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6 DE DEZEMBRO DE 1950 105

O Orador: - Aceite, pois, o velho e querido mestre as homenagens do desaproveitado discípulo que a sua amizade sempre distinguiu e honrou.
Sr. Presidente: na sessão de 29 de Novembro o ilustre Deputado (Sr. Melo Machado, ao apreciar a Lei de Meios para 1951, fez os seus reparos ao facto de a Colónia Penitenciária de Alcoentre explorar as indústrias que, com as suas próprias palavras, passo a enumerar: cerâmica -produzindo telha e tijolo-, fornos de cal, lagar de azeite, alambique para o fabrico de aguardente de bagaço e ainda uma máquina debulhadora.
Ao considerar a lista incompleta das actividades industriais daquela Colónia Penitenciária -e já veremos que está incompleta - é-se levado a crer que o Sr. Deputado Melo Machado, pondo em último lugar a propriedade e exploração de uma debulhadora - in cauda venenum - quis dar a esta maior relevo, destacando-a do cervo das outras actividades, igualmente maléficas e condenáveis. E. na verdade, creio ser esta máquina a causa (próxima das queixas de que o ilustre Deputado se fez eco.

O Sr. Melo Machado: - Aí está V. Ex.ª enganado.

O Orador: - Eu não afirmei; apenas disse crer.
A referência incidental e breve que o ilustre Deputado reservou, no seu longo e bem cerzido discurso, ao caso da Colónia Penitenciária evidencia, por um lado, que S. Ex.ª a fez para se desonerar da obrigação política de trazer a esta Assembleia as queixas, anseios ou necessidades dos povos e, por outro, que 8. Ex.ª, pelo facto de ter subido a esta tribuna imediatamente após a apresentação da Lei de Meios, não teve tempo de considerar a importância excepcional do assunto que veio referir e ultrapassa o mero caso local.
O assunto pode pôr em discussão não só as concepções actuais da ciência penal, no que toca ao fundamento do direito de punir, mas todo o nosso sistema . penal e a organização prisional que deve realizá-lo.
Rendo as minhas homenagens à recta intenção com que o ilustre Deputado levantou esta questão, mas lamento que não tivesse podido considerá-la na sua projecção nos domínios da ciência eriminológica e do sistema prisional em vigor.

O Sr. Melo Machado: - Isso já não é comigo.

O Orador: - Tá tentarei mostrar à Câmara como o caso em discussão ultrapassa os acanhados limites duma competência de debulhadoras e alcança todo o sistema penal e toda a, generosa e vasta obra prisional levada a cabo ou em vias de conclusão e que não é dos menores títulos de glória que o Estado Novo pode inscrever no seu activo.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Ao ilustre Deputado Sr. Melo Machado chocou-o que, por um lado, o Ministro cessante da Economia tenha afirmado não ter o Estado de ser industrial e nem sequer para, a pretexto de desbravar caminho, assumir o encargo das realizações experimentais», e, por outro, o Estado explore industrialmente a mão-de-obra prisional.
Se é com tais declarações que o Sr. Deputado Melo Machado pretende justificar a sua censura, eu posso fornecer-lhe base mais sólida, por vinculante.
E o artigo 6.º do Estatuto do Trabalho Nacional, no qual se dispõe:
O Estado deve renunciar a explorações de carácter comercial e industrial, mesmo quando se destinem a ser utilizadas, no todo ou em parte, pelos serviços públicos, quer concorram no campo económico com as actividades particulares, quer constituam exclusivos, só podendo estabelecer ou gerir essas explorações em casos excepcionais, para conseguir benefícios sociais superiores aos que seriam obtidos sem a sua acção.
Se a crítica do ilustre Deputado fosse procedente - e não é-, aqui tinha um texto legal que, para além dos Ministros individualmente considerados, é superior à própria vontade do Governo, porque nem este pode infringir a, ordem jurídica estabelecida.
Este texto, que o Sr. Deputado Melo Machado não invocou para fulminar com justa cólera as contradições que o seu zeloso cuidado julgou descobrir, dou eu o escândalo de o invocar, mas para me abalançar a demonstrar com ele a inanidade da acusação, como a seu tempo se verá.
É-me forçoso, para exacta compreensão do problema, recorrer ao enunciado, simples e sumário, de alguns princípios de direito penal e penitenciário. Não é sem apreensões que o faço, porque pode parecer a exibição pedante de noções tão generalizadas que não há interesse em chamá-las ao debate, e depois há sempre o cheiro raposinho «o sebenta», denunciando o «caloiro». Para fugir a estes temerosos perigos espero não transformar as minhas ligeiras considerações em aula de Direito Penal, com sabatina e, como diria o grande Camilo, com grande soma de meio grosso, grávida de sapientíssimos espirros. E acautelada a Câmara deste modo, que Minerva me seja propícia e me poupe às iras mortais da sua bola vingadora.
Começo, pois, mas previno desde já que nada do que disser é novo ou original.
É o crime um facto social ainda mal explicado nas múltiplas causas da sua génese, não obstante o esforço despendido na sua averiguação. Sabemos que existe e que sempre foi punido.
Para que se pune?
Esta interrogação, fundamental para a edificação de qualquer sistema penal, recebeu das várias épocas históricas respostas diferentes, consoante as concepções dominantes no meio social. Não importa para aqui referi-las, ainda que brevemente. Ao nosso propósito bastará a resposta actual da ciência penal, a qual, reduzida ao essencial, vem a ser isto: pune-se para que se não cometam mais crimes. Este conceito de punição evidencia desde já um fim ético na aplicação da pena: evitar a repetição dos crimes.
Como se procura, porém, atingir aquele fim?
Por um lado a punição em si mesma é um aviso aos que nas fronteiras da legalidade estejam tentados a delinquir - prevenção geral; por outro, e quanto ao delinquente punido, a dor da pena certifica-o de que devia abster-se de novos crimes, porque o esperam novas penas - prevenção individual.
Como se vê, não se pune, ou, melhor, não se pune principalmente para compensar com a dor imposta a dor emergente do crime. Se é certo que o geral sentimento de justiça reclama com veemência o castigo, acentuo, o castigo do criminoso, a pena, que é também isso, pois há que satisfazer àquele sentimento de justiça, é predominante e essencialmente mais do que isso, porque o seu fim último é prevenir a prática de novos crimes.
Se a prevenção individual decorrente da simples aplicação da pena tivesse suficiente poder intimidativo, nada mais haveria a fazer do que manter o criminoso no local e pelo tempo designado para o cumprimento da pena. Com esta simples segregação do criminoso a pena atingia o seu fim. Infelizmente não é assim.
Conquanto se não tenha chegado ainda a uma perfeita individualização da pena, isto é, à aplicação de