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4 DE ABRIL DE 1951 727

carácter de combatividade que a exuberância de hormonas genitais imprime a todo o ser vivo. Mas, desde que não sejam previamente construídas as escadas salmoneiras, resultará inútil o esforço do assaltante, que, apesar da sua fúria de titã, tombará exausto no sopé da barragem, à mercê dos animais daninhos, entre os quais o homem figura em primeiro lugar.
E, com efeito, é o homem que lhe estende as redes, que lhe antepõe as represas, que lhe envenena as águas; e tudo isto precisamente no momento crítico em que ele regressa aos rios, alegre e confiado, galhardamente investido na sua benemérita e sagrada missão de reprodutor.
Toda a imprensa portuguesa, de uma maneira geral, tem publicado com os devidos comentários um verdadeiro sudário de crimes deste género. £ no entanto os criminosos continuam impunemente na prática ignóbil das suas proezas, muitas vezes homicidas, porque não são apenas os peixes que morrem nas águas poluídas, são também as cabeças de gado que passam nos rebanhos encalmados e - o que é mais grave - os próprios homens que desses peixes se alimentam ou as crianças incautas que se debruçam sequiosas sobre os regatos envenenados, que nem por isso deixam de ser cristalinos.
Nada disto sucederia se o projecto de lei do Dr. Antunes Guimarães tivesse vingado, pelo menos nas suas medidas de vigilância e repressão. A solução ideal seria, sem dúvida, a que foi apresentada pelo Sr. General Carvalho Viegas -aumento dos efectivos da Guarda Nacional Republicana -, tendo sido a sua proposta calorosamente apoiada por muitos dos nossos colegas, entre os quais o Dr. Águedo de Oliveira, o engenheiro Mira Galvão e o Dr. Alberto de Araújo.
Quanto aos guarda-rios, a sua insuficiência e a sua ineficácia são factos averiguados, não por culpa deles, mas pela sua escassez e, digamos mesmo, pela sua «pai-sanice», que praticamente os inibe de exercer uma vigilância útil.
Infelizmente o decisivo argumento do acréscimo de despesa torpedeou essa solução; em todo o caso bastaria - creio eu - que o Governo de então tomasse na devida conta a moção do Sr. Deputado Mário de Figueiredo para que as suas e as nossas aspirações se efectivassem. Mas as moções deixam-nos sempre a naquele engano da alma ledo e cego...».
Haja em vista o que sucede em Espanha, onde o generalíssimo Franco fez promulgar leis severíssimas contra os crimes atentatórios do seu património piscícola, que hoje representa, no país vizinho, uma verdadeira riqueza, sob o ponto de vista cultural, económico, alimentar e turístico.
O Século publicou há dois anos uma reportagem, assinada por Adelino Mendes, sobre o salmão de Oviedo, em que sobressaem estas passagens elucidativas:

O salmão, como a truta, como outros peixes fluviais, é vulgaríssimo em muitos rios asturianos.
Pesca-se normalmente, e tanto o seu defeso como a sua reprodução e o seu crescimento são rigorosamente vigiados; e ai daquele que se atreva a transgredir as leis sobre a pesca nos cursos de água, servindo-se de meios criminosos para matar as criações ou mais facilmente se apoderar dos peixes adultos, objecto principal da sua cobiça.
Em Espanha, na sua região montanhosa própria para a criação, nos seus rios e riachos, das espécies piscícolas mais raras, mais afamadas e mais saborosas, há uma vigilância tal e existe, instalada na consciência popular, uma noção tão viva do interesse público que ninguém lança dinamite ou veneno nas águas das correntes ou na profundidade dos pegos para, à custa de selvagens morticínios, dar satisfação à sua maldade, ao seu egoísmo e à sua gula.
Por isso, em Agosto, se serve a preços modestíssimos, nos restaurantes populares, salmão fresquíssimo.
Em Portugal é o que se sabe! Os rios são devastados estupidamente, sem que sobre os pescadores furtivos e criminosos se desencadeie a repressão merecida. E assim se perde uma riqueza inestimável e assim se despreza um elemento não apenas da economia caseira, mas de um turismo que ainda não atingiu a sua maioridade.
O falecido marquês de Marzales deixou um livro precioso sobre o salmão e a sua pesca em Espanha, que termina pelas seguintes conclusões, consideradas nas suas linhas gerais como base da legislação em vigor naquele país e que traduzo nestes termos:
1.ª Devem eliminar-se em todos os rios os obstáculos que dificultem ou impeçam a passagem das espécies piscícolas, em especial dos salmonídeos; e, quando isso não for possível, devem o engenho e a actividade humana empenhar-se a fundo em construir meios eficazes para que os peixes possam escalar e transpor esse obstáculo;
2.ª As águas em que vivem as espécies requerem um determinado grau de pureza, o que obriga as fábricas e empresas ribeirinhas a empregar todos os conhecimentos e processos possíveis e imagináveis para fazer desaparecer a impurificação e a contaminação;
3.ª Os peixes, e em particular o salmão, necessitam duma protecção especial nas épocas da reprodução e uma defesa contra a desmedida avidez do homem; essa protecção e essa defesa têm de consistir num defeso anual e outro semanal que proíbam a sua captura em determinados períodos, e mesmo em determinados dias, fora do defeso anual;
4.ª A ciência e a experiência aconselham com idêntico objectivo a proibição de todas as redes e artes fixas ou substâncias tóxicas e venenosas. Só em zonas de águas salgadas e salobras se devem permitir as redes lastradas, e isso com a oportuna regulamentação;
5.ª O repovoamento artificial constitui uma necessidade premente, que pode conseguir-se com a ampliação das piscifactórias existentes, o estabelecimento de algumas novas e, sobretudo, mediante a incidência do esforço numa zona ou rio determinado;
6.ª Os aproveitamentos piscícolas melhor e mais proveitosamente organizados serão os que se instaurem à base de arrendamentos;
7.ª É indispensável organizar todo o serviço piscícola sob uma direcção-geral e criar juntas piscícolas regionais e laboratórios de hidrobiologia;
8.a Tudo isto tem de harmonizar-se e garantir-se com serviços de guarda e vigilância que, pela sua idoneidade e abundância de pessoal, sejam eficientes;
9.a Finalmente será imprescindível, para conseguir o objectivo proposto, a implacável perseguição aos transgressores, com o rigorismo das sanções e o cumprimento das penas estabelecidas, sem sentimentalismos de qualquer espécie.

E o marquês de Marzales termina o seu livro, publicado em 1930, com este grito de alarme:

Os rios salmoneiros da Espanha estão ameaçados do desaparecimento completo dessa valiosíssima espécie, que já hoje tão pobremente os povoa. Está