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9 DE MARÇO DE 1951 537

comento Geral. Todas as contas desses vinte e dois anos viram confirmado e excedido notavelmente o saldo previsto. Espera-se que o mesmo aconteça ao orçamento em curso.
Continua a não existir dívida flutuante, extinta em 1934, nunca a ela se havendo mais recorrido, nem sequer na sua função normal de suprir as insuficiências monetárias do Tesouro.
Os 300 mil contos do novo empréstimo destinam-se à cobertura de despesas extraordinárias, nos termos do artigo 67.º da Constituição, quer dizer, para aplicações extraordinárias em fomento económico, amortização de outros empréstimos, aumento indispensável do património nacional ou necessidades imperiosas de defesa e salvação pública.
É de notar que os 300 mil contos do novo empréstimo proposto bastariam, por si sós, para equilibrar o próprio orçamento extraordinário, se no orçamento não estivesse prevista já compensação para essas despesas. Em relação aos 911 mil contos das despesas extraordinárias, o empréstimo representa sensivelmente um terço, ou seja pouco mais do excesso previsto para o orçamento ordinário (293 mil contos), número último este em regra ultrapassado na conta. Se acrescentarmos que as receitas globais somam no orçamento 5:315 mil contos, os 300 mil contos pedidos agora ao crédito representam 5,6 por cento desse total.
Não correm os tempos azados a fáceis previsões. Mas se, mercê de Deus, o pior não vier ter connosco, encontra-se o País em situação de desafogo bastante para prosseguir, na paz continuada, a obra em curso. A proposta de lei n.º 110, em estudo, é para esse bem fundado prognóstico um sintoma concludente.

II

História pregressa

5. Mas nem sempre foi assim.
E porque a mudança teve foros de sensacional, parece-nos de interesse rememorar alguns factos capitais na evolução da dívida pública portuguesa para medir o alcance da transformação operada e considerar o grau de solidez do que há mais de vinte anos tem vindo a ser feito no capítulo.
É nosso intuito estabelecer sobretudo o paralelo referido: entre o que estava há um quarto de século e o que veio depois.
Mas no longo caminho andado pode dizer-se que uma tradição pouco recomendável veio secularmente a formar-se. Há vantagem em a rememorar, embora a largos traços. Deste modo, não se dará conta apenas de uma mutação espectacular. Poderá conferir-se o acrescido o merecido valor ao que afinal veio também romper com usos por demais enraizados no País em matéria de dívida pública.

6. Começa logo, com efeito, pelas duas grandes categorias da nossa velha dívida pública - as tenças e os juros- aparecidas nos primórdios da monarquia e que atravessaram quase sete séculos até ao regime liberal.
Talvez se possa dizer que a deformação destas duas espécies deriva dos seus próprios caracteres.
Tanto nas tenças como nos juros - verdade seja - se reconhece a presença do consolidado. As tenças são um acto de favor régio, mas são rendas perpétuas, e, como tais, constituem uma obrigação periódica do Tesouro; outros tantos sinais de dívida consolidada, portanto. Os juros nem são mesmo já uma prestação em sentido único, mas um contrato onde o Estado-devedor começa por haver recebido dinheiro do prestamista; quer dizer, estamos ainda mais perto do consolidado dos nossos dias.
O ambiente em que se move este todo denuncia, porém, como não podia deixar de ser, a Idade Média. Para as tenças basta evocar os seus donatários, puro reflexo do mundo feudal. Para os juros, que trazempecado, os santos furores do direito canónico tiveram de inventar este subterfúgio malicioso: o Tesouro não pedia emprestado, vendia a obrigação de prestar uma renda... Acresce que os títulos desta dívida primitiva eram equiparados aos imobiliários, a sua circulação tinha das suas transmissões a morosidade e o peso morto e a própria emissão representava um trabalho insano, cada título devendo ter inscrito sobre si, e num nunca acabar, as razões da sua emissão individual.
Sinais dos tempos, se quiserem, as referidas características das duas mais categorizadas espécies da nossa dívida antiga; restava ao andar dos tempos a presumível tarefa de ir activando a sua progressiva deformação.
Assim...
As tenças serviram decerto, por vezes, para recompensar o verdadeiro mérito. Exemplo retumbante, a renda concedida a Vasco da Gama pelo rei D. Manuel e que, nunca amortizada, veio até às inscrições. Mas vezes demais bastava a alguém nascer ou casar-se na Corte para ser feito tencionário: escândalo denunciado com frequência pelo Terceiro-Estado às Cortes Gerais da Nação.
Os juros sofreram, por sua vez, no decurso dos séculos, uma deformação continuada, com mostras frequentes de fraqueza nas suas taxas desfavoráveis e ninguém se entendendo, por fim, na rede dos seus privilégios, tão depressa concedidos como iludidos em razão a cada empréstimo.
Se nos fosse lícito, neste rápido escorço, referirmo-nos a outras espécies da dívida antiga, não seria difícil deparar com um espírito similar: visível, por exemplo, em certa dívida flutuante externa emitida pela nossa feitoria de Flandres, precisamente nos mais belos tempos do grande século português... e que era preciso amortizar em dobro ao fim de quatro anos. O exposto basta, porém, para formular a conclusão de que só muito raramente a dívida pública proveio de uma conduta exemplar. Disse o rei D. Dinis: «É preciso antes de tudo organizar a abundância». Palavra lapidar, mas antes nos empenhámos em promover a penúria. A nossa grande época foi muito sacudida e muito curta. A Restauração muito penosa: fora ruinoso o custo da invasão. D. Pedro II, o rei financeiro, e as suas conversões .pouco imitados. O ouro do Brasil, de demasiadas larguezas. O reinado do marquês de Pombal, com excessivos trabalhos para deixar atrás de si finanças sãs. Aquelas não foram, no entanto, as piores de todas. Curtas tréguas. As verdadeiras calamidades iam abater sobre nós no fim do século XVIII.

7. Com a guerra do Roussillon, ou seja, com as primeiras projecções externas da Revolução Francesa - o chamado «primeiro empréstimo», nascido para financiar os gastos da nossa intervenção e aberto no erário pelo Decreto de 29 de Outubro de 1796, representou para nós o começo de vida nova em matéria de dívida pública. Tanto assim que, talvez pela despropositada designação de «primeiro empréstimo», não faltou quem supusesse ser aquela a primeira operação da dívida portuguesa. Dislate perfeito. Mas alguma coisa mudara, na verdade. Um progresso técnico substancial ia dar início às facilidades modernas. O empréstimo de 1796 - em vez dos padrões de juro, equiparados aos bens de raiz e sujeitos ao seu regime - criara as apólices de natureza comercial, por isso que podiam ser transmitidas por simples endosso e não eram consideradas bens de raiz; deviam correr como letras de câmbio. Da solenidade das fórmulas antigas se passara à simplicidade que devia ser, em matéria de dívida pública,