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730 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 91

E, finalmente, que na parte orgânica da Constituição prevaleça inequivocamente o princípio da independência e da recíproca colaboração dos vários órgãos de soberania, cada qual com a sua competência nitidamente delineada, de forma a evitarem-se interferências de jurisdição ou interpretações depreciativas para a dignidade de cada um desses órgãos.
Eu não me empenharei a fundo, Sr. Presidente, na defesa dos pontos de vista que apresento nas minhas propostas de alteração. E se assim procedo é porque confio mais no valor intrínseco que lhes atribuo e que julgo terem do que propriamente nos meus dotes dialécticos para realçar esse valor e para dele convencer os meus ilustres colegas nesta Assembleia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Caetano Beirão: - Sr. Presidente: os princípios políticos que perfilho, o mandato que me trouxe a esta Assembleia e o que eu considero o interesse da Nação obrigam-me a subir a esta tribuna para formular algumas considerações sobre a proposta de lei referente à revisão constitucional.
Não há dúvida de que foi grande o interesse despertado no País em torno da expectativa de importantes modificações no estatuto político do Estado Novo.
É que ninguém de boa fé, quer seja partidário ou simpatizante da actual situação, quer seja indiferente ou adversário dela, aceita que o regime corresponda a uma solução definitiva do problema político português.
O próprio Sr. Presidente do Conselho escreveu, no prefácio à 4.ª edição dos seus Discursos; que ca Constituição de 1933 representa um estádio da evolução, mas não a solução definitiva».
Assim, as pessoas que por este problema se interessam - e são muitas, porque a nossa gente, chamada durante mais de um século a intervir amiudadas vezes nas mutações da vida pública, é visceralmente política - esperavam uma evolução do regime, num sentido ou noutro, mas um passo em frente ou um passo atrás.
Por exemplo: havia muito quem esperasse ver desaparecer do artigo 5.º a palavra que divide e que a sua redacção começasse simplesmente por estes termos: «Portugal é um Estado unitário e corporativo».
Havia quem aguardasse que a palavra «separação» fosse suprimida do artigo que se ocupa das relações do Estado com a Igreja. Havia ainda quem desejasse ver restabelecido o sistema de eleição do Chefe do Estado por sufrágio indirecto, isto é, pelas duas Câmaras em conjunto, como o preconizam, aliás, três Dignos Procuradores que subscrevem o parecer. Anunciavam-se mesmo largas modificações na composição e atribuições da Câmara Corporativa.
Mas nada disto sucedeu.
Até se acabou por verificar que a supressão do artigo 74.º, que prescreve a inelegibilidade dos parentes dos Reis de Portugal até ao 6.º grau para a Presidência da República, fora devida a lapso, que se tornou necessário corrigir.
E certo que, já a propósito desta revisão constitucional, o ST. Doutor Oliveira Salazar disse que as alterações propostas «pelo Governo não seriam profundas. Mas, apesar disso, deve-se reconhecer que houve decepção ao ser publicada a proposta de lei n.º 111.
Efectivamente, na proposta que está em discussão, exceptuando a matéria condensada no Acto Colonial, as alterações que aparecem são mais de forma que de fundo, como se observa no que se refere à definição do território nacional, à melhoria das classes sociais, ao direito ao trabalho, aos tribunais corporativos, etc., etc.
É de louvar - creio que nisto toda a Assembleia e o País estarão de acordo - o restaurar-se a designação de províncias ultramarinas e, consequentemente, a de Ministério do Ultramar, o que corresponde à nossa tradição e à realidade da unidade nacional; assim como a nova redacção proposta para os artigos 45.º e 46.º, quando se reconhece a religião católica como religião da Nação Portuguesa e se dá especial relevo à Igreja Romana em relação às outras confissões religiosas, se bem que tais modificações não satisfaçam plenamente a consciência católica da grande maioria dos Portugueses.
Devo desde já dizer que nesta matéria subscrevo as considerações do parecer subsidiário apresentado pela secção de Interesses espirituais e morais.
Sr. Presidente: ao anunciar-se, no consulado de Sidónio Pais, a discussão da Constituição presidencialista, António Sardinha, então Deputado, escreveu estas palavras:

Convocados para uma Câmara com poderes de revisão constitucional, nós monárquicos, nada temos que colaborar na Constituição da República. Só nos cumpre acompanhar a discussão, denunciando os vícios orgânicos de que fatalmente enfermará e pondo a toda a hora em ressalva os princípios que formam a herança gloriosa da Monarquia em Portugal.

Reconhecemos que as circunstâncias de hoje são bem diferentes das de 1918, mas a verdade é que, em tese, as disposições constitucionais abrangidas no título II, que se denomina «Do Chefe do Estado», e particularmente as dos artigos 72.º da Constituição e 10.º da proposta, não podem interessar aos monárquicos, visto que, por princípio, só aceitam a chefia do Estado hereditária e legítima, isto é, que entronca, segundo a ordem da sucessão, na dinastia admirável dos nossos Reis.
Por mim, desde já declaro - visto não ser permitida, a abstenção nem a declaração de voto senão em votação nominal - que a atitude que na altura própria tomar representará que pretendo abster-me de votar aquele artigo.
Mas ocupo-me dele para tirar as ilações que, em nome da política da verdade, entendo deverem ser presentes neste momento.
É facto que a «questão de regime não está posta»; e que os monárquicos a não querem pôr deduz-se da sua atitude de colaboração com o Governo de Salazar, da atitude com que têm contribuído para as sucessivas reconduções do Sr. Presidente Carmona e, acima de tudo, deduz-se das declarações publicamente feitas pelo lugar-tenente de Sua Majestade o Senhor D. Duarte.
Há, porém, que distinguir.
A questão de regime não está posta se tomarmos esta expressão no seu sentido restrito; mas está posta no seu sentido lato, porque - não fujamos às realidades - o problema político em Portugal continua por resolver.
A prova de que o problema está posto, e está, portanto, por solucionar, são as múltiplas tentativas que desde 1926 se têm feito para evitar que o Estado esteja à mercê, já não digo só doa golpes de estado mais ou menos constitucionais, mas à mercê daquilo que a actual situação herdou da República de 1910, daquilo que, afinal, é a essência do regime republicano.
Dentro da nova ordem política procurou-se - e muito bem - preservar o chamado Poder Executivo das oscilações caprichosas, e tantas vezes interesseiras, das votações da Assembleia Legislativa.
Encontrou-se maneira de evitar a existência constitucional de partidos políticos, que há vinte anos não