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652 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 87

apoiá-la e justificá-la, sinto-me à vontade, porque os advogados que podem manter concorrência comigo e são funcionários são tão nobres como eu, e a proposta não prescreve o direito que têm de continuar a advogar. Estou, de facto, à vontade.
O Sr. Dr. Sá Carneiro, há momentos, na linha geral, no teor das suas considerações, não pôde, de maneira alguma, ainda que subtilmente as tenha conduzido, afastar a afirmação de que, em verdade, há uma incompatibilidade, digamos visceral, entre o exercício do cargo de notário ou de conservador e o exercício da advocacia. É a verdade, tal como S. Ex.ª sublinhou, o cargo de notário ou de conservador não impede de se ser advogado - e um bom advogado -, e eu quero conceber, e concebo, que o exercício da advocacia apura as qualidades desses funcionários como funcionários. Mas o que por si envolve uma incompatibilidade íntima é o facto de o exercício da profissão de advogado ser por tal forma dominador e absorvente que não é possível facilmente distrair-se atenções daquele para os serviços públicos. São muitas as vezes em que o advogado em cada mês transita por comarcas diferentes daquela em que tem a sede do seu escritório e passa por essas outras comarcas de manhã à noite e quando volta ao seu escritório tem lá as pessoas que fizeram o sacrifício de aguardar a sua chegada para o consultarem. Aqui têm VV. Ex.ªs a medida em que é absorvente a posição e o exercício da advocacia.
Mas, de certo modo, e eu sei que isto é puramente formal, eu posso dizer que a incompatibilidade subsiste quanto ao próprio exercício: atentemos em que os tribunais funcionam exactamente à mesma hora em que estão abertas as conservatórias e os cartórios, e, então, o advogado, que passa o dia inteiro no tribunal, no julgamento, necessariamente que não cumpre o imperativo legal de estar presente no seu lugar, quando seja notário ou conservador.
E é desta circunstância que pode extrair-se a conclusão de que estas profissões são de verdade incompatíveis. Esta razão define aquilo que diz respeito a incompatibilidades.
Agora, no ponto de vista, digamos, político, que necessariamente condiciona a nossa posição como Deputado, temos de atender ao normal das circunstâncias reais da actividade de funcionários e de advogados.

O Sr. Vasco Mourão: - Isso que V. Ex.ª está a referir, onde se dá com maior acuidade é nas comarcas de 3.ª classe, e para estas o Governo não propõe a incompatibilidade.

O Orador: - Mas deve propô-la, pela lógica do princípio.

O Sr. Luís Alçada - Eu acho que o problema também se aplica às comarcas de 3.ª classe, mas não é só às comarcas de 3.ª classe.

O Orador: - Põe-se, sobretudo, para as comarcas de 3.ª classe.

O Sr. Vasco Mourão: - O que eu não concordo é que uma razão de ordem económica condicione a isenção de incompatibilidades. Ou esta isenção é geral, ou não se compreende que seja limitada à 3.ª classe.

O Sr. Luís Alçada: - Eu não digo que a razão não exista para as comarcas de 3.ª classe. A razão de ser é a mesma, mas é dominada por um princípio de ordem superior, em face do qual há que transigir quanto a estes casos.

O Orador: - Eu costumo ser muito calmo e paciente. No meu discurso interpuseram-se outros discursos. Ouvi com muita atenção, e como, na verdade, não mudaram a linha de pensamento que estava seguindo, continua-la-ei.
Ia dizendo que há circunstâncias de ordem social e moral que justificam a declaração feita.
Atentem VV. Ex.ªs neste panorama: o notário de 3.ª classe que é advogado é todos os dias solicitado pela parte para exarar procuração forense para a defesa correntia em processos penais de somenos importância.
Ele é notário e advogado e diz em tom de lamentação e desconsolo: mas eu também podia defender...
E então a reverência devida à função pública, o prestígio que se tributa ao notário levam muitas vezes a mudar de intenção e... mudar de advogado.
Atentem VV. Ex.ªs neste outro aspecto: o conservador do registo predial e o do registo civil são substitutos natos do juiz de direito; principalmente no meio pequeno, como é sempre a comarca de 3.ª classe, são as pessoas da maior privança do juiz, e o público apercebe-se do fenómeno, e então é fácil ao conservador que substitui o juiz, embora esteja impedido de o substituir nos processos em que tenha procuração, insinuar-se na confiança pública, até ao ponto de convencer que ele é... o melhor advogado dessa comarca.
Mas há mais e mais lamentável: para além destes aspectos de concorrência desleal nós podemos, na verdade, invocar circunstâncias de ordem social que, perfeitamente previsíveis neste momento, aconselham uma atitude prudente e previdente.
Ainda há semanas o nosso colega Sr. Prof. Dr. Jacinto Ferreira trouxe a esta Casa um aviso prévio acerca do desemprego intelectual. Pode dizer-se que ele ainda não é neste momento muito gritante, mas há que chamar a atenção para os seguintes factos: deu-se, neste abandono a que foram votadas as Faculdades de Direito por parte de muitos estudantes, uma larga preferência nos cursos que ha dez amos eram mais promissores. Invadiu-se o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, produziram-se economistas e financeiros de todos os quilates. Simplesmente esses homens estão já hoje a braços com dificuldades de colocação, porque a natureza especial do curso pode dizer-se que não lhes dá, num país pobre como o nosso, acesso a outras posições que não sejam a dos quadros do funcionalismo.
Também há quinze anos foram tentadores os cursos de Medicina Veterinária, mas hoje, como disse o Sr. Deputado Jacinto Ferreira, já há veterinários desempregados e eu conheço alguns que estão a atravessar uma situação económica e moral muitíssimo grave, porque não têm de comer.
Há ainda também um outro curso que muito merecimento tem trazido aos planos com que a Revolução Nacional do 28 de Maio transformou a fisionomia do País: é o dos engenheiros da Faculdade do Porto e do Instituto Superior Técnico, de Lisboa, que hoje se vêem já a braços com uma crise grande.
O que é natural neste momento é que os pais dos meninos que estudam se lembrem do curso de Direito, que é, a final de contas, o que, num conceito geral, dá saída para tudo.
Por isso teremos, por um lado, maiores frequências nos cursos de Direito, mas sem haver a natural saída; e, por outro lado, a supressão de lugares de notários e conservadores e ainda o cambão da Boa-Hora, em Lisboa, e o de S. João Novo, no Porto.
Tenho ouvido oferecerem-se serviços para defesa penal pela miséria de 50$.