536 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 81
quando muito, por força dos hábitos, deixa-se a um orçamento central a prática dos velhos usos, mas, destruída a unidade orçamental, os múltiplos e vultosos orçamentos suplementares encarregam-se de recorrer tanto aos impostos como aos empréstimos para pagar quaisquer despesas, ou ordinárias ou extraordinárias. Estamos longe, portanto, da limitação do montante das operações de crédito público pula natureza do seu destino. Por outro lado, os Governos, contam com colocações certas, nomeadamente nos sectores bancário, segurador ou da alta indústria, para a colocação dos seus empréstimos. Já se emitem regras até, conforme se trate de dívida a curto ou longo prazo, para a sinalização estratégica dessa assegurada maneira de fazer dinheiro. Estamos longe, portanto também, dos cálculos de uma velha meteorologia financeira, adestrada a prever as reacções possíveis do mercado para a emissão de cada empréstimo público. Assim nasceram os empréstimos ou fracções de empréstimos - vá o eufemismo - quase obrigatórios. Assim, de resto, se vai investindo. Assim também se vai fazendo... coisa diversa. Até quando? Talvez até se não abusar, com escândalo, como na famosa apóstrofe latina, da paciência... das coisas, mais perigosa do afrontar do que a paciência dos homens.
3. Seja, porém, como for.
Na transformação por que está passando a ciência financeira dos nossos dias -mercê da imaginação de alguns, mercê do apuro de muitos - nenhuma atitude irredutível se justifica. Nem a dos que fecham os olhos, por sistema, ao que- aparece de novo e vai afinal tomando foros de cidade: há quem dó pelas verdades...vinte e cinco anos depois. Nem a dos que, a sombra da novidade, em exclusivo se acobertam para o dar como bom: não faltam destarte as verdades... antes de o ser. Em matéria de dívida pública são notórios os riscos dessa dupla incompreensão.
Reportado à evolução financeira, um grande ensinamento, com efeito, domina os tempos novos. Desconhecê-lo seria renunciar ao mais activo agente de progresso. Queremos referir-nos à experiência feita em escala até há pouco insuspeitada, e de que deriva a confiança que o Mundo está a ganhar nas suas acrescidas possibilidades. Uma inimaginável elasticidade de recursos e uma prodigiosa maleabilidade de meios de acção - características das finanças de hoje - vieram corrigir velhos cálculos e desfazer enraizados temores. Não se pode deixar de ter em conta, essas rectificações proveitosas, sob pena de não aproveitar o que outros estão aproveitando.. Entre o muito que por toda a parte se não fez a tempo avulta o que resultou de se subestimar o rendimento nacional e mercê de compreensíveis zelos pela manutenção da paz civil, o que proveio igualmente de uma acentuada parcimónia fiscal. A desgraça, neste particular, veio dar a conhecer o que os homens não souberam desvendar previamente, ou seja a aproximada avaliação dos recursos de cada país. E só agora os Estados Unidos, a, Grã-Bretanha e as nações escandinavas começam a ter, no capítulo, números bastantes para formar juízos menos temerários. Acresce, de resto, o apport considerável trazido pela noção de circuito e o esforço inteligente feito para o manter em ritmo favorável. Ganharam-se destarte fronteiras novas para o confiado exercício de uma acrescida actividade financeira. O crédito público, cujos limites são os da capacidade tributária para enfrentar os seus encargos, logram, por sua vez, como que articulações renovadas. Progresso económico e melhor equidade social - quer dizer garantias de estabilidade no Mundo - têm desta feita ainda perspectivas favorecidas.
Não falta, pois, interesse à lição recente que vem das finanças públicas renovadas.
Simplesmente, em nenhum campo como no financeiro o espírito de facilidade ou de ilusão pode acalentar tão graves perigos ou acarretar tão grandes estragos. Neste particular, certos propósitos, ou do Sr. Keynes ou do Sr. Beveridge, poderiam facilmente emparceirar, quando seguidos à letra, com o malefício das práticas de Laws Deus nos preserve, por exemplo, da fúria de gastar. É verdade sabida que as boas finanças não são um fim em si mesmas; são um meio. Mas são um meio insubstituível para investir com segurança e seguir num ritmo satisfatório. Nesta conformidade, se temos acrescidas possibilidades de acção, estas só ganham em se sujeitar a uma experimentada disciplina, que há muito deu boa conta de si. Porque uma coisa é seguir na esteira dos que inovam com inteligência; por exemplo, haverá que demandar com denodo uma tanto quanto possível aproximada determinação do rendimento nacional; essa é mesmo a grande lição financeira dos nossos dias; leva tempo a lá chegar, não é razão para que se não comece; há modelos, como vimos, de resto, a adaptar dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha ou dos países escandinavos; e rápidos serão os benefícios no terreno fiscal e no próprio âmbito do crédito público. Outra coisa é descurar da obediência a princípios seguros, provadamente salutares. No combate à inflação, verdade seja, sob a égide do Plano Marshall, deram os mais audaciosos multiplicados testemunhos de prudência. E a inflação encontrou maneira de ser contida decisivamente. Será bom que esse mesmo espírito de moderação e cuidado não deixe que certas inovações inconsideradas encontrem nas finanças campo livre para medrarem...
Não falta assim, por sua vez, oportunidade de se proclamar com vantagem o necessário respeito dos princípios.
Portugal, em todo o caso, tem por si uma experiência feliz de quase vinte e três anos. Se porventura é lícito pedir-lhe um rendimento mais favorável, não há que lhe alterar a estrutura e muito menos que lho minar os alicerces.
De resto, nem o que vai pelo Mundo nem a lembrança do passado é de molde a fazer-nos seguir caminho diferente.
4. A proposta de lei n.º 110, que nos cumpre examinar, traduz-se, em rápidas palavras, no seguinte:
a) A emissão de um empréstimo interno de 300 mil contos;
b) A afectação desse empréstimo, nos termos constitucionais, à simples cobertura de despesas extraordinárias;
c) A adopção do amortizável em vinte e cinco anos;
d) A adopção do juro do 3 1/2 por conto, não podendo
os encargos efectivos exceder 3 3/4 por cento;
e) Á possibilidade de a emissão se fazer pelo sistema
de negociações com os banqueiros;
f) O pagamento trimestral dos juros;
g) A constituição do empréstimo em títulos de 10 obrigações de 1 conto;
h) A extensão aos títulos e certificados do novo empréstimo das garantias, isenções e direitos comuns dos mais credores por dívida pública consignados na lei;
i) A administração do empréstimo entregue à Junta do Crédito Público;
j) A adopção do tipo de amortizável criado pelo Decreto-Lei n.º 37:827, de 19 de Maio de 1950.
Como se vê, trata-se de uma espécie corrente a emitir no jogo normal da vida financeira.
O orçamento de 1951, como os vinte e dois orçamentos que o precederam, prevê um saldo positivo, quer em relação ao orçamento ordinário, quer em relação ao Or-