trabalha.

O Sr. Melo Machado: - Naturalmente trabalha para arranjar dinheiro.

O Orador: - Estou às ordens de V. Ex.ª para discutir este problema sob o aspecto que quiser.

O Sr. Melo Machado: - Isso é com o Sr. Presidente.

O Orador: - Creio que o assunto está suficientemente ilustrado.
Quero dizer: por outro modo, a mão-de-obra prisional paga também u sua contribuição e esta até tem a singularidade de não incidir sobre os lucros prováveis, mas sobre o rendimento bruto, o que a eleva a cerca de 11 por cento. Não se pode dizer que esteja suavemente tributaria! ...
Ilustrado suficientemente o assunto, podemos agora virar-nos para o caso concreto da Colónia Penitenciária de Alcoentre, apesar de já estar mais ou menos enquadrado em tudo o que referi.
A Colónia de Alcoentre está instalada num meio caracteristicamente rural, de propriedade, salvo poucas excepções, bastante fraccionada. Com 2:063 artigos matriciais, a maior contribuição é paga pelo grande proprietário Sr. Gorjão Henriques, ao qual cabem 10 por cento do total. O total das contribuições, urbana e rústica, anda à roda de 114 contos. Se a este total se abater a quantia paga pelos proprietários de maior vulto, verificar-se-á que, por artigo matricial, se paga a média de 36$94. Parece certo estarmos em presença duma região de pequena propriedade. Assente isto, vejamos agora alguma coisa mais.