398 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 74
ARTIGOS 72.º, 73.º, 74.º E 75.º
24. No texto actual da Constituição o artigo 72.º define a chefia do Estado Português como magistratura temporária, e electiva e fixa as regras fundamentais da eleição. Os artigos 73.3 e 74.º contêm as inelegibilidades e incompatibilidades relativas ao cargo. O artigo 75.º respeita ao início do exercício das funções presidenciais, posse e juramento do Presidente eleito.
A sequência dos artigos obedece, pois, a uma ordem lógica plenamente satisfatória e a sua comparação com i arrumação das matérias na nova redacção da proposta de lei (para cujo entendimento importa ter presente a rectificação publicada no 3.º suplemento ao n.º 70 do Diário das Sessões de 25 de Janeiro de 1951) mostra à primeira vista a superioridade do sistema que está.
Fiel à sua orientação, a Câmara .Corporativa procurará integrar no próprio texto actual as alterações que haja a fazer, com o mínimo de transtorno da feição e disposição dos artigos.
Importa, pois, ver quais são as alterações de fundo que constam da proposta de lei.
São as seguintes:
a) Deixa de figurar na Constituição o modo de eleição do Presidente da República;
b) Condiciona-se a elegibilidade a uma apreciação da idoneidade política dos candidatos a fazer pelo Conselho de Estado;
c) Prevê-se a hipótese de não ser possível convocar os colégios eleitorais a tempo de substituir, findos os sete anos do mandato, o Presidente que os cumpriu.
25. Segundo o § 2.º do artigo 72.º a eleição do Presidente da República terá lugar «por sufrágio directo cios cidadãos eleitores».
Desaparecendo do texto .constitucional esta disposição, ficará para ser regulado por lei ordinária o modo pelo qual há-de ser eleito o Chefe do Estado.
Ora não parece que tão importante elemento do estatuto político possa deixar de figurar no texto constitucional para andar à mercê das oscilações de critério do legislador ordinário.
Nas Repúblicas o modo de eleição do Chefe do Estado é, inquestionàvelmente, matéria constitucional.
Assim o mostram, por exemplo:
A Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, de 17 de Setembro de 1787, cuja secção lado artigo 2.º regula a eleição do Presidente por sufrágio indirecto;
A Constituição da Finlândia, de 17 de Julho de 1919, cujo artigo 23.º igualmente prescreve a eleição por trezentos eleitores de 2.º grau, escolhidos por sufrágio universal;
A Constituição da República Turca, de 20 de Abril de 1924, que no artigo 31.º estabelece a eleição em sessão plenária da Grande Assembleia Nacional e de entre os seus membros;
A Constituição da Irlanda (Eire), de 28 de Dezembro de 1937, que no artigo 12.º, alínea 2, preceitua a eleição do Presidente «em sufrágio popular directo»;
A Constituição Francesa, de 27 de Outubro de 1946, cujo artigo 29.º reza assim: «O Presidente da República é eleito pelo Parlamento»;
A Constituição da República Italiana, de 27 de Dezembro de 1947, que pelo artigo 83.º determina que o Presidente seja eleito pelo Parlamento, reunido em sessão comum, acrescido de três delegados de cada região e de um do Vale de Aosta...
Esta indicação, a título exemplificativo, compreende unicamente constituições em vigor, mas poderia ser continuada, mesmo só com essas, numa lista de grande extensão, se não parecesse inútil insistir no que parece incontestável: que em todas as Constituições republicanas do Mundo se prescreve o modo de eleição do Chefe do Estado.
Não se vê razão, portanto, para se proceder diferentemente na Constituição portuguesa.
26. A eleição por sufrágio directo dos cidadãos eleitores, estabelecida em 1933, tem, como todas as coisas, as suas vantagens e os seus inconvenientes.
A Constituição do Estado Novo obedeceu ao intuito de reforçar a posição política do Presidente da República, inclinando-se no sentido de um regime presidencialista, atenuado pela existência do Presidente do Conselho de Ministros, da livre escolha do Chefe do Estado e só perante ele responsável.
Desde que a função governativa ficava assim dependente exclusivamente do Presidente da República e que o Governo recebia o poder de legislar por decretos-leis (sujeitos à promulgação do Chefe do Estado), era necessário que o Presidente tivesse por fonte da sua autoridade o mesmo sufrágio universal ao qual era confiada a eleição da Assembleia Nacional.
A eleição popular, directa ou indirecta, é uma exigência lógica dos regimes presidencialistas: o Presidente, para ser independente do Parlamento, tem de ter uma autoridade igual à dele, brotada da mesma fonte. Como dizem os constitucionalistas norte-americanos, nesse tipo de Constituição política chocam-se duas concepções: «the idea that the people are represented in the Legislature versus the idea they are embodied in the Executive». O Parlamento representa o povo, mas o Presidente da República personifica-o.
Portanto, no domínio da pura lógica, havendo uma Assembleia Nacional eleita por sufrágio universal, o Presidente da República também o deve ser.
A eleição do Presidente mediante sufrágio universal tem vantagens inegáveis: assegura, em princípio, o prestígio da pessoa escolhida, furta a escolha às combinações dos grupos e corrilhos, tantas vezes feitas à última hora nos corredores parlamentares e, até, chamando os eleitores de todo o País de qualquer classe, profissão, sexo ou condição a manifestar-se assegura a neutralização de tendências exclusivistas, facilitando uma escolha de caracter nacional.
Mas também tem inegáveis inconvenientes. Deixa a Câmara de lado, por demasiado conhecidos, os argumentos de princípio que condenam em geral o sufrágio universal, sobretudo nos países latinos. Não vale a pena insistir em ideias que hoje são correntes e que, há-de haver oitenta anos, inspiraram já a Oliveira Martins o seu primoroso folheto As Eleições.
Pelo que respeita especialmente à eleição do Presidente da República, a experiência, nossa e estranha, tem mostrado que o sufrágio universal directo apresenta dois inconvenientes principais.
Em primeiro lugar, para que o eleitorado possa plebiscitàriamente pronunciar-se sobre a personalidade a eleger para a chefia do Estado é necessário que conheça bem os candidatos. Ora para um candidato gozar de uma tal aura popular há-de ser um militar com loiros colhidos na frente da batalha, um sábio cujas descobertas hajam beneficiado a Humanidade, um escritor ou um artista cujas obras tenham penetrado profundamente na alma nacional, um orador de efeitos fáceis capazes de agitar emocionalmente as multidões, raramente um político de altos serviços prestados no Governo, porque governar é descontentar.
Porém, nem a guerra, nem o laboratório, nem as letras e as artes, nem a oratória demagógica são, por via de regra, a escola ideal dos estadistas. E uma carreira política no Governo, na alta burocracia, na diplomacia, mesmo de estudo afincado e atento nos gabi-