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4 DE ABRIL DE 1951 731

existem nesta Câmara. Tem-se defendido a chefia do Estado das mutações periódicas a que dão lugar as eleições presidenciais, sejam de quatro Agora pretende-se garantir uma certa unidade, digamos mesmo uma espécie de continuidade, à função presidencial, excluindo-se de poderem «propor-se ao sufrágio os candidatos que não ofereçam garantias de respeito e fidelidade aos princípios fundamentais da ordem política e social consignados na Constituição», e dando-se ao Conselho de Estado competência para aprovar ou rejeitar as candidaturas.
Mas tudo isto - salta bem à vista - são expedientes, dos quais se lança mão para remediar um mal a que não se quer pôr cobro. Ora esses expedientes têm um limite.
O Estado Novo é uma construção sólida nos seus Princípios, que procura identificar-se com o imperativo das instituições naturais e tradicionais da Nação Portuguesa. Muito já ele tem feito - além dos benefícios de ordem material- no sentido de disciplinar a consciência colectiva, de revigorar o espírito nacional e de o expurgar dos vícios emolientes de um século de liberalismo. Mas a construção está incompleta: falta-lhe a cúpula que feche o edifício, o fortaleça, o preserve de se desmoronar, e sem a qual não poderão realizar-se integralmente aqueles princípios orientadores.
O facto de a chefia do Estado estar ocupada há vinte e cinco anos consecutivos pelo Sr. Marechal Carmona, colocado à testa da Revolução pelo Exército e com qualidades excepcionais que o tornam respeitado de todos os Portugueses, é mais um motivo para se reconhecer como é frágil e incongruente o fecho institucional que, independentemente do mérito das pessoas, se deu paradoxalmente ao chamado Estado Novo. Não esqueçamos as dúvidas, as (perturbações e os perigos a que, justamente por causa dessa fragilidade, a vida do novo Estado esteve sujeita.
Não me vou espraiar em considerações de filosofia política, que seriam inoportunas; cinjo-me aos elementos que o próprio problema da revisão constitucional, tal como se apresenta, nos fornece.
A condenação da magistratura temporária e electiva da chefia do Estado encontra-se implícita na proposta de lei governamental, encontra-se na excelente argumentação do parecer da Câmara Corporativa e encontra-se* na própria evolução da vida política do Estado desde a Revolução de 1926 até agora.
Bastará atentar no § 1.º do novo artigo 72.º da proposta para se ver como ele procura remediar com novas precauções todos os inconvenientes da eleição por sufrágio, quer universal quer restrito, para a suprema magistratura do Estado.
Como lhe faltam a .permanência e a continuidade, que só o carácter vitalício e hereditário da instituição lhe pode dar, recorre-se à intervenção dum órgão à margem - o Conselho de Estado -, a quem se dão funções extraordinárias que quase reduzem o mito da escolha pelo voto individualista a uma simples designação de pessoa.
Isto não é só uma restrição, mas uma contradição ao genuíno princípio republicano. E depois será um meio precário e muito contingente. Lembremo-nos de que o Conselho de Estado de 2 de Fevereiro de 1908 muito contribuiu para se dar mais um passo a caminho da República. Quem pode garantir que amanhã não sucederá o mesmo?
O parecer da Câmara Corporativa no que se refere aos artigos 72.º e seguintes é -talvez sem querer, mas a verdade impõe-se aos homens de boa vontade - uma lição eloquente, uma afirmação irrefutável da superioridade da Realeza.
Nele se põem em foco todos os graves inconvenientes da eleição popular, directa ou indirecta, assim como da escolha pelas assembleias legislativas. Não vou reler a matéria que se contém nos n.ºs 26, 27 e 28 do notável documento. Estou persuadido de que VV. Ex.ªs, que o leram, não puderam deixar de chegar a conclusões semelhantes às minhas.
Finalmente, a observação imparcial do que se tem passado desde que o Sr. Marechal Carmona assumiu as altas funções que hoje ocupa leva-nos a reconhecer:

1.º Que S. Ex.ª foi elevado a elas por escolha do Exército, como já disse, e não por um acto de sufrágio ;
2.º Que as eleições septenárias, que o têm conservado naquele posto, têm sido mais uma formalidade de confirmação do que uma eleição propriamente dita - e ainda bem -, porquanto nunca houve escolha, visto que a sua candidatura nunca teve concorrentes;
3.º A Presidência do Sr. Marechal Carmona constitui assim um exemplo único no Mundo, creio, pois não me consta que haja ou tenha havido Presidente da República que se mantivesse durante vinte e cinco anos consecutivamente no Poder. Estamos em face, afinal, de uma magistratura vitalícia de facto e muito duvidosamente electiva.

Tudo isto significa que o «país legal» não está ainda identificado com o «país real», embora procure atingi-lo. I! porquê?
Por três razões: porque o sistema é mau e, portanto, é preciso iludi-lo; porque o País, apesar de dezasseis anos de república demagógica e de vinte e cinco anos de república contorcida e atenuada, não consegue adaptar-se a ela; porque o Estado Novo, ao pretender fazer política nacional, se vê inevitavelmente impelido a fazer política não republicana.
Só a Realeza - que enferma apenas dos vícios inerentes à condição humana - corrige todos aqueles inconvenientes. E, por ser uma instituição não artificiosa, como a que assenta no absurdo do sufrágio político igualitário, mas filha da própria evolução natural da sociedade, é, por experiência e por definição, lógica, inteligente e legítima.
Sr. Presidente: as Constituições, que se adaptam realmente à idiossincrasia dum povo, são feitas pela natureza e pela história.
Seis séculos durou a Constituição não escrita da Monarquia Portuguesa. Por serem contrárias à natureza e à história, soçobraram rapidamente as de 1822, 1838 e 1911.
Subsistiu durante setenta e seis anos a Carta Constitucional, porque procurou ainda um pouco adaptar-se aos imperativos da nossa índole e representou mais uma transigência com o mal da época do que uma exaltação dele.
E, no entanto, que perturbações não provocou a sua aplicação, digamos a sua inadaptabilidade ao portuguesismo das nossas instituições! Viu-se como acabou.
Era um modelo estrangeiro, que veio espartilhar Portugal no figurino generalizado na Europa do século XIX. Estas generalizações, muitas vezes inevitáveis, são sempre contraproducentes.
É muito outra a génese da Constituição de 1933. Reacção contra os erros que a Revolução Nacional de 28 de Maio conseguira varrer sem remissão, ela reflecte no entanto as indecisões duma situação política que nascera dum acto negativo e que mal começara a definir-se nas suas linhas gerais. Estava-se em face dum regime que ainda não tinha história.