O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

402 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 74

Presidente da República, é certo, mas sob proposta do Presidente do Conselho, perante quem respondem politicamente pelos seus actos (Constituição, artigo 108.º) e de quem são, na prática, auxiliares e agentes.
Assim, não existe, como para o Presidente do Conselho, uma delegação directa e imediata da autoridade do Chefe do Estado nos Ministros e uma escolha pessoal destes.
Por outro lado, na ordem de dignidades do Estado, ao Presidente do Conselho seguem-se aqueles que presidem aos restantes órgãos de soberania: o Presidente da Assembleia Nacional, o Presidente da Câmara Corporativa e o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
A substituição do Chefe do Estado, portanto, no caso de falta ou impedimento do Presidente do Conselho, deve ser deferida ao Presidente da Assembleia Nacional, que, de resto, é eleito para essas funções (por uma corporação cuja autoridade tem a mesma origem e o mesmo fundamento da do Presidente da República.
Acrescente-se ainda que não existe ordem legal ou hierárquica de precedências dos Ministros. Estes são todos iguais e apenas guardam entre si a precedência protocolar costumeiramente estabelecida pela data de aparecimento dos seus cargos, considerando-se o Ministro da Justiça sucessor do Chanceler-Mor do Reino e o Ministro das Finanças herdeiro do Presidente do Conselho da Fazenda.
A esta regra se abriu excepção com o aparecimento de Ministros adjuntos à Presidência, que se entende fazerem parte da Presidência do Conselho; mas, à parte essa posição protocolar, nada os destaca dos outros Ministros à face da lei.
Portanto, «a ordem da precedência» não fornece qualquer justificação para fundamentar a entrega da substituição da Presidência da República a um Ministro de preferência a outro.
Nem se diga que em caso de crise o facto de ser um Ministro a assumir as funções de Chefe do Estado oferece maiores garantias de firmeza e decisão: a experiência política portuguesa prova que pode não ser assim, como se viu em 1918. E o Ministro que assumiu então a chefia do Estado não foi um qualquer, por o ordem de precedência», mas o que para esse efeito foi escolhido por parecer mais indicado.
Em resumo: a Câmara Corporativa, atendendo a que o regime constitucional assenta na existência de dois presidentes - da República e do Conselho -, e que só por excepção se deve admitir a concentração dias duas autoridades, dá o seu voto desfavorável ao aditamento proposto para o § 2.º do artigo 80.º, que entende desnecessário.
Quando, porém, a Assembleia Nacional julgue indispensável contemplar a hipótese prevenida por esse aditamento, sugere então a sua substituição pelo seguinte:

...ou, na sua falta, o Presidente da Assembleia Nacional.

ARTIGO 83.º

34. O artigo 83.º da Constituição trata da composição do Conselho de Estado. A proposta introduz nele duas alterações: eleva o número dos seus membros, de dez, que actualmente são, para quinze, e tira o carácter vitalício à função de Conselheiro de Estado exercida por homens públicos de superior competência, podendo de futuro, no início de cada período presidencial, o Chefe do Estado substituir cinco deles.
A primeira alteração é de somenos importância e pode merecer a aprovação da Câmara, atendendo à necessidade de abrir mais o acesso ao Conselho e de revesti-lo da autoridade necessária para o desempenho das novas funções que lhe são confiadas.
Mas, quanto à segunda, já tem de ser objecto da mais madura reflexão.

35. O. Conselho de Estado político, como órgão de consulta da Presidência da República, veio para a Constituição de 1933 da experiência monárquica, segundo a Carta Constitucional.
Os autores da Carta (que foram os mesmos da Constituição do Império do Brasil) aceitaram a doutrina de Benjamin Constant, segundo a qual nas monarquias constitucionais os poderes do Estado seriam quatro, e não apenas os três descritos por Montesquieu, visto que, além dos Poderes Legislativo, Executivo e Judicial, haveria um outro, exercido pelo Rei, como coordenador e equilibrador dos outros três, e que seria o Poder Moderador.
«Les trois pouvoirs politiques, tels qu'on les a connu jusqu'ici - escrevia Constant -, le pouvoir legislatif, exécutif et judiciaire sont trois ressorts qui doivent coopérer, chacun dans sa partie, au mouvement general; mais quand ces ressorts dérangés se croisent, s'entrechoquent et s'entravent il faut une force qui les remette à leur place. Cette force ne peut pas être dans l'un de ces ressorts car elle lui servirait à détruire les autres; il faut qu'elle soit en dehors, qu'elle soit neutre en quelque sorte, pour que son action s'applique partout où il est nécessaire qu'elle soit appliquée et pour qu'elle soit préservatrice et réparatrice sans être hostile» 1.
Ora a este poder próprio do Chefe do Estado corresponde a necessidade de um órgão distinto de todos os outros que sirva apenas para o informar, esclarecer e aconselhar no exercício da função moderadora. Assim, a Carta Constitucional, no artigo 107.º, dispunha: «Haverá um Conselho de Estado composto de conselheiros vitalícios nomeados pelo Rei».
O Decreto de 19 de Setembro de 1833 fixou em doze o número dos conselheiros, atribuiu-lhes o ordenado anual de 2.400$000 réis (que em moeda actual corresponderia ao que vence um Ministro) e estabeleceu que o Conselho fosse presidido pelo Rei ou, na sua falta, pelo conselheiro mais antigo.
Na prática monárquica a entrada no Conselho de Estado representava o último termo da carreira política. Para o preenchimento de cada vaga que nele ocorria costumava El-Rei consultar alternadamente cada um dos partidos políticos e era praxe que o partido consultado indicasse o, mais antigo dos seus Ministros de Estado honorários. Esta regra sofria excepções em benefício do chefe do partido ou de alguma personalidade mais representativa, como em 1895 sucedeu com João Franco, cuja nomeação preteriu antigos Ministros regeneradores mais antigos 2.
O Conselho de Estado era assim um prestigioso corpo político que, além do mais, assegurava aos homens públicos com larga carreira uma posição de dignidade, e até de independência material, necessária ao próprio decoro das instituições 3.
Mas na vigência da Carta Constitucional já se discutia se os conselheiros deviam ser vitalícios e se a nomeação deles devia ficar dependente apenas da escolha

1 Benjamin Constant, Cours de Politique Constitutionnelle, 3.ª edição, 1837, p. 1.
2 Júlio de Vilhena, Antes da República, vol. I, p. 284.
3 Pode ver-se a lista dos conselheiros desde 1833 a 1886 em S. Clemente, Estatísticas e Biografias Parlamentares, I, p. 488