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390 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 74

Para que seja estável se fez rígida. E a periodicidade de revisão é um travão às modificações, e não um desafio ou incitamento às mudanças.
Como ainda há pouco esta Câmara afirmou, «em matéria constitucional as inovações são sempre delicadas. A lei fundamental do Estado deve ser estável para ser respeitada. Sobre ela assenta todo um sistema legislativo, todo um ideário nacional, toda uma doutrina política, todo um trabalho hermenêutico e jurisprudencial. Alterar frequentemente a redacção do seu texto sem motivos de profunda necessidade política é fazer vacilar desde as raízes o edifício jurídico da Nação». (Parecer n.º 10/V).
A estas razões, já de si valiosíssimas, outras ainda se podem acrescentar. Há um quarto de século que a Europa tateia em busca de uma solução eficaz para a crise política do Estado herdado do século XIX: de todas as tentativas feitas é a portuguesa hoje a mais antiga e a mais prestigiosa. Foi ela que serviu de modelo à Constituição austríaca de 1934 1, e não é difícil encontrar influências indisfarçáveis das nossas instituições até em textos de espírito muito diferente, como a Constituição francesa de 1946. Tudo são motivos para que não se toque sem o máximo respeito nos preceitos da Constituição portuguesa, já verdadeiramente pertença da Nação.

4. Assim, a Câmara Corporativa entende que uma proposta de revisão constitucional será tanto mais aceitável quanto mais restrita aos pontos verdadeiramente essenciais, cuja modificação a experiência mostre ser necessária ou conveniente ao bem comum. E, dentro desta ordem de ideias, emite sobre a generalidade do texto que lhe foi submetido o parecer de que devem ser postas de parte todas as alterações que tendam apenas a melhorar, apurar ou completar a redacção de preceitos que até aqui não hajam sido objecto de divergências de interpretação.
A Câmara emite igualmente o voto de que de ora avante os actos de revisão se tornem menos frequentes, de maneira a garantir à Constituição aquela estabilidade que o País deseja e que tudo aconselha a procurar.

II

Exame na especialidade

ARTIGOS 1.º E 2.º

5.º A primeira alteração proposta consiste na eliminação do § único do artigo 1.º, que, após a descrição do território de Portugal no Mundo, afirma:

A Nação não renuncia aos direitos que tenha ou possa vir a ter sobre qualquer outro território.

Esta afirmação, juntamente com o preceituado no actual artigo 2.º da Constituição e com a matéria dos artigos 7.º e 8.º do Acto Colonial, constituiria o objecto do novo artigo 2.º
Foi a Câmara Corporativa que, ao apreciar a nova redacção do artigo 7.º do Acto Colonial, observou que este preceito devia, pela sua afinidade com o do artigo 2.º da Constituição, passar a fazer parte deste, uma vez que o Acto Colonial ia ser integrado no texto constitucional principal.
Mas não considera feliz a forma por que se deu cumprimento ao seu voto.

6. Comecemos pelo § único do artigo 1.º
Trata-se de um preceito que na nossa tradição constitucional sempre tem figurado juntamente com o enunciado das diversas partes componentes do território português ou, ao menos, com menção deste.
Assim sucedeu no artigo 20.º da Constituição de 1822: após a enumeração das partes do território, diz-se que «a Nação não renuncia o direito que tenha a qualquer porção de território não compreendida no presente artigo».
Na Carta Constitucional o artigo 2.º é consagrado à descrição do território; o artigo 3.º diz ùnicamente que «a Nação não renuncia o direito que tenha a qualquer porção de território nestas três partes do Mundo, não compreendida no antecedente artigo».
É na Constituição de 1838 que se encontra o preceito mais semelhante na estrutura ao da actual: o artigo 2.º descreve o território e num § único acrescenta que «a Nação não renuncia a qualquer outra porção de território a que tenha direito».
Veio a Constituição de 1911 e no artigo 2.º declarou que «o território da Nação Portuguesa é o existente à data da proclamação da República». E em § único: «A Nação não renuncia aos direitos que tenha ou possa vir a ter sobre qualquer outro território».
Como se vê, esta afirmação tem sido feita com autonomia através de todos os nossos textos constitucionais. E depois de dezoito anos de vigência da Constituição de 1933, em que foi acatada a tradição, a Câmara Corporativa não encontra razão plausível -para desfigurar o artigo 1.º amputando-o do seu § único.

7. O problema reduz-se, pois, segundo entende esta Câmara, a reunir num só os artigos 2.º da Constituição e 7.º e 8.º do Acto Colonial.
Na proposta de lei assim se fez, mas, decerto por inadvertência, deixa-se condicionada a instalação de representação diplomática ou consular em prédio a adquirir por potência - estrangeira em qualquer parte do território português pela autorização do Ministro do Ultramar.
A Câmara propõe, portanto, uma nova redacção, que supõe a subsistência do § único do artigo 1.º, nos seguintes termos:

Art. 2.º O Estado não aliena por nenhum modo qualquer parte do território nacional ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce, sem prejuízo da rectificação de fronteiras, quando aprovada pela Assembleia Nacional.
§ 1.º Nenhuma, parcela do território nacional pode ser adquirida por Governo ou entidade de direito público de país estrangeiro, salvo para instalação de representação diplomática ou consular, se existir reciprocidade em favor do Estado Português.
§ 2.º Nos territórios ultramarinos a aquisição por Governo estrangeiro de terreno ou edifício para instalação de representação consular será condicionado, pela anuência do Ministro do Ultramar à escolha do respectivo local.

8. Examinando-se a redacção proposta pela Câmara, verificar-se-á que, seguindo a orientação inicialmente traçada, se conservou o máximo possível do texto dos actuais preceitos que nela se fundem. Evitou-se inovar mesmo quando parecia fácil substituir uma fórmula por outra tècnicamente mais correcta. Não se criou na metrópole qualquer nova restrição aos Governos estran-

1 «... l'État autorilaire apparut en Autriche comme un progrès et une conséquence de l'éoque moderne. Il était d'ailleurs conçu d'après le modèle portugais et non ser celui de l'Italie». Chanceler Schuschnigg, Requiem, Mémoires (1938-1940), tradução francesa, p. 213.