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24 DE FEVEREIRO DE 1951 399

netes das escolas de ciências sociais, não conquista, em geral, para quem a faz os favores da popularidade.
Apresentado o candidato, se este não é (o que só excepcionalmente, portanto, acontecerá) uma personalidade de inegável categoria política e bem conhecida da Nação, torna-se mister uma campanha de propaganda para exaltar os seus méritos e revelá-los ao eleitorado.
Mas aqui surge o segundo grave inconveniente: a campanha divide os partidários das diversas candidaturas, que ao mesmo tempo elogiam o seu candidato e denigrem o do adversário. Durante trinta ou quarenta dias os homens que se propõem consubstanciar a unidade nacional estão sujeitos a ver a sua vida analisada dia a dia; recordados todos os erros, censurados todos os deslizes, exagerados todos os defeitos, malsinados todos os propósitos, ridicularizadas todas as atitudes. Quando, ao cabo deste exame, um candidato obtém a maioria de votos, o homem que se senta na cadeira presidencial para exercer a magistratura suprema da Nação pode muito bem ser o mais infeliz e o menos prestigiado de todos os cidadãos.
Noutros países uma campanha assim talvez decorra num ambiente áspero, mas cheio de desportiva bonomia, e os candidatos poderão esquecer facilmente, no minuto mesmo do apuramento dos resultados, as críticas que não chegaram sequer a ser consideradas agravos e que o público considerou mera necessidade da competição. Mas em Portugal todos reconhecerão facilmente que não seria assim. Um Presidente com largos poderes de governo e com a consciência de ter sido escolhido só por uma parte dos cidadãos, considerando-se agravado por outra parte, dificilmente poderia manter a serenidade e a imparcialidade que a sua função de árbitro e chefe nacional imprescindivelmente reclamam.
A nossa própria experiência política sob a Constituição de 1911, em condições diferentes embora, já tem mostrado como o Presidente para cuja eleição um ou alguns partidos se tenham negado a concorrer pode guardar contra estes, no decurso de todo o seu mandato, um ressentimento depressa volvido em ostentiva ou mal, disfarçada hostilidade.

27. Se se pensasse que os inconvenientes da eleição do Presidente da República por sufrágio universal directo superavam as vantagens, restariam duas outras soluções: a eleição pelas .assembleias legislativas e a eleição por um colégio eleitoral especial.
Comecemos por esta última fórmula, que ë a norte-americana, mas que na Europa tem sido adoptada rarissimamente (na Finlândia, apenas, segundo parece).
Quando os autores da Constituição norte-americana optaram pela escolha do Presidente por uma assembleia que os estados elegeriam especialmente para esse fim o seu pensamento era subtrair a designação do Chefe do Estado à multidão, confiando-a a um grupo selecto de cidadãos mais capazes de ponderarem todas as qualidades necessárias para o exercício de tão grave magistratura. A massa popular, incapaz de escolher um Presidente, pode perfeitamente designar alguns homens bons para em seu critério e consciência escolherem por ela 1.
A breve trecho, porém, o sistema deixou de servir para o fim que a prudência dos patriarcas da independência americana lhe tinha assinado. Os partidos lançaram-se a fundo na eleição presidencial. Cada partido escolhe antecipadamente o seu candidato, em assembleia geral ou convenção adrede reunida, e depois, em cada estado, propõe os nomes dos eleitores que hão-de eleger o candidato partidário. A massa popular, ao votar nos eleitores do Presidente, vota, de facto, no partido e no candidato que ele apresenta, sem que lhe interessem os intermediários. Por isso, logo que se apura o escrutínio do primeiro grau, o número de eleitores eleitos por cada partido elucida imediatamente sobre o nome do candidato vencedor.
Quer isto dizer que, de facto, tudo se passa como se o sufrágio fosse directo, e nem sequer falta na campanha eleitoral a discussão sobre as pessoas dos candidatos, os quais intervêm nela proferindo numerosos discursos.
Parece, pois, de afastar este modo de eleição indirecta.
Quanto à escolha pelas assembleias legislativas, é o processo adoptado nos regimes parlamentares e era o consagrado na Constituição de 1911. As suas vantagens são o não necessitar de fazer discutir publicamente os candidatos e permitir a indicação de um homem de estado conhecido sobretudo das pessoas experientes dos negócios públicos. Os inconvenientes são o facilitar a acção da intriga nessa designação, o dar ao país a impressão de que tudo se passa «entre políticos» e à margem da nação real, o colocar o Presidente na dependência (moral, ao menos) das assembleias legislativas-não lhe conferindo o prestígio indispensável ao exercício do cargo quando este corresponda a uma efectiva função de autoridade, como sucede na Constituição portuguesa.
Km alguns países atribui-se à eleição parlamentar ainda o vício de por vila de regra, sair dos conluios políticos a indicação de personalidades apagadas, únicas que não suscitam oposições muito vivas nem criam o risco de resistências muito tenazes à vontade dos chefes dos grupos ou partidos... Mas esse defeito não é privativo da democracia parlamentar, como se pode ver ,no capítulo que Bryce escreveu no seu livro «clássico sobre a República Americana, quanto às razões por que nesse país os grandes homens não são eleitos presidentes 1.
Muitas destas críticas não são, de resto, cabidas no regime português, dada a especial composição e situação das assembleias legislativas. A Assembleia Nacional procede do sufrágio universal, mas no seu seio não existem partidos permanentes; a Câmara Corporativa corresponde a uma representação orgânica, através da qual se exprimem interesses morais, culturais e económicos de toda a Nação. A junção das duas Câmaras originaria, pois, um colégio eleitoral de esbatido matiz político e de indiscutível significação nacional.

28. Tudo ponderado e largamente discutido no seio da Câmara, inclinou-se esta, por maioria, para a ma-

1 Eis como Bryce explica a solução adoptada: «A nomeação pelo povo, por sufrágio directo popular, do primeiro magistrado provocaria uma perigosa sobre-excitação e daria demasiado incentivo aos candidatos sem outros dons que não fosse a popularidade. O abandono da escolha ao Congresso subordinaria o Executivo ao Legislativo, com violação do princípio que exige que esses departamentos se mantenham distintos; por outro lado, o Presidente, em lugar de ser o eleito da Nação, tornar-se-ia a criatura de uma particular facção. Por estas razões se adoptou o sistema da eleição dupla, talvez com uma vaga reminiscência dos métodos usados ainda nossa época em Veneza para a escolha do Doge e na Alemanha para a do Imperador romano. A Constituição prescreve a cada estado a escolha de um número de eleitores presidenciais igual ao número dos seus representantes nas duas Câmaras do Congresso. Algumas semanas mais tarde estes eleitores reúnem-se em cada estado no dia fixado por lei e dão por escrito os seus votos para a presidência e para a vice-presidência... Esperava-se deste método que assegurasse a designação, pelos melhores cidadãos do rada estado, com calma, reflexão e perfeita independência de critério, do homem que considerassem mais apto a exercer a suprema magistratura da União. Escolhidos como eleitores pelos seus méritos pessoais, seriam mais qualificados do que as massas para eleger para a presidência um homem capaz e honrado». De La Republique Américaine, 2.ª
edição francesa, tomo I, pp. 69 e 70.
1 Ob. cif., tomo I, capítulo VIII, p. 123.