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24 DE FEVEREIRO DE 1951 389

104.º, 105.º, 106.º e 134.º, propõe a supressão dos artigos 133.º, 138.º, 139.º, 142.º e 143.º e modifica diversas epígrafes.

2. O exame que acaba de ser feito impressiona profundamente a Câmara pela frequência com que se tem alterado o texto da lei fundamental da Nação.
É verdade que o facto tem, até certo ponto, justificação.
A Revolução Nacional de 1926 fez-se contra um sistema parlamentar que provara a sua completa inadequação às necessidades e aspirações do País.
Ao instaurar-se a Ditadura Militar sabia-se precisamente o que se não queria e tinha-se também a noção nítida do que imediatamente importava fazer no domínio das realizações práticas. Mas não era tão segura a decisão quanto ao regime que havia de instaurar-se para no futuro evitar o regresso às circunstâncias catastróficas de que o Exército salvara a Nação.
A primeira definição oficial das ideias basilares em que deveria assentar a nova Constituição consta do Manifesto ao País publicado pelo Governo em 28 de Maio de 1927, no primeiro aniversário, portanto, da Revolução Nacional.
Esses princípios são: «Fortalecimento do princípio da autoridade (consequentemente, Chefe do Estado com mais latas atribuições e Governo da sua livre escolha e perante ele responsável); garantia de competência na gerência do Estado (consequentemente, conselhos técnicos do Governo, representação nestes conselhos por meio de delegados das associações e institutos intelectuais e de produção); garantia das liberdades regionais, corporativas, familiares e espirituais; representação nacional por delegação municipal e corporativa, com atribuições deliberativas; descentralização administrativa e autonomia municipal, sob a fiscalização do Poder Central; autonomia da função jurisdicional; liberdade religiosa; descentralização administrativa e autonomia financeira das colónias, de harmonia com o seu desenvolvimento, e neutralização política da respectiva pastas» 1.
É fácil de ver a quase identidade de pensamento deste manifesto com o do discurso que em 30 de Julho de 1930 o Sr. Dr. Oliveira Salazar proferiu na Sala do Conselho de Estado sobre Os princípios fundamentais da revolução política 2, na ocasião em que foi anunciada a constituição da União Nacional.
Nesse discurso, que representa o passo decisivo no caminho da elaboração de uma Constituição do Estado Novo Português, o então Ministro das Finanças considera as constituições, não como fórmulas definitivas e imutáveis de cristalização de um direito público natural, mas simples «modalidades de vida pública... pelas quais possam coexistir em paz e tranquilidade todos os elementos políticos e sociais e sejam chamadas a uma actuação pacífica as diversas manifestações de vida colectiva que o nosso tempo fez surgir, sem que por isso se atinja a força do Estado, o seu poder de coordenação e de mando, a capacidade administrativa necessária ao progresso das nações» 3.
E para encontrar a mais conveniente dessas modalidades que haverá a fazer? «Tomar resolutamente nus mãos as tradições aproveitáveis do passado, as realidades do presente, os frutos da experiência própria e alheia, a antevisão do futuro, as justas aspirações dos povos, a ânsia de autoridade e disciplina que agita as gerações do nosso tempo e construir a nova ordem de coisas que, sem excluir aquelas verdades substanciais a todos os sistemas políticos, melhor se ajuste ao nosso temperamento e às nossas necessidades» 1.
Foi efectivamente assim que veio a ser redigido o projecto de Constituição publicado na imprensa em 28 de Maio de 1932 para ser objecto de livre discussão: sobre a afirmação de alguns princípios que devem ser tidos por válidos em todos os tempos e lugares propunha-se a experiência de novas instituições, de modo a procurar a fórmula de governo mais conveniente às peculariedades do povo português e às circunstâncias do nosso tempo.
O próprio relatório do projecto o repete: a Constituição procuraria ser «profundamente cingida às realidades nacionais, esclarecida pelas lições dos factos e condicionada tanto às nossas deficiências como às nossas qualidades».

3. Comparando o projecto publicado em 28 de Maio de 1932 com aquele que, pelo Decreto com força de lei n.º 22:241, de 22 de Fevereiro de 1933, foi submetido a plebiscito nacional verifica-se que, apesar da quase inópia dos comentários e críticas vindos a lume no período de discussão pública, o texto primitivo sofreu bastantes alterações.
Mas, sem embargo da longa gestação desse texto e do cuidadoso trabalho de que foi objecto até ser sujei-to ao sufrágio dos eleitores, o escrúpulo dos seus autores foi ião ponto de confiar à primeira legislatura da nova Assembleia Nacional poderes constituintes para que ainda uma vez mais a lei fundamental do Estado pudesse ser discutida e ajustada às conveniências e necessidades da Nação.
Assim, as Leis n.º 1:885, 1:910, 1:945, 1:963 e 1:96", saídas todas dessa primeira legislatura, representam um só trabalho de elaboração ou, se se preferir, de reelaboração constitucional, e será talvez impróprio considerá-las como actos de revisão.
A revisão começa pròpriamente em 1945, para prosseguir agora, à luz de uma experiência que, embora não se possa dizer integral, é, todavia, suficiente para iluminar certas deficiências e para esclarecer sobre certas conveniências.
Não haverá, assim, que estranhar que o processo da redacção da nova Constituição se desenrole ao longo de quase vinte anos: Taine ensinou clarividentemente que as constituições políticas não se inventam, descobrem-se: La forme sociale et polilique dans laquelle un peuple peut entrer et rester n'est pas livrée à son arbitraire, mais dèterminée par son caractère et sont passé. Il faut que, jusque dans ses moindres traits, elle se moule sur les traits vivants auxquels on l'applique; sinon elle crèvera et tombera en morceaux 2.
Mas se a Câmnrai compreende e aprova que se vá procurando, sempre que a experiência aconselhe, ajustai-as normas constitucionais as exigências das realidades - já que, de mais a mais, a Constituição portuguesa pertence ao número daquelas que pouco ou nada deixaram às praxes e aos costumes e nos seus preceitos racionalizaram as práticas de governo -, não lhe merece a mesma boa aceitação certo abuso revisionista que, por mero prurido de perfeição, vai até ao ponto de alterar, retocar ou substituir a redacção ou a disposição de artigos.
A Constituição, como lei fundamental do Estado, deve tender à permanência até mesmo na sua feição geral, até mesmo no seu aspecto formal e no seu estilo.

1 Anais da Revolução Nacional, sob a direcção de João Ameal, vol. II, p. 98.
2 Salazar, Discursos, I, 1.ª edição, p. 69.
3 Idem, idem, p. 71.
1 Salazar, Discursos, I, 1.ª edição, p. 76.
2 Les Origines de la France Contemporaine, I, L'Ancien Régime, préface.