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394 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 74

16. O direito ao trabalho tem sido inscrito em alguns textos constitucionais recentes.
Em Espanha, no Fucro del Trabajo, aprovado por Decreto de 9 de Março de 1938, com base em que «o direito de trabalhar é consequência do dever imposto ao homem por Deus para cumprimento dos seus fins individuais e prosperidade e grandeza da Pátria», estabeleceu-se no artigo 1.º o «direito ao trabalho».
Daí passou para o Fuero de los españoles, lei das Cortes de 17 de Julho de 1945, cujo artigo 24.º proclama que «todos os espanhóis têm direito ao trabalho e o dever de se ocupar nalguma actividade socialmente útil».
Resumindo os comentários que à roda destes preceitos têm sido tecidos, escreve um autor recente: «Coinciden gran parte de los comentarios, tanto de los mencionados textos como de otros similares, en que semejantes declaraciones no otongan al ciudadano un derecho público subjectivo esgrinible para que el Estudo proporcione una ocupación remunerada. No és titulo para exigir una pensión del Estado, ni tampoco para solicitar un empleo cualquiera... el derecho al trabajo és más una directiva de gobierno que una facultad ciudadana. Quienes tienen a su cargo el cuidado de la comunidad, han de cuidar porque no exista paro, ni parados, pero frente a ellos el dercho al trabajo no és sino un derecho político de difícil subjectivación» 1.
Em França, ao elaborar-se a Constituição de 1946, o grupo parlamentar comunista apresentou um projecto em cujo artigo 4.º figura a garantia do «droit au travail et à la sécuritè de l'emploi» 2.
No projecto socialista 3 o artigo 33.º era assim formulado:

Art. 33.º Le droit au travail:
Tout homme a le devoir de travailler et le droit de recevoir un emploi.
Nul ne peut être atteint dans son emploi en raison de son origine, de ses opinions ou de ses croyances.

Foi esta fórmula que, com pequena alteração de redacção da parte final, acabou por ser inscrita no artigo 26.º do projecto de Constituição adoptado pelas Constituintes em 19 de Abril de 1946 e que o referendo popular rejeitou em 5 de Maio do mesmo ano 4.
Na Constituição que, finalmente, veio a ser promulgada em 27 de Outubro desse ano, é no preâmbulo que se lê a declaração dos direitos, entre os quais figura a fórmula antes consagrada:

Chacun a le devoir de travailler et le droit d'obtenir un emploi. Nul ne peut être lésé dans son travail ou son emploi, en raison de ses origines, de ses opinions ou de ses croyances 5.
Reparar-se-á que neste texto, elaborado sob a influência preponderante de dois partidos socialistas - um comunista e, o outro social-democrata -, se afirma, em primeira lugar, o dever de trabalhar. Só depois, como consequência, vem o direito a obter um emprego, e este explicado como sendo o direito a não ser excluído de qualquer ocupação por motivo de origem (raça ou nacionalidade), opinião política ou crença religiosa.
A Constituição da República Italiana, promulgada em 27 de Dezembro de 1947, e em tinja redacção intervieram as mesmas correntes ideológicas que influíram na francesa, contém no artigo 4.º disposição similar, onde se afirma que «a República reconhece as todos os cidadãos o direito ao trabalho e favoreço as condições que tornem efectivo esse direito. Todo o cidadão tam o dever de exercer, consoante as suas possibilidades e à sua escolha, uma actividade ou uma função que concorram para o progresso material ou espiritual do sociedade» 1.
Já agora faça-se referência também à Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948. Como nela mesma se acentua, a Declaração é um simples padrão comum de acção (a common standard of achievement), sem pretensões a força legal. Interessa apenas, portanto, como testemunho de um dado ambiente ideológico.
O seu artigo 23.º, n.º 1, diz:

Everyone has the rigth to work, to free choice of employment, to just and favourable conditions of work and to protection against unemployment.

Trata-se, como se vê pelo contexto, mais do direito de trabalhar do que do direito ao trabalho.

17. Em conclusão, afigura-se à Câmara Corporativa que o problema da definição de um direito ao trabalho não está suficientemente esclarecido em Portugal, e mesmo no estrangeiro, para que possa afoitamente inscrever-se no texto constitucional.
A Câmara entende que não devem assumir-se compromissos solenes de tão grande gravidade sem a consciência do seu conteúdo e sem a segurança do seu cumprimento.
O trabalho faculta-se aos cidadãos promovendo o fomento da riqueza pública e particular. Nas crises cíclicas de desemprego compete ao Estado tomar a direcção do combate a essa chaga social, através de organismos adequados, cujos processos importa não deixar estagnar para que mantenham a todo o tempo a perfeita eficiência que o País deles tem direito a esperar.
Pode e deve o Estado chamar os particulares a colaborar nesta função, mas para isso, e desde que se mantenha dentro da justa medida, não carece de que sejam definidos mais direitos do que os que constam já da Constituição.
Pelo seu artigo 31.º «o Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social com os objectivos seguintes: 1.º Estabelecer o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho...»; pelo artigo 35.º «a propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social, em regime da cooperação económica e solidariedade, podendo a lei determinar as condições do seu emprego ou exploração conformes com a finalidade colectiva».

1 E. Perez Botija, El derecho del trabajo, 1947, p. 96.
2 Revue du droit public, tomo 62.º (1946), p. 156. Deve notar-se que nas Constituições dos estados comunistas não se encontra inscrito tal direito, mas apenas o dever de trabalhar. Assim, na Constituição da U. R. S. S. de 1936, o artigo 12.º diz:
O trabalho é na U. E. S. S. dever e honra para todo o cidadão apto a trabalhar, segundo o princípio: quem não trabalha não come. Na U. R. S. S. põe-se em prática a divisa socialista: de cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo o sou trabalho.
Na Constituição da República Federal Popular da Jugoslávia, de 29 de Novembro de 1945, o artigo 32.º prescreve:

Todos os cidadãos são obrigados a trabalhar segundo as respectivas capacidades: quem não der nada à comunidade, nada poderá receber dela.

3 Idem, tomo 62.º (1946), p. 168.
4 Idem, tomo 62.º (1946), p. 239).
5 Idem, tomo 62.º (1946), p. 580.

1 Revue du droit public, tomo 64.º (1948), p. 388.