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24 DE FEVEREIRO DE 1951 393

de mão-de-obra, a economia nacional só poderia competir internacionalmente mediante artifícios que, por outro lado, determinariam a inevitável alta do custo da vida interna.
Tão-pouco é aceitável a segunda acepção do direito ao trabalho, que assenta no falso princípio de que o trabalho manual é a única fonte do valor económico e no postulado de que o capitalista se apropria indevidamente de uma parte desse valor.
Se é certo que é possível progredir ainda no sentido de maior justiça na retribuição do trabalho, a verdade é que para a criação dos valores concorrem muito factores que não são o trabalho operário, sem falar na parte irrecusável do capital, desde os inventores, os lançadores de iniciativa, os organizadores da empresa, até aos que despertam a necessidade dos artefactos, estimulando o consumo e provocando a procura, e aos que garantem a segurança do mercado sob as mais diversas formas.

14. A doutrina social católica sobre o assunto está luminosamente condensada no Code Social, durante anos elaborado pela Union Internationale d'Études Sociales, de Malines, sob a presidência do cardeal Mercier, e que veio a ser aprovado em 1926, já sob a orientação do sucessor desse grande Primaz da Bélgica, o actual cardeal Van Roey.
O artigo 70.º do Código, cuja autoridade nos meios do cristianismo social só tem aumentado desde então, resa assim (segundo tradução do relator):

A obrigação de trabalhar que Deus impôs ao homem desde a origem do Mundo engendra o direito de trabalhar.
Este direito não se confunde nem com a liberdade de trabalho nem com o direito ao trabalho.
A liberdade de trabalho designa, no seu sentido histórico, um estado de facto que, sob pretexto de respeitar a liberdade individual do trabalhador, exclui qualquer regulamentação do trabalho pela profissão ou pelo Estado. Tal estado de facto está em contradição com a doutrina católica exposta por Leão XIII na encíclica Rerum Novarum.
Quanto ao direito ao trabalho consiste no pretenso direito do indivíduo sem trabalho de se dirigir ao Estado a reclamar-lhe ocupação remuneradora e salário. Os Poderes Públicos têm o dever de se esforçar para evitar por todos os meios ao seu alcance o desemprego e suas consequências. Mas não se segue daí que todo o indivíduo sem trabalho tenha direito a um emprego. O salário recebido pelo trabalhador assalariado durante os períodos de actividade deve ser, todavia, suficiente para lhe permitir, mediante caixas profissionais de previdência eventualmente auxiliadas pelo Estado; subsistir durante os períodos de desemprego.

É esta doutrina que no 3.º curso das Semanas Sociais Portuguesas, celebrado no Porto em 1949, foi desenvolvida na lição proferida pelo Prof. Doutor Guilherme Braga da Cruz sobre Bases sociológicas, morais e jurídicas de uma concepção cristã do trabalho.
Aí se distingue o direito de trabalhar (jus laborandi) que consiste na «faculdade que todo o homem tem de despender livremente as suas energias, com vista à realização da sua própria independência e dignidade», desdobramento do próprio direito de viver, do direito ao trabalho (jus ad laborem) «que assistiria a todo o homem desempregado de exigir da sociedade - o mesmo é que dizer do Estado - uma ocupação retribuída, um emprego remunerado, sempre que fosse impossível obter esse emprego da parte dos particulares».
«Um direito ao trabalho assim concebido - ensina o referido professor - não deve admitir-se, porque assenta no pressuposto falso de que sobre o Estado recai um dever - mas um dever no sentido jurídico, uniu verdadeira obrigação - de fornecer trabalho aos particulares. Ora esse dever, essa obrigação, só seria concebível num sistema que atribuísse igualmente ao Estado um direito a dispor ilimitadamente do trabalho dos particulares, o que equivaleria a atribuir ao Estado uma natureza totalitária, ofensiva da liberdade e da dignidade dos cidadãos e inteiramente condenável, como tal 1».

15. Não é a primeira vez, todavia, que o direito ao trabalho aparece mencionado na legislação do Estado Novo.
A alínea a) do capítulo III do Estatuto do Trabalho Nacional trata «Do direito ao trabalho e suas condições» e abre com o artigo 21.º, redigido nos termos seguintes:

O trabalho, em qualquer das suas formas legítimas, é para todos os portugueses um dever de solidariedade social. O direito ao trabalho e ao salário humanamente suficiente são garantidos sem prejuízo da ordem económica, jurídica e moral da sociedade.

O artigo 23.º desenvolve o pensamento do legislador quanto ao direito assim enunciado:

O direito ao trabalho é tornado efectivo pelos contratos individuais e colectivos. Nunca o pode ser pela imposição do trabalhador, dos organismos corporativos ou do Estado, salvo, no que respeita u este último, o direito que lhe assiste, em caso de suspensão concertada de actividades, de usar de todos os meios legítimos para compelir os delinquentes ao trabalho.

Preceito este que é completado pelo do artigo 17.º, que diz:

As empresas não são obrigadas a fornecer trabalho que a sua direcção repute desnecessário ao plano da exploração. Nas crises de trabalho, porém, deverão cooperar com o Estado e com os organismos corporativos na adopção de medidas conformes com o bem público.

Analisando e comparando estas disposições, vê-se que o legislador, afinal, teve o cuidado, por várias vezes acentuado, de excluir o conceito do direito subjectivo a que corresponda um dever eventualmente imposto pela coacção organizada nos meios jurídicos do Estado.
O que o legislador quis afirmar (e essa intenção resulta com clareza do artigo 23.º) não foi o jus ad laborem, e sim ,o jus laborandi - a faculdade dada a todo e homem de procurar uma ocupação remuneradora e de contratar o emprego da sua actividade em termos que lhe permitam viver e cumprir o seu destino temporal e espiritual.
É, pois, um equívoco de termos que leva a encontrar o direito ao trabalho afirmado no estatuto, quando manifestamente se pretendeu definir um direito de trabalhar, uma faculdade a todos reconhecida, sem discriminação, de ganhar a vida, em contrapartida do dever de solidariedade social (dever de moral social e não jurídico), que é o trabalho.

1 Dr. G. Braga da Cruz, Bases..., pp. 19 a 21.